Movimento punk
O punk é considerado um elemento indissociável da cultura britânica do século XX. Assim como os ônibus vermelhos de dois andares, policiais desarmados e o Big Ben, no imaginário popular o punk também faz parte do patrimônio cultural da Inglaterra. Quando surgiu, seu ideário e estilo refletiam o clima político, social e econômico do final da década de 1970.
Nessa época, o punk aparecia como uma cultura jovem distinta
e que, por sua vez, provocou verdadeiro pânico moral na tradicional sociedade
inglesa. Mais significativamente, o punk mobilizou uma prática política e cultural
contestadora, por parte de uma parcela da juventude ligada à classe operária, em
resposta ao “thatcherismo” capitaneado pelo Partido Conservador. Suas letras e
iconografia negavam, através de uma postura anarquizante, a política como um
todo, ao mesmo tempo em que desafiavam os ditames e monopólios da indústria musical.
O punk lutava acima de tudo contra a alienação e por liberdade plena, assumindo
uma atitude de anticensura na qual questionava hierarquias sociais e a desigualdade
social e econômica.
Mas apesar do punk oferecer
um espaço de contracultura para vozes dissonantes, aqueles que nunca tiveram o
direito de falar, os excluídos da cultura, da sociedade e das políticas
tradicionais, permitindo assim uma diversidade de experimentação artística sem
precedentes, que desafiava as normas da indústria cultural, bem como da ordem
social vigente; com o tempo, o punk foi sendo mistificado e absorvido pela narrativa
mais ampla da história da música pop. O movimento punk, que inicialmente
questionava os alicerces do establishment, também acabou por ocupar as
prateleiras dos grandes magazines, gerando lucros vultosos para a indústria
fonográfica.
Política
anti-política
O surgimento do punk como
estilo e forma cultural, ideológica e musical, é reconhecidamente relacionado à
banda inglesa Sex Pistols. As músicas "Anarchy in the UK" (1976) e
"God Save the Queen" (1977) escandalizaram a mídia e a opinião pública
britânica, o que acabou por definir o punk como uma cultura jovem abertamente
politizada e de contracultura. Essa percepção foi reforçada pelos significantes
políticos exibidos pelos punks (símbolos da anarquia etc.) e por grupos como
The Clash, que fazia referência direta às tensões raciais, ao desemprego e às
mazelas da vida cotidiana ocasionadas pela crise econômica.
Neste contexto, bandas
punks se engajaram abertamente na campanha Rock Against Racism de 1976-1978, em
resposta ao aumento das tensões raciais e ao crescimento de grupos neonazistas.
Mesmo quando o punk começou a se fragmentar em diferentes tendências, ainda
assim o foco crítico-político foi mantido como uma característica inerente. Se
bandas pós-punk como a Gang of Four abordavam questões de consumo e relações de
gênero, a cena Oi! ou skinhead se concentrava em questões de identidade de
classe e Street Politics. No início dos anos 80, o anarquismo de bandas como o
Crass defendia um ativismo contundente em torno da Campaign for Nuclear
Disarmament (CND) – Campanha de Desarmamento Nuclear – e ações-diretas que
ajudaram a iniciar o Stop the City, entre 1983 e 1984, ao qual foi descrito
como um “carnaval contra a guerra, opressão e destruição” e que, de certa
forma, antecipou o movimento antiglobalização dos tempos atuais. Enquanto isso,
a cena musical se deslocava para a extrema direita da política britânica com a
formação de bandas neonazistas.
Cultura
jovem
O punk apresentou-se
principalmente como uma cultura jovem. Seu principal meio de expressão era o
estilo, cabelos e roupas extravagantes, a crítica social e a música punk rock
ou hardcore. Seus principais adeptos eram adolescentes e jovens no início dos
20 anos. Esta juventude criticou o pacifismo de movimentos anteriores, como o
hippie. O punk perdera a ingenuidade do Flower Power aprendendo que os
poderosos não entregavam a paz e verdadeira justiça assim de mão-beijada. Como
reação, a violência simbólica do seu estilo intencionava escandalizar e abrir
brechas no sistema para depois destruí-lo.
Até certo ponto, portanto, o
punk pode ser visto como um elo final na linha de "subculturas"
juvenis que se estendia pelo menos até os anos 1950. No entanto, o punk surgiu
em um contexto socioeconômico distinto. Se as culturas juvenis do pós-guerra se
desenvolveram em conjunto com o crescimento econômico, o punk floresceu em um
período de crise econômica. Consequentemente, o punk pode ser visto menos como
uma cultura de aspirações idealistas e mais como uma cultura de revolta. Uma de
suas características mais notáveis era seu desafio explícito aos costumes
culturais e sociais predominantes.
Naturalmente, a extensão dos impactos
causados pela cultura punk está sujeita a questionamentos e controvérsias. Mas,
de fato, o legado punk se estendeu além do estilo e da música, influenciando
amplamente a moda, as artes visuais e os espaços sociais, como clubes, lojas
etc. Para muitos, o punk desenvolveu, sim, uma cultura, que convidava à
criatividade e experimentações ilimitadas, através de um debate pluralista que
justificava a base de um estilo de vida alternativo além do mainstream e da
sociedade de consumo.
“Os Sex Pistols lançam God
Save The Queen às beiras do Jubileu, em 15 de julho de 77. A música é uma feroz
agressão e uma grande provocação. E a voz de Johnny Rotten passa, melhor que
nunca, a mensagem punk, arrepiando a Inglaterra inteira. A letra da música
começa assim: “Deus salve a Rainha/ e seu regime fascista”. É a política do
confronto em plena semana comemorativa. Não pode ser mais shakespeareano, não
pode ser mais teatral. A rainha é a estrela máxima do Império nesta semana em
que se celebra seus 25 anos de reinado. E a outra figura-estrela nesta semana é
Johnny Rotten. Faltam dois dias para o Jubileu. God Save The Queen, o compacto,
está em segundo lugar no hit parade. No dia do Jubileu os Sex Pistols chutam
fora Rod Stewart e se ocupam do primeiríssimo lugar. E a realeza não tem como
evitar a ralé. E ao contrário do conto de fada, no qual o anão fazia vênia à
rainha, aqui o Joãozinho Podre mandou uma cusparada na imagem da soberana e os
punks ainda espetaram um alfinete de fraldas no rosto dela. Perfeito. Johnny
Rotten declara: Não é nada engraçado
estar na fila do desemprego. Mas nem por isso a música deve ser deprimente. A música
deve oferecer assistência a esse lixo todo. Se o tema é a estagnação, a música
deve apontar saídas e mostrar como vencer essa estagnação. Tem que ter verdade
mas tem que ter humor também. Otimismo. E isso não é político” (BIVAR,
Antonio. O que é punk. Editora
Brasiliense: São Paulo, 1982).
Post relacionado: