sexta-feira, 1 de dezembro de 2023

"Eu versos eu" - (Parte 17) - Antologia

 Antologia poética

91.

Pensei que amava você

Mas você não era mesmo você

A biologia me pregou uma peça

Química ardilosa ilusionista

O amor, quintessência da reprodução

Quando dei por mim

Era escravo

De um instinto cego

Prisioneiro de uma armadilha

Sublime

Enquanto o amor esgueirava

Como um sonho

Pela minha alma

Esperança vazia

Mas quem explica minha dor

Que arrebata minha vida

E aniquila cada átomo de realidade

Quem explica este estado de coisas

Sonho dentro de sonho

Caos na lógica

Nada

Só o amor

Porque tudo é falso

Tudo é mentira

Sem amor

 

92.

Procurei uns versinhos

Mas, perdidos, não achei

Caíram num abismo

De lembrança

Procuro meu amor

Mas, desaparecido, não achei

Caiu num abismo

De lembrança

 

Sinto-me só

Tenho tido pesadelos

 

93.

Devo escrever qualquer coisa

Porque preciso escrever

Qualquer coisa verdadeira

Primeiro, o amor não existe

Segundo, se existisse, seria eterno

Terceiro, se alguém, por ventura

Dissesse sinceramente eu amo você

Tal decreto seria imprescritível e irrevogável

E a sentença: pena capital, prisão perpétua, tortura, confinamento

Enfim, quarto e último, decorre de todas as premissas

O fato de que quase sempre o amor não é correspondido

 

94.

Eu amei tanto

Que odiei

Cometi um equivoco

Dentre incontáveis

Fui egoísta

Deixei que minha mesquinhez

Magoasse quem eu mais amava

Fui extremamente injusto

Feri, machuquei, feri

Quis destruir

Com meu amor

Enlouquecido, esmurrei a porta

Quebrei a janela

Virei a mesa

Desmoronei-me

Desnorteado fugi

Entre uma multidão tumultuosa

O céu desabava

O fim do mundo

E de repente seu olhar mudo

Você ainda me amava

 

95.

É tão estranho dizer isto

Naquela noite de aflição

Não naquela

Mas numa outra que não lembro

Seu olhos me engoliam

Como um aspirador de pó

Se meu espírito não estivesse

Grudado na matéria

Onde eu estaria agora

 

96.

Ela está se casando

O padre diz por dizer

Se alguém, aqui presente

For contra esta união

Fale ou cale-se para sempre

Eu tenho tanta coisa a dizer

Mas me calo

Instantes depois

Braços dados com o marido

A noiva passa pela passarela

Sorrindo, sorrindo

Então, passa e sorri para mim

E, em seguida, desaparece pela porta da igreja

Os convidados seguem felizes

O padre desce do altar e vai embora

Só restou eu, sentado, magoado

Agora que estou só

Pergunto-me

Por que me calei

Por que me calei

Vou embora

 

97.

Dizem que meus olhos são tristes

Ninguém sabe por quê

Eu sei

É porque são o espelho da vida

 

98.

Ela foi embora

Como a deixei partir

Éramos três

Eu, ela e o desencontro

 

99.

Eu sei que estou perdido

Sei também que não tenho objetivo

Sei que sou triste

E não tenho a cabeça no lugar

Mas posso provar que sou bom

 

100.

