terça-feira, 1 de dezembro de 2020

Guimarães Rosa: a invenção da linguagem, por Alfredo Bosi

João Guimarães Rosa nasceu no ano de 1908, em Cordisburgo, zona pastoril centro-norte de Minas Gerais. Formado em medicina, exerceu a profissão em Itaúna e Barbacena. Poliglota, aprendeu sozinho alemão, russo, francês, inglês, húngaro, grego, latim, italiano e espanhol. Em 1934, ingressou na carreira diplomática, servindo em Hamburgo, Lisboa, Bogotá e Paris.

Como escritor, publicou sua obra máxima Grande Sertões: Vereda – um clássico da literatura brasileira. Frequentemente, Guimarães Rosa é comparado ao escrito irlandês James Joyce pelo experimentalismo que ambos realizaram na linguagem. De fato, característica marcante da obra de Guimarães Rosa é a linguagem que recria e transfigura o linguajar popular através de metáforas poéticas próprias. Embora sua obra literária não possa ser classificada como simplesmente regionalista, o “regionalismo” de Guimarães Rosa, povoado por personagens do sertão, como jagunços, peões, vaqueiros, coronéis, beatas, prostitutas etc., assume aspectos universais, transitando dialeticamente entre o local e o global, o real e o mágico, o concreto e o abstrato, o finito e o infinito etc. Polêmicas à parte, talvez a melhor definição da obra de Guimarães Rosa é a metáfora do crocodilo e do rio São Francisco escrita pelo próprio Guimarães Rosa:

“(...) Gostaria de ser um crocodilo vivendo no rio São Francisco. O crocodilo vem ao mundo como um “magister” da metafísica, pois para ele cada rio é um oceano, um mar de sabedoria, mesmo que chegue a ter cem anos de idade. Gostaria de ser um crocodilo porque amo os grandes rios, pois são profundos como a alma do homem. Na superfície são muito vivazes e claros, mas nas profundezas são tranquilos e escuros como o sentimento dos homens. Sim, rio é uma palavra mágica para conjugar eternidade”.

Obras:

Sagarana (1946) – contos;

Corpo de Baile (1956 - 1964) – novelas: Manuelzão e Miguilim (“Campo Geral” e “Uma Estória de Amor”); No Urubuquaquá, no Pinhém (“O recado do Morro”, “Cara de Bronze” e “Lélio e Lina”); Noites do Sertão (“Lão-Dalalã” e “Buriti”).

Grande Sertão: Veredas, 1956 – romance.

Primeiras Estórias, 1962 – contos;

Tutameia – Terceiras Estórias 1967 – contos;

Estas estórias, 1969 – contos;

Ave, Palavra, 1970 – contos.

 

A invenção da linguagem em Guimarães Rosa

Por Alfredo Bosi

(em: História Concisa da Literatura Brasileira)

A obra de Guimarães Rosa implica uma alteração profunda no modo de encarar a palavra, tomada como um feixe de significações. Além do referente semântico, signo estético é portador de sons e de formas que desvendam, fenomenicamente, as relações íntimas entre significado e o significante.

Voltada para as forças virtuais da linguagem, a escritura de Guimarães Rosa procede abolindo intencionalmente as barreiras entre narrativa e lírica, revitalizando recursos da expressão poética: células rítmicas, aliterações, onomatopeias, rimas internas, ousadias mórficas, elipses, cortes e deslocamentos sintáticos, vocabulário insólito, arcaico ou de todo neológico, associações raras, metáforas, anáforas, metonímias, fusão de estilos, coralidade.

Suas experiências semânticas e invenções fundamentam-se no inventário dos processos da língua. Imerso na musicalidade da fala sertaneja, ele procurou, em Sagarana, fixá-la na melopeia de um fraseio no qual soam cadências populares e medievais.

“As ancas balançam, e as vagas de dorsos, das vacas e touros, batendo com as caudas, mugindo no meio, na massa embolada, com atritos de couros, estralos de guampas, estrondos de baques, e o berro queixoso do gado Junqueira, de chifres imensos, com muita tristeza, saudade dos campos, querência dos pastos de lá do sertão...

Um boi preto, um boi pintado,

cada um tem sua cor.

Cada coração um jeito

de mostrar o seu amor.

Boi bem bravo, bate baixo, bota baba, boi berrando... Dança doido, dá de duro, dá de dentro, dá direito... Vai, vem, volta, vem na vara, vai não volta, vai varando...”

