(conclusão) A
bondade é positiva. Faz obra de amor. Age, assim, por uma razão que sente
profundamente: se não o fizesse, julgar-se-ia semelhante a um homem que
jejuasse hoje a fim de ter amanhã mais do que pode consumir. É exatamente assim
que pensaria o "homem de bem", se deixasse os outros na indigência,
enquanto ele próprio vivesse na abastança. Para ele, o véu de Maia tornou-se
transparente; desapareceu a grande ilusão que dá à vontade dispersa nos
fenômenos a aparência de gozar aqui e sofrer ali, quando é sempre a mesma
vontade e o mesmo tormento que ela causa e sofre ao mesmo tempo. O amor e a
bondade são compaixão, nascida do conhecimento do "Tat twan asi", do
"Isto, és tu", do gesto que levanta o véu de Maia. Já o dissera
Spinoza: "Benevolentia nihil aliud est, quam cupiditas ex commiseratio
orta", "a bondade não é mais que o amor nascido da compaixão".
Mas daí resulta claramente que, se a justiça se ergue até à vontade, pode esta
por sua vez se alçar ainda, não somente até ao amor mais desinteressado e ao
mais generoso sacrifício, mas na verdade, até à santidade. Porque, quando um
homem chegou a tal conhecimento do amor, considera o sofrimento de tudo que
vive como o seu e se apropria da dor do mundo inteiro. Vê o Todo a vida,
contradição interna da vontade e sofrimento que não cessa a humanidade
sofredora, a animalidade sofredora, e o conhecimento da coisa em si torna-se
para ele um alívio do querer. Nele, a vontade se desviara da vida, porque, já
que a sua compaixão refletida o obriga a negá-la, como poderia aprovar ainda
compreendendo aí a si próprio, o querer viver, de que a vida é a obra, a
expressão e o espelho? A resolução que chegado a tal compreensão, toma um homem
é a da renúncia, da resignação, da suprema impassibilidade. Nele se realiza a
passagem da virtude para o nobre paradoxo da ascese, um grande paradoxo, na
verdade; porque acontece então que uma individuação da vontade renega o ser que
nela aparece e que se exprime por seu corpo, que seus atos desmentem sua
aparência e entram em luta aberta com ela. O asceta recusa-se a satisfazer a
libido: sua castidade é o signo de que, com a vida desse corpo, a vontade, de
que ele é a manifestação, igualmente se anula.
Como definir o santo? Aquele que não faz nada de tudo que deseja e faz
tudo que não deseja. Ora, a castidade ascética, tornada regra geral,
acarretaria o fim da espécie humana. Mas, dada a estreita ligação de todas as
manifestações da vontade, a mais alta de todas, o homem, em sua queda,
arrastará também seu débil reflexo, a animalidade, e, como assim todo
conhecimento se suprimiria, o mundo inteiro - pois sem sujeito não há objeto -
por si mesmo cairia no Nada. O homem é, em potência, o salvador da natureza. É
por isso que Angelus Silesius, o místico, exclama Homem! Todas as coisas te
amam e correm para ti: Tudo corre para ti para chegar a Deus.
Por
paradoxal que possa parecer, malgrado toda a sua misantropia e todas as suas
palavras e queixas sobre o estado de corrupção da vida em geral, como sobre o
caráter grotesco do gênio humano em particular, apesar do desespero que o
acabrunha quando vê a miserável companhia em que caímos pelo fato de termos
nascido homens, Schopenhauer tem, no entanto, e culto do homem, tal como o
concebe. Enche-se de altiva veneração humana em presença deste "coroamento
da criação" que, para ele, como para o autor da Gênese, significa o homem,
a mais alta e a mais adiantada objetivação da vontade. Esta mais importante
forma de seu humanismo caminha inteiramente a par com seu ceticismo político,
sua oposição à Revolução, e tacitamente concorda com eles. Para ele, o homem é
venerável, porque é o ser capaz de conhecer. Certo, todo conhecimento, em
princípio, se submete à vontade, pois dela emerge, como a cabeça do tronco. Nos
animais jamais se pode suprimir esta sujeição da inteligência. Veja-se, porém,
somente a diferença entre o homem e o animal, no que respeita à situação da
cabeça em relação ao tronco. Nos animais inferiores, ambos se fundem e, em
tortos, a cabeça se volta para a terra, onde se encontrará os objetos do
querer; nos próprios animais superiores, a cabeça e o tronco são ainda muito
mais unidos que no homem, em quem a cabaça (aqui Schopenhauer diz o
"chefe" e não a cabeça aparece superposta livremente a ele e trazida
por ele, sem estar a seu serviço. “‘O Apelo’ de Belvedere representa no mais
alto grau esta superioridade do homem: a cabeça do Deus das Musas, cujo olhar
vai longe, ergue-se tão livremente sobre os ombros que parece ter-se escapado
do corpo e ter-se libertado do cuidado de servi-lo".
Podem-se
fazer mais humanas associações de ideias? Não é em vão que Schopenhauer vê a
dignidade do homem na estátua do Deus das Musas. É uma visão profunda e
particular, unindo a arte, o conhecimento e a “dignidade do sofrimento” humano,
que se revela nesta imagem; é um “humanismo pessimista” que, pois o humanismo
tem essencialmente a colaboração de um otimismo de retórica, representa
qualquer coisa inteiramente nova e, ouso afirmá-lo, uma visão de futuro fecunda
no domínio das convicções. No homem, suprema objetivação da vontade, este
humanismo é iluminado pelo conhecimento; mas, à medida que o conhecimento
atinge maior nitidez, que a consciência se eleva, também o sofrimento cresce e
este, por sua vez, em graus diferentes segundo os indivíduos; é no homem de
gênio que se eleva mais alto. "O que determina a hierarquia é a aptidão
para sofrer profundamente" - escreveu Nietzsche, seguindo sem reserva e
até o fim o aristocratismo do sofrimento de Schopenhauer, doutrina segundo a
qual a vocação do homem e do gênio, sua mais alta distinção e seu
enobrecimento, é o sofrimento. Resultam desta vocação as duas grandes
possibilidades que o humanismo de Schopenhauer consigna ao homem; chamam-se
arte e santidade. Puramente humana é a possibilidade do estado estético, contemplação
das Ideias libertada da vontade; humana e unicamente humana é a possibilidade
de uma redenção definitiva, quando a vontade de viver se nega a si mesma para
se elevar mais alto que o artista, até à santidade ascética. Ao homem é
outorgada a possibilidade da correção, que anula o grande erro e engano do ser:
intuição suprema, que lhe ocorre quando chama a si todo o sofrimento do mundo e
quando pode conduzi-lo à resignação é à inversão da vontade. Assim, o homem é a
esperança secreta do mundo e de todas as criaturas; é para ele que, por assim
dizer, todos os seres correm, cheio, de confiança; é para ele que todos levam
os olhares, como para o seu possível redentor e salvador.
Concepção
de grande beleza mística, em que se exprime um respeito humano pela, missão do
homem, prevalece sobre a misantropia de Schopenhauer, sobre todo o seu desgosto
dos homens, e os retifica. É o que me importa: a união do pessimismo e do
humanismo, a experiência espiritual, que revela a Schopenhauer que se pode
admitir a um sem excluir ao outro e que se pode ser pessimista sem necessidade
de ser bem falante ou um lisonjeador da humanidade.
O
que nos põe em guarda, quando tentados a tomar ao pé da letra o humanismo de
Schopenhauer é sua concepção apolínea e clássica da vontade; o que, antes, no
seu caso, como em tantos outros, nos força a estabelecer distinção entre a
opinião e o ser, a não confundir o homem com seus juízos, é seu
"extremismo", a grotesca dualidade, a contradição interna de sua
natureza, que se deve chamar romântica, no sentido mais pitoresco da palavra, e
que da esfera de Goethe o afasta muito mais do que podaria ele ter consciência
disso.