Se um dia eu te magoei

Saiba que eu me magoei

Mil vezes mais

Peço perdão

Volta

quarta-feira, 1 de novembro de 2023

Subviventes - "Depende de onde olhar" - Resenha

Por Jean Fecaloma

Depende de onde olhar

Recentemente, recebi o disco Depende de onde olhar (2015), da banda Subviventes. Confesso que, por causa de meu relativo afastamento da cena punk, não conhecia a banda, formada nos já nostálgicos 1988. Nada que não possa ser corrigido. Mas antes de comentar o conteúdo do álbum, gostaria de fazer breves observações sobre o nome “subviventes”, que é, ao que tudo indica, já que não o encontrei no dicionário, um neologismo. Antes de mais nada, “subvivente” nos remete, por oposição, à “sobrevivente”, cujo significado pode ser escapar ou resistir às dificuldades, ao perigo etc. Ainda que a palavra possa estar permeada de conotação pejorativa, como, por exemplo, em “estou sobrevivendo” ou “os ricos vivem, os pobres sobrevivem”, ainda sobra um sentido positivo em “sobrevivência”, de “permanecer vivo”, graças ao prefixo sobre- (posição superior, mais do que etc.). Inversamente, em “subvivente”, não pode haver qualquer sentido favorável, porque significa literalmente “vida subtraída”, “vida inferiorizada”, “vida insuficiente”, “viver no subterrâneo ou subsolo” etc.; ou seja, o último estágio de uma escala hierárquica de valores relacionados à vida. Ora, essa breve digressão não é por acaso – como se verá mais abaixo –, pois parece refletir exatamente o que a banda Subviventes quer expressar, como podemos perceber logo na primeira música do álbum, Adeus. Esta canção bem poderia soar como um hino aos direitos dos animais ou a um tipo de socialismo que também incluísse os bichos, conclamando “A todos os animais!” contra a escravidão animal imposta brutalmente pela supremacia do ser racional: o Homem. O refrão não deixa dúvidas: “Igualdade, igualdade, sim! / Direitos aos animais, eu defendo sim / Igualdade sem nenhuma distinção / Exposição ao animal não há justificação”. O tema dos animais, tratados como objeto, ao bel-prazer dos seres humanos, e a crítica à razão (a ciência é associada à crueldade, por exemplo) também se repetem na segunda composição, Espiral racional, que traz à tona um perspectivismo relativista desconcertante que simboliza, intitula e ilustra o álbum. (Na capa, atrás das grades, os integrantes da banda, enclausurados em um cenário soturno, olhando para nós e, na contracapa, os integrantes na frente da grade, mas de costas para nós, olhando para uma paisagem montanhosa e colorida). Esta simetria contrastante, ou melhor, dissimetria perversa, é extremamente perturbadora quando se altera o referencial: “Se você não entende o que quero lhe dizer / Coloque o seu filho em uma jaula para ver / Vou fotografá-lo e até mesmo alimentá-lo / Será isso que eu quero estando do outro lado?”.

Depende de onde olhar

Na mesma linha, Súplica animal, na qual a sabedoria instintiva de um cachorro poderia dizer “Seja dez por cento do que sou” para seu humano “evoluído”, desconstruindo qualquer sentido elevado de humanidade e invertendo de ponta-cabeça a prepotência humana e sua pretensa superioridade racional, também nos recorda a frase atribuída a Alexandre Herculano e parafraseada depois por Raul Seixas: “Quanto mais conheço os homens, mais estimo os animais”. (Rauzito: “Quanto mais conheço a humanidade, mais eu amo meus cachorros”). Sim, tudo depende de onde olhar. Do ponto de vista ético, é um soco no estômago! O que imediatamente me faz pensar: racional para quê? Para fazer guerras, destruir o planeta, explorar o “homem pelo homem”? (A mulher sequer é nomeada nas definições gerais da gramática patriarcalista, sendo representada sempre pelo gênero masculino, tamanha é a subvivência degradante a que foram submetidas na hierarquia social que forjou a linguagem formal). Essa é a tônica do álbum, que nos incita a olhar não apenas pelos olhos dos animais, mas de todos os que são “desumanizados” e, por isso, destituídos de direitos, do direito à vida – que são muitos, por sinal, a maioria subjugada por uma minoria que se autoproclama “elite”. A faixa seis recebe o sugestivo nome de O levante, que é simplesmente levantar, mas também insurreição, revolta, rebelião, motim. “Levante povo oprimido”, introduz a letra, povo esse que se rasteja, submisso, sujeitado, reduzido a mero objeto, enquanto instrumento de trabalho, explorado pelos poderosos donos do capital. “Levante povo oprimido / Vamos todos à batalha” e, abusando acertadamente de uma fórmula irresistível, ao somar uma letra revolucionária a um refrão cativante, desses que não conseguimos parar de ouvir, somos levados a erguer o punho cerrado e cantar: “Vamos todos viver em paz / Nesta paz que a guerra trouxe / Onde todos são iguais”. Já Futebol moderno é sensacional e talvez seja o destaque do álbum. Resgata de algum modo o adágio de um velho socialismo esquecido, isto é, “o futebol é o ópio do povo”, ultrapassado na dita “pós-modernidade”, na qual, tragadas por um turbilhão de valores nebulosos, esquerda e direita se confundem e se anulam; aquela a defender princípios reacionários, esta a atacar por meios tortos o sistema! De fato, nos últimos anos foram feitas tantas concessões em nome de uma falsa democracia, por parte de um liberalismo de esquerda, que um esporte vinculado a uma empresa capitalista bilionária como a do futebol, com seus cartolas corruptos e jogadores reacionários ostentando riqueza em meio à decadência de milhares de torcedores miseráveis, deixou a muito de ser objeto de crítica para se tornar fetiche de “esquerdistas” de plantão. Felizmente, os Subviventes vêm nos socorrer e recolocar as coisas no seu devido lugar. A letra é fantástica e merecia ser transcrita integralmente, mas é meu dever de ofício selecionar algumas passagens. Para começar, o sentido de alienação do futebol é escancarado: “Conto com todos vocês nessa enganação / Eu quero ter dinheiro pra comprar o meu ‘carrão’ / Vocês querem ver o seu time sempre campeão / Enquanto eu vivo aqui no luxo / Vocês com a miséria na mão”. Em um dado momento da música, surge uma voz de locutor de futebol que narra uma inconveniente partida que obviamente não passa na TV: “Apita o arbitro! Começa o jogo. População recuada, governo no ataque. (...) a bola não chega na saúde pública. O povo não aguenta mais! É muita corrupção, minha gente. E o tempo passa, nação brasileira. Começa o contra-ataque perigosamente, pizza na cara do povo, bateu, é fogo e é gol! GOOOOOOOL”. Para sentenciar com: “Sustente outro imbecil como herói nacional / Assim fica em segundo plano / O que acontece no Planalto Central”. É verdade que uma onda conservadora varreu a sociedade de uns tempos para cá, mas o punk está aí para botar o dedo na ferida. E é isso o que fazem os Subviventes. Todavia, questiona-se, a crítica à razão iluminista que permeia todo o álbum oferece alguma esperança para os subviventes que sobrevivem à violência do Estado? E aqui retornamos ao início de nossa resenha. A banda Subviventes retrata uma realidade contraditória repleta de “criaturas” (animais, índios, povo oprimido, invisíveis, viciados, trabalhadores robotizados, desempregados do exército de reserva, torcedores etc.) que tentam sobreviver confinadas nos subterrâneos do mundo capitalista, lutando por respirar o pouco de ar que ainda resta e enxergar uma fresta de luz num ambiente sombrio, sufocante, opressor. Em toda parte, não há saída. Por outro lado, descer ao submundo pode nos dar a chance de nos situarmos em um lugar privilegiado, na medida em que podemos olhar por uma outra perspectiva, pela qual aqueles que estão sobre a superfície e sob a luz intensa do sol não conseguem. De todo modo, Depende de onde olhar nos convida a olhar com os olhos de todos os subviventes, para descobrirmos que olhamos para nós mesmos! Neste exercício de empatia absoluta, irrestrita, altruísta, ao enxergar com olhos dos outros, dos que vivem uma vida humilhante, vislumbramos todo o sofrimento que também sentimos, porque, no fundo, somos iguais. O jogo de oposições, claro-escuro, racional-irracional, superior-inferior, desaparece. Os limites, as fronteiras, idem. A partir desse reconhecimento do outro em nós mesmos e de nossa convivência numa prisão, o valor mais alto é a liberdade e a paz só pode ser conquistada por meio de uma guerra contra os inimigos da liberdade (citação livre de O levante). Entretanto: “O capitalismo não vai permitir / Não há igualdade nem justiça” (Não passarão, Subviventes). Em que pese o apartheid social e a repressão cotidiana, dentro da perspectiva dos subviventes, não há alternativas senão romper as grades da jaula, para que todos os seres da Terra possam conviver em plena justiça, liberdade e igualdade, levando os ideais anarquistas às ultimas consequências “Hasteie a bandeira negra libertária / E veja o mundo todo brilhar / Hasteie a bandeira negra libertária / E sinta a vida em ti emancipar” (Bandeira Negra, Subviventes). Porém, a questão fundamental não foi respondida. Como olhar pelos olhos dos outros, dos injustiçados, dos ofendidos, relegados a uma subvida? A letra de Razão limitada é categórica: “Feche os olhos / Enxergue com o coração”. Utopia? Tenho a impressão de que a mensagem dos Subviventes tem o potencial para uma transformação radical do mundo... O problema é que a ganância cega... o ódio cega... Enfim, esses são os meus destaques, entre um repertório de doze canções excelentes que compõem este surpreendente álbum. No que tange a parte musical, esta transita entre um punk rock e um hardcore tão empolgante quanto original. Espero não ter me alongado muito e peço desculpas pelas minhas divagações filosóficas. Mas é que o material em questão exige um cuidado redobrado e nos instiga a uma meditação profunda sobre os diferentes pontos de vistas que nos cercam, quase sempre divergentes e conflituosos, porém, vitais para a construção de um mundo mais justo. E, cá entre nós, uma banda punk que sinceramente ainda levanta a bandeira da Anarquia merece todo o nosso respeito. Realmente, durante muito tempo não conheci a banda Subviventes, agora virei fã.