Raramente
haverá título mais expressivo, mais exaustivo que o de sua obra-prima, sua obra
única no fundo, pois desenvolve seu único pensamento: porque tudo o mais, tudo
o que ele escreveu durante os setenta e dois anos de sua vida, não foram mais
que peças de confirmação obstinadamente reunidas, arrimos de reforço. "O
mundo como vontade e representação": não é somente este pensamento,
condensado na fórmula mais curta; é também o homem, o ser humano, a pessoa, a
vida, o sofrimento. Nele, os impulsos da vontade, sobretudo os da voluptuosidade, devem ter sido particularmente fortes e
perigosos, torturantes como as imagens mitológicas de que se serve para pintar
a escravidão da vontade; sem dúvida, corresponderam elas à sua violenta
necessidade de conhecimento, à sua espiritualidade clara e poderosa, mas
opondo-se-lhes de maneira tal que o resultado, caricatural em alto grau, foram
a dualidade radical e terrível e o despedaçamento da experiência, o mais
profundo desejo de salvação, a negação espiritual da própria vida, a acusação
contra seu Eu, mau, errado e culpado. Para Schopenhauer, a libido é o
"foco da vontade'", em sua objetivação corporal o polo oposto ao
cérebro, que representa o conhecimento. Se, visivelmente, tivessem as duas
esferas um poder que de muito ultrapassasse o médio, os únicos beneficiados
seriam a plenitude e a força de sua natureza considerada no totalidade; o que
precisamente faz dele um pessimista e um negador do mundo são unicamente as
relações entre as duas esferas, sua total oposição, que vai até à hostilidade,
que tende à exclusão de uma delas e traz o sofrimento; essa relações, além
disso, não impedem que se chame ao seu pessimismo o produto espiritual da
plenitude e da força, mal compreendida. A dualidade de sua natureza, sensível
aos antagonismos e aos conflitos, atormentada e violenta, fá-lo sentir o mundo
a um tempo como instinto e espírito, paixão e conhecimento, "vontade"
e "representação". Como não descobriu ele em sua arte, em seu gênio,
a unidade deste mundo? Por que não compreendeu ele que o gênio não é de maneira
alguma o silêncio da sensualidade e a ostentação da vontade, de que a arte
seria a objetivação pelo espírito, mas a união e a interpenetração das duas
esferas, união que encanta mais que, isoladamente, a cópula ou o espírito? O
estado de artista, de criador será, nele mesmo, mais que a sensualidade
espiritualizada e o espírito tornado genial da libido? Goethe viu e viveu tudo
isso muito diferentemente que o pessimista Schopenhauer: de maneira mais feliz,
mais sã, mais serena, "mais clássica", menos patológica - tomada a
palavra não no sentido clínico, mas no espiritual - quero dizer, pois, menos
romântica. Para ele, volúpia e espírito, "a ideia e o amor"
constituíam o mais poderoso e o mais nobre encanto da vida, e escrevia:
"Porque a vida é o amor, e a vida da vida, é o espírito". Em
Schopenhauer, ao contrário, o crescimento genial de ambas as esferas termina no
ascetismo. Para ele, a volúpia perturba diabolicamente a contemplação pura e o
conhecimento renega a volúpia, ordenando-lhe: "Se teu olho te escandaliza,
arranca-o". Conceber o conhecimento como a "paz de espírito", a
arte como o apaziguamento, como o estado de contemplação "pura", que
salva o homem, salvando-se pelo aniquilamento da vontade, e o artista como o
esboço do santo, que definitivamente se alforriou da vontade, tal é a ideia de
Schopenhauer. Repitamo-lo ainda: na medida em que tende para uma objetividade
apolínea, esta concepção do espírito e da arte se encontra com a de Goethe,
apresenta caráter clássico. Mas seu extremismo e seu ascetismo são nitidamente
românticos, tomada esta palavra em sentido oposto ao do gosto de Goethe, que
conhecemos melhor por suas atitudes a respeito de Heinrich von Kleist; é com
sentimentos semelhantes que ele deve ter lido “O mundo como vontade e
representação”: concordando com alguns resultados e reagindo
“hipocondriacamente” – e, assim, abanando a cabeça, ele o colocou de lado;
sabemos que ele, depois de ímpeto inicial de interesse e curiosidade, não
chegou a ler o livro até o final.