E você, está preparado para olhar com os olhos dos Subviventes?

*****

SUBVIVENTES, Depende de onde olhar.

1 – Adeus; 2 – Espiral racional; 3 – Índios; 4 – Mundo parado; 5 – Razão limitada; 6 – O levante; 7 – Não passarão; 8 – Súplica animal; 9 – Homem invisível; 10 – Futebol moderno; 11 – Encenação; 12 – Bandeira Negra.

Formação: Galeão (voz), Garrafa (guitarra), Vermelho (bateria) e Abutre (baixo). [Acho que a formação mudou, entrou o Bolão].

Contato:

bandasubiviventes@gmail.com

Links relacionados:

Punk, ecologia e os direitosdos animais

Riot Grrrl: a revolução das meninas

Fecaloma 30 anos de punkrock: entrevista


segunda-feira, 2 de outubro de 2023

"Eu versos eu" - (Parte 16) - Antologia

Antologia poética


81.

Seus olhos

Ao se trombarem

Com os meus

Assumiram toda a culpa

E se esconderam

 

82.

Seus olhos

Ao se encontrarem

Com os meus

Confessaram todo o amor

E fugiram

 

83.

Não sei onde está meu coração

Se perdido no passado

Ou se se encontra preso ao presente

No futuro não quero pensar

Só sei que nunca foi meu

Nunca será

 

84.

Perdi minha pureza

Nas lágrimas que secaram

Para o meu coração

Liberdade é tristeza

 

85.

Não tenho mais o meu amor

A minha maior riqueza

Invejo e odeio

Aquele quem me roubou

Pois, de que serve um escravo

Se não sabe viver sem seu senhor

Se não sabe viver sem seu trabalho

Se não sabe viver sem seu flagelo

Imploro, devolva as minhas correntes

Sou seu escravo

Escravo do amor

 

86.

Hoje descobri

Desesperado

O quanto o amor

Tem tão pouco

De amor

 

87.

Deus, ajude-me

Imploro

 

88.

O que é amor

Não sei, talvez nada

O amor é impossível

Incompreensível

Entre o amor ideal

Entre o amor real

Eu

 

89.

Beijar a sua boca

Era um sonho

Que nunca se realizou

Agora que eu acordei

Seus lábios se encostam

Suaves, molhados

Devagar

Nos meus

E volto a sonhar

 

90.

O tempo passou

Não amei ninguém

Apenas eu

Porque nunca deixei

De sonhar

sábado, 2 de setembro de 2023

Edelweiss – A Flor do Amor

Por Nilza Monti Pires

Vitral com a flor edelweiss

Numa aldeia nos confins de uma terra distante havia um castelo muito antigo cercado por montanhas, cachoeiras e muito verde, um lugar charmoso.

Lá moravam muitos habitantes, porém, tinha um morador muito orgulhoso, era um homem de poucas palavras, apesar de tudo era um bom homem, também muito preocupado com sua filha, que era muito bonita, diziam que era a mais bela da aldeia.

Enquanto isso, lá no castelo, o rei mandou chamar o seu único filho, o príncipe George, para conversar.

O rei disse:

- Amanhã, George, você vai com os súditos visitar todas as nossas propriedades, logo, logo, irá governar todas essas terras. Por enquanto, para não chamar atenção, vai vestir uma roupa simples, igual a dos aldeões, e os seus súditos vestirão roupa semelhante à sua, para não serem reconhecidos. E outra coisa, quando retornar, irá conhecer sua futura esposa, uma princesa de um outro reino.

- Sim, concordou o príncipe.

No dia seguinte, o príncipe e os seus súditos pegaram os cavalos e lá foram para a aldeia. Chegando no vilarejo, o príncipe ficou surpreso de ver tanta gente, pois pensava que era um lugar despovoado, com pouquíssimas pessoas; pois o castelo e seus arredores eram tão grandes que o príncipe mal saia de lá.

Inicialmente o príncipe e os súditos procuraram um lugar para alojar os cavalos e depois foram passear pela aldeia. Tudo era novidade, as casas coloridas, as pessoas andando de todos os lados. Ao longo do dia, enquanto caminhava, num certo momento, uma jovem desatenta quando passava distraída pelo príncipe tropeçou dando-lhe um encontrão, caindo nos braços do príncipe, que agarrou a jovem numa fração de tempo, para ela não cair.

Quando olhou de frente para a jovem, o príncipe ficou sem palavras, perturbado com a beleza da moça. Olhares se cruzaram, entre eles, foi algo inesperado, uma paixão repentina. Ficaram algum tempo abraçados quando a mãe da aldeã os viu e logo interferiu.

- Vamos Alíssia, já está tarde, agradece o moço.

Alíssia ficou envergonhada, e agradeceu.

 O príncipe olhou nos olhos dela e disse:

- Você será minha futura esposa.

Ela olhou para ele e sorriu levemente com o canto da boca.

Quando ela foi embora, o príncipe ficou parado, pensativo, não conseguia refletir.

Um dos súditos viu o príncipe transtornado e tentou persuadi-lo a deixar o local.

- Preciso ir atrás dela, retrucou o príncipe.

- Ela já foi embora, desapareceu muito rápido.

- Preciso encontrá-la, para onde ela foi? Ouvi a mãe dela chamar Alíssia.

- Agora ficou tarde, sua Alteza, não é bom incomodar as pessoas na aldeia, eles se recolhem cedo e talvez o pai dela não iria gostar.

O príncipe, aborrecido, enfim concordou.

Regressando para o castelo, o príncipe chegou eufórico, ansioso para falar com o rei.

- Pai, acabei de encontrar minha futura esposa.

- Como assim, disse o rei, você encontrou a princesa?

- Encontrei uma linda jovem que mora na aldeia, vou amanhã mesmo pedi-la em casamento.

- Mas meu filho, mal conhece esta jovem e já quer casar! É uma moça simples da aldeia, não é da nobreza. Além disso, o seu casamento com a princesa Caroline, já está marcado, assim você será proprietário de mais terras e será mais poderoso ainda.

- Dei minha palavra para essa jovem, e amanhã vou falar com o pai dela.

- Você ficou enfeitiçado, já disse não é vantajoso nem conveniente para você, eu me casei com a sua mãe, nem sabia como ela era, só na hora do casamento a conheci, e até hoje estamos juntos e felizes.