O
estranhamento de um grande homem em relação a outro, que é egoísmo necessário,
não deve nos desorientar. Goethe também unificava em si, de uma maneira mais
venturosa, o clássico e o romântico – e essa é até uma das formulas com que se
pode exprimir a grandeza. Com Schopenhauer, não é diferente: a unificação
dessas duas direções do espírito também deve ser contabilizada mais como saldo
do que como prejuízo para sua grandeza – já que, de fato, a grandeza unifica,
condensa, resume uma época. Schopenhauer condensa muita coisa, sua doutrina
abriga muitos elementos: idealistas, da filosofia da natureza e até do panteísmo;
e que sua personalidade seja forte o bastante para amarrar esses elementos,
como também o clássico e o romântico, fundindo-os em algo totalmente novo e
único, de modo que não se possa falar nem de longe de ecletismo, eis o que é
decisivo.
No
fundo, é certo, os termos de uma alternativa como "clássico" e
"romântico", não calham a Schopenhauer: nem um nem outro exprime toda
sua alma, que não é contemporânea dos homens para os quais esses conceitos
opostos representavam ainda um papel. Está muito mais perto de nós que os
espíritos que se preocupavam com esta diferença e se classificavam segundo ela;
a forma de espírito de Schopenhauer, a sensibilidade e o ardor excessivos de
seu gênio, cujo dualismo é caricatural, são menos românticos que modernos; desejaria
dizer muito com esta designação, mas relacionando-a totalmente com uma alma
moderna, cujo calvário só é bastante visível neste século entre Goethe e
Nietzsche. Desse ponto de vista, Schopenhauer toma lugar entre um e outro: mais
moderno, mais doloroso, mais complicado que Goethe, mas muito mais
"clássicos", mais robusto, mais sadio que Nietzsche, ele operou a
transição; pode-se, pois, deduzir daí que o otimismo e o pessimismo, a
afirmação ou a negação da vida nada têm a ver com a saúde e a doença. A saúde e
a doença, se as considerarmos como juízo de valor, só com muita precaução podem
ser aplicadas à espiritualidade humana, porque são conceitos biológicos e a
natureza do homem não se reduz ao biológico.
Schopenhauer,
psicólogo da vontade, é o pai de toda a psicologia moderna, dele se vai, pelo
radicalismo psicológico de Nietzsche, em linha reta a Freud, assim como àqueles
que concluíram sua psicologia do inconsciente e a aplicaram às ciências do
espírito. O anti-intelectualismo e o antissocratismo de Nietzsche não são mais
que a afirmação filosófica e a glorificação do primado da vontade, descoberta
por Schopenhauer e da intuição pessimista que o fez designar um lugar
secundário à inteligência, serva da vontade. Esta intuição, esta verificação -
que não é precisamente humana no sentido clássico - de que a inteligência está
simplesmente às ordens da vontade, para provê-la de motivos, frequentemente
muito pouco fundados e falaciosos para racionalizar os instintos, contém uma
psicologia cética e pessimista, uma ciência da alma impiedosamente lúcida que
não somente preparou os caminhos ao que chamamos psicanálise, como já é esta
própria psicanálise. No fundo, toda psicologia desmascara; é o olhar
penetrante, irônico do naturalista, que penetra as relações enganadoras do
espírito e do instinto. Isso corresponde per- feitamente à conivência mística
da natureza nas “Afinidades eletivas”, em que Goethe faz Eduardo dizer, já
enamorado, após seu primeiro encontro com Odila: "Ela tem muito
espírito", e sua mulher lhe responde: "Muito espírito? Mas ela não
abriu a boca!" Schopenhauer por certo gostou desta passagem. É uma amável
ilustração, ainda classicamente serena, da frase em que declara que a gente não
quer uma coisa porque a reconhece boa, mas que se julga boa porque se quer.