- Meu caso é diferente, me apaixonei a primeira vista, foi algo inesperado.

- Você é teimoso, está com uma ideia fixa, amanhã você vai pensar melhor.

Cansado o rei foi dormir.

Logo que amanheceu o príncipe saiu às pressas, vestiu as mesmas roupas do dia anterior, ao modo dos aldeões, e foi até o vilarejo. Ali perguntou onde morava uma jovem chamada Alíssia, e todos a conheciam pela sua beleza e mostraram onde ela morava.

O príncipe estava ansioso por rever Alíssia. Bateu na porta.

Quando um aldeão abriu a porta, viu o rapaz.

- Bom dia, o que deseja, falou em tom ríspido.

- Bom dia, senhor, desculpe o incômodo, ontem enquanto caminhava, conheci sua filha, fiquei encantado, vim aqui para pedi-la em casamento.

O aldeão percebeu que era um rapaz educado e resolveu conversar.

- Está certo, meu rapaz, quais são seus planos para se casar com minha filha e, se razoáveis, quando gostaria de se casar.

- Hoje mesmo!

- Hoje mesmo? O aldeão ficou perplexo e completou: É o seguinte, meu rapaz, as coisas não são assim. Mas está bem, não sei se você vai aceitar as minhas exigências, fiz uma promessa, quem quisesse casar com minha filha teria que buscar uma flor branca no alto da montanha, onde nasce a flor edelweiss, porque isso significa para mim um gesto de amor eterno.

- Claro! Sem dúvida, eu trarei essa flor imediatamente, disse príncipe.

- Outra coisa. Em segundo lugar, minha filha Alíssia tem que te aceitar. Já vieram diversos moços querendo casar com ela mas ela nunca aceitou.

- Espero que ela me aceite, vou ficar muito feliz.

Então o aldeão chamou Alíssia.

- Minha filha este jovem veio aqui pedir sua mão em casamento. Você aceita? Depende só da sua vontade.

Quando Alíssia olhou para o jovem, os dois se conectaram dominados pela paixão. Ela disse sim.

- Eu quero me casar com ele.

A resposta que Alíssia deu com tanta rapidez surpreendeu o aldeão.

- Então está tudo acertado, meu rapaz, assim que você trouxer a flor edelweiss, faremos o casamento.

Retornando para o castelo, o príncipe foi logo avisar o rei.

- Pai, preciso falar com você urgentemente.

- Sim, mas por onde andou, estávamos todos à sua procura, preocupados.

- Fui pedir em casamento a jovem Alíssia.

- Mas meu filho, você ficou dominado pela paixão, já marquei seu casamento com a princesa Caroline e contratei até uma grande festança.

- Já me decidi que vou casar com Alíssia e ela aceitou casar comigo.

- Quem não gostaria de casar com o príncipe, dono de todas as terras?!

- Ela nem sabe que sou o príncipe, e, além do mais, o pai dela fez uma promessa, que para casar com sua filha, o pretendente teria que buscar uma flor branca, a edelweiss, no alto da montanha.

- Que absurdo, esse aldeão ficou doido! Buscar uma flor branca no alto da montanha, numa mata fechada e muito perigosa, que mal dá para subir?! Muitos tentaram, mas não conseguiram escalar uma montanha, porque as suas encostas são muito íngremes.

- Mas tenho que ir senão o pai dela não aprovará o casamento.

- Ainda tem é essa! Como esse aldeão se atreve a pedir uma coisa dessa, oposto à razão, ao bom senso, será que não sabe das consequências de subir no alto da montanha para pegar uma simples flor.

- É a promessa, não tem jeito, disse príncipe.

- Então vou falar com ele, para pelo menos convencê-lo a tirar essa ideia extravagante da cabeça. E aí marcaremos a data.

- Sim, está bem, quero me casar o quanto antes, estou muito ansioso.

Assim o Rei vestiu suas melhores vestes para intimidar o aldeão e fazê-lo desistir desse casamento insensato.

Lá foi o rei com sua comitiva real chamando a atenção do povoado. Todos começaram a acompanhar o rei, curiosos, querendo saber o que estava acontecendo.

Chegando à casa do aldeão, ordenou a um dos seus vassalos a bater na porta.

- Quem está aí? gritou o aldeão.

- É Sua Majestade, o rei, disse o arauto.

O aldeão achou que era uma brincadeira e abriu a porta irritado. Ao abrir a porta, ficou surpreso de ver a comitiva real. Pensou: “O que será que o rei veio fazer aqui?”

- Seja bem-vindo Majestade, em que posso servi-lo?

- Vim falar sobre o meu filho.

- Seu filho?

- Meu filho veio aqui esta manhã.

- Aqui, Majestade, não veio nenhum príncipe e sim o moço da aldeia.

- Esse moço é o príncipe George! Quero saber por que meu filho, para casar com sua filha, precisa subir numa montanha perigosa e trazer uma flor?

- Fiz uma promessa para mim mesmo. Eu e minha esposa esperamos vários anos para ter uma filha e já estávamos ficando velhos, e aí resolvi fazer uma promessa para Nossa Senhora: se tivesse uma filha eu subiria no alto da montanha e traria uma flor branca, a edelweiss. Eu subi na montanha, colhi a flor, coloquei no altar da santa e nasceu essa flor especial que é minha filha, Alíssia, a nossa alegria.

- Mas meu filho não fez essa promessa! Ele não pode ser arriscar, subindo numa montanha tão alta, pois será o futuro rei e, além do mais, já está comprometido com uma princesa, logo vai se casar. E vocês estão nos causando aborrecimentos e problemas para o meu reino.

- Nós não sabíamos nem imaginávamos que o moço vestido de aldeão era seu filho, o príncipe George, e tampouco que ele estava comprometido. Estou muito ofendido com essa desconsideração, essa ofensa. Iremos partir em três dias.

O rei saiu satisfeito, conseguiu o que queria, mandá-los embora.

Quando voltou para o castelo o príncipe estava aflito, esperando o seu retorno.

- Deu certo pai, conheceu o aldeão?

- Infelizmente não deu certo, esse é aldeão é muito arrogante, insolente e atrevido, quando soube que você era o príncipe, sentiu-se enganado e traído, e não quis mais conversar. Insisti, mas foi tudo em vão.

O príncipe ficou muito decepcionado, não esperava essa resposta.

Aquele entusiasmo virou tristeza, ficou deprimido, receoso de ter que renunciar a sua amada Alíssia.

- Eu vou até lá! disse o príncipe.

- Não vá, porque o pai dela disse para você não aparecer mais por lá.

- Mas Alíssia tinha aceitado casar comigo!

- Mas o pai dela não aceitou, desistiu.

Era tarde da noite, o príncipe estava inconformado, não conseguia dormir, esperou clarear o dia, vestiu suas melhores roupas, chamou seus súditos, e lá foram com a carruagem real pedir novamente Alíssia em casamento, para mostrar sua lealdade.

Chegando no vilarejo, todo povoado indiscretamente curioso passou a seguir o príncipe, querendo ver aonde ele ia.

Chegando na casa da Alíssia mandou um dos seus súditos bater na porta.

Quem atendeu foi o aldeão, que ficou surpreendido em ver o príncipe:

- Bom dia, Alteza.

- Bom dia, vim aqui para conversar.

- Infelizmente não temos nada para conversar, já temos muitos aborrecimentos, minha filha chora o dia inteiro e está muito infeliz.

- Vim aqui como o príncipe pedir Alíssia em casamento.

- Sua Alteza tem uma noiva e vai casar em breve. Deixe minha filha em paz! Estamos até deixando a cidade.

- Por favor, não se vão, não tenho nenhuma noiva, quero me casar com Alíssia, ela é a mulher que eu amo, não sei viver sem ela. Sou um homem de palavra e já tínhamos acertado tudo.