Ele
mesmo afirma, por exemplo: “No entanto, é preciso notar que, para nos
enganarmos a nós mesmos, nós cometemos aparentes precipitações, que na verdade
são secretamente ações refletidas. Pois não enganamos e bajulamos ninguém com
artimanhas mais finas do que a nós mesmos.” Nessa observação incidental estão
contidos “in nuce” capítulos inteiros e até volumes da psicologia analítica do
desmascaramento – da mesma maneira que, posteriormente, muitos conhecimentos e
descobertas freudianas são com frequência antecipados como relâmpago nos
aforismos de Nietzsche. Numa palestra em que fiz sobre Freud em Viena, observei
que o reino sombrio da vontade schopenhaueriana é completamente idêntico àquilo
que Freud chamou de “inconsciente”, de “isso” – assim como, por um lado, o
“intelecto” de Schpenhauer corresponde inteiramente ao “eu” freudiano, a essa
parte da psique voltada para o mundo externo.
A
verdadeira razão que nos faz hoje retomar Schopenhauer e examinar sua concepção
do mundo, o motivo que nos leva a evocar sua fisionomia espiritual, com tudo
que ela lembra, diante de uma geração que não sabe grande coisa dele, são as
relações do pessimismo e da humanidade. É o desejo de transmitir aos homens do
tempo presente, nos quais o sentimento de humanidade atravessa grave crise, a
experiência pessoal da união particular contraída pela melancolia e pela
altivez do humano nesta filosofia. O pessimismo de Schopenhauer é sua
humanidade. Sua explicação do mundo pela vontade, sua intuição da onipotência
dos instintos, o rebaixamento da razão outrora divina, do espírito, da
inteligência, reduzida a não ser mais que o instrumento da vida que quer
afirmar-se, tudo isso é anticlássico e, em essência, inumano. Mas sua
humanidade, sua espiritualidade residem precisamente no matiz pessimista de sua
doutrina, que o leva a renegar o mundo e a pregar um ideal ascético; no fato de
que esse grande escritor, versado em sofrimento, cuja prosa é a da grande época
de nossa civilização humanista, tirou o homem do elemento biológico e da
natureza, fez de sua alma, que sente e conhece, o teatro da inversão do querer
e viu nele o salvador possível de todas as criaturas.
Em
seu primeiro terço, o século XIX foi uma reação total contra o racionalismo e o
intelectualismo clássicos; comprovou-se numa admiração do inconsciente, numa
glorificação de instinto, que julgava dever à "vida" e que somente
preparou assaz, para os instintos maus dias felizes... Frequentemente o
pessimismo consciente se mudou então em prazer de prejudicar, o reconhecimento
de verdades amargas pelo espírita transformou-se em ódio e em desprezo do
próprio espírito e, sem a menor generosidade a seu respeito, a gente se pôs do
lado da vida, isto é, do lado do mais forte; porque, se uma coisa é certa e
provada, é exatamente esse fato de nada ter a vida a temer do espírito, e do
conhecimento e que, na terra, o espírito não a vida, tem o míni- mo de força e
a maior necessidade de proteção.
Mas
a própria anti-humanidade atual é, afinal, uma experiência humana, uma resposta
unilateral aos eternos problemas da essência e destino do homem. Visivelmente
ela precisa de um corretivo que restabeleça o equilíbrio, e eu creio que a
filosofia evocada aqui pode hoje prestar bons serviços. Chamei Schopenhauer de
“moderno"; deveria ter dito "futuro". Os elementos que compõem
sua personalidade, sua harmonia claro-escura, a mistura de Voltaire e de Jacó
Böhme, o paradoxo de sua prosa clássica e clara, que revela o mais profundo, o
mais noturno abismo, sua altiva misantropia, que jamais renega seu respeito
pela ideia do homem, em suma, o que eu chamei sua humanidade pessimista,
aparece-me rico de futuro e promete talvez, à sua construção teórica, que
esteve na moda e foi célebre, caindo depois em semiesquecimento, uma ação nova,
profunda e fecunda, sobre os homens. Sua sensualidade espiritual, sua doutrina
- que era vida - segundo a qual conhecimento, pensamento, filosofia não são
apenas ocupação de cabeça, mas do homem inteiro - coração e sentidos, corpo e
alma - em uma palavra, o que dele faz um artista, tudo isso pode ajudar a
produzir-se uma humanidade que ultrapassa a aridez da razão e deificação do
instinto. Porque sempre, companheiro do homem na jornada que penosamente o
conduz a si mesmo, a arte atinge primeiro o objetivo.
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