O aldeão viu a insistência dele e falou:

- Sim, é verdade, também dei minha palavra, realmente já estava tudo combinado. Então está bem, vamos esperar os três dias e aí nós partimos, como prometi para o rei.

- Vou agora mesmo buscar a flor. A sua promessa é a minha promessa também..

O povo que estava assistindo aplaudiu com entusiasmo e lá se foi o príncipe, com acessórios de alpinista nas costas.

Passaram dois dias, nada do príncipe. O povo inteiro esperando. O aldeão já estava preocupado.

Alíssia estava angustiada, não conseguia nem se manter em pé.

O povo apreensivo já estava ficando desanimado: Será que o príncipe desistiu?

No terceiro dia, o povo já estava indo embora.

Alíssia estava desassossegada e num impulso falou para o povo:

- Por favor, não vão embora, meu coração disse que ele já está vindo!

Mal Alíssia acabou de falar essas palavras, lá vinha o príncipe com a flor branca, a edelweiss. O rosto da jovem Alíssia iluminou, cheio de alegria. Correu para os braços de seu amado.

Os dois se abraçaram, o príncipe se ajoelhou em frente de Alíssia e pediu:

- Quer casar comigo?

- Sim, com todo meu amor, respondeu Alíssia.

- Eis que então entrego essa linda flor edelweiss para a minha futura esposa.

O povo inteiro aplaudiu, gritavam: Viva o amor! A algazarra era tamanha, um alvoroço só, que se ouvia até no castelo.

O rei estava triste, com a falta do filho, mas, ao ouvir tanto barulho, foi às pressas ver o que estava acontecendo.

Chegando no vilarejo, viu seu filho sendo aclamado pelo povo, sentiu orgulho e uma alegria imensa, e foi abraçar o príncipe.

O rei chegou perto do casal e disse:

- Estou muito feliz por você, meu filho, teve força de vontade e conquistou o que queria. Vou confessar um segredo, que até hoje não te contei, sua mãe também era filha de aldeões, e eu me apaixonei por ela, todos foram contra, mas eu lutei pelos meus sonhos. Quando a gente quer, a gente consegue! Sou um rei feliz, e por ser feliz, sou rei um generoso e justo.

- Não entendo porque fez tudo aquilo para que eu desistisse da mulher que eu amo, me fazendo sofrer muito.

- Foi uma estratégia, coloquei você à prova para lutar pelo que queria, para ser um rei competente e determinado, digno de ser meu sucessor, feliz com a mulher que ama. Se você fosse infeliz, não seria um rei generoso. Tudo não teria valor. Só tem uma coisa que eu não fiz: buscar uma flor no alto da montanha!

- Provei então que vou ser um rei feliz e leal para o meu povo. Só tem mais uma coisa, adorei subir na montanha.

Os dois riram e se abraçaram e também foram abraçar o aldeão.

- Atenção que o rei vai falar, gritou o arauto.

- Meu filho, o príncipe George, vai se casar com esta linda jovem e haverá uma grande festa no palácio e todos vocês estão convidados.

O povo aplaudiu com grande alegria e gritavam: Viva o rei!

No dia do casamento todos estavam muito felizes, os noivos estavam radiantes, Alíssia trajava um vestido de um branco precioso, e segurava em suas mãos uma flor branca, a edelweiss.

Chegou o padre para celebrar o casamento. O príncipe George e, agora, princesa Alíssia juraram amor eterno.

Depois das formalidades religiosas o padre pronunciou:

- Príncipe George e princesa Alíssia, eu vos declaro marido e mulher. O noivo pode beijar a noiva.

Assim que os noivos se beijaram, o povo aplaudiu calorosamente, mas o que todos esperavam era a hora da noiva jogar o buquê.

Alíssia então pegou o buquê de flores brancas edelweiss, virou de costas e jogou para a multidão e por sorte caiu nas mãos da princesa Caroline, que ficou extremamente feliz.

George e Alíssia foram felizes para sempre!

*****

Créditos:

Ilustrações: Sabrina Paloma, Paula Vanessa e Nilza

Revisão: Diego, Paula Vanessa, Nilza e Jean