Vale observar a riqueza e a ousadia de algumas reinvenções de Guimarães Rosa, em palavras como “essezinho”, “essezim”, “salsim”,” satanazim”, “semblar”, “fiúme”, “agarrante”, “levantante”, “maravilhal”, “fluifim” (adj.),” gaviãoão”, “ossoso”,” vivoso”, “brisbrisa”, “cavalanços”, “refrio”, “retrovão”, “remedir”, “deslei”, “desfalar”, “acismorro”, “de pouquinho em pouquim”, “o ferrabrir dos olhos”, “abrumalva”, “alemão-rana”; ou em frases e períodos como “a bala beija-florou”; “os passarinhos que bem-me-viam”; “os cavalos aiando gritos”; “recebe o encharcar dos brejos, verde a verde, veredas...”; “ao que nós acampapados em pé duns brejos, brejal, cabo de várzeas; me revejo de tudo, daquele dia a dia; aí a gente se curvar, suespendia uma folhagem, lá entrava; resumo que nós dois, sob num tempo, demos para trás, discordas”; “e aí se deu o que se deu – isto é”; “eu era um homem restante trivial”; “aí, de, já searapuava o Gorgulho mestre na desconfiança...”

O mitopoético foi a solução romanesca de Guimarães Rosa, situando sua obra na vanguarda da narrativa contemporânea que se tem abeirado dos limites entre o real e o surreal, explorando as dimensões pré-conscientes do ser humano e nutrindo-se de velhas tradiçõe, as mesmas que davam à gesta dos cavaleiros feudais a aura do convívio entre o sagrado e o demoníaco.

A saída proposta por Guimarães Rosa para esconjurar o pitoresco e o exótico do regionalismo deu-se com a entrega amorosa à paisagem e ao mito, reencontrados na materialidade da linguagem. A saída de Guimarães Rosa não é a única para o escritor brasileiro hoje, mas é que nos fascinará por mais tempo e com mais razões.

quarta-feira, 25 de novembro de 2020

Islamismo - Série Religiões

Maomé nasceu em Meca, no ano de 570 d.C., filho de um mercador pertencente a uma nobre família haxemita, da tribo coraixita. O clã de Maomé guardava a Kaaba, um lugar santo, onde se venerava a “pedra negra” (um meteorito), e que era o destino das peregrinações das tribos árabes.

Kaaba

Maomé foi pastor e guia de caravanas, o que o fez viajar muito e entrar em contato com o Judaísmo e o Cristianismo. Durante esse período, Maomé sofria de depressão por causa do enorme desgosto que sentia com os cultos pagãos praticados por seus conterrâneos.

Aos 40 anos de idade, segundo a tradição, estava prestes a suicidar-se quando teve uma visão do Arcanjo Gabriel, que lhe disse: “Ó Maomé, tu és o enviado de Deus”. Maomé proclamou-se mensageiro divino e conclamou a todos a aceitarem Alá como o único Deus. Passou então a pregar contra os ídolos de Meca. Suas primeiras conversões foram sua mulher Khadijah e sua filha Fátima, o marido e o primo desta. Depois foi ganhando mais adeptos, principalmente, entre os pobres e escravos.

À medida que sua influência crescia, maior era a resistência por parte dos poderosos que temiam que ele pudesse assumir o controle político da cidade. Seus discípulos foram perseguidos enquanto se tramava o assassinato de Maomé.

Em 622, Maomé foge para Yathrib, onde foi acolhido com todas as honras. Maomé muda o nome da cidade para Medina (“cidade do Profeta”). A fuga para Medina é conhecida como Hégira (“partida”) e marca o início do calendário muçulmano. Em Medina, Maomé uniu os clãs e as tribos numa única comunidade baseada no Islã. Maomé tornou-se então chefe político, autoridade religiosa e diplomata.

A crença em Alá existia antes de Maomé, mas estava misturada com outros cultos idólatras. Na antiguidade, para protegerem seus interesses, os reis não admitiam seitas religiosas que não comungassem a religião do Estado. Estes reis passavam então a perseguir religiosos que não praticavam a religião oficial. Evidentemente, a religião fundada por Maomé contrariava os grandes potentados locais que se voltariam contra ele.

Maomé então amplia rapidamente seu território pela conquista e conversão, iniciando a “guerra santa” que assinala a expansão do islamismo. Em 630, após um longo período de luta contra Meca, Maomé conquista a cidade com pouco derramamento de sangue e purifica a Kaaba, eliminando todos os ídolos e deixando ficar apenas a pedra negra, consagrando-a ao culto de Alá. Meca se transforma na capital política e religiosa do islamismo.

A raiz da palavra Islã é “Silm”, que significa “paz”. A palavra remete ao árabe “Salam”, que também significa “paz”. Um dos nomes de Alá, ou Allah, de acordo com o Corão, é As-Salam, ou seja, “paz/pacificador”. Portanto, Islã tem origem no termo “Islam”, que é “submissão” (à vontade de Deus, o pacificador); muçulmano deriva da própria raiz da palavra e significa “aquele que se submete”.

Islamismo é a religião que se pretende ligar diretamente ao monoteísmo do Patriarca Abraão. Por isso, o Islamismo tem pontos de contato com o Antigo Testamento e também com os Evangelhos. Para o Islamismo, Maomé é o último dos Profetas.

Os muçulmanos consideram-se irmãos pela religião e não pela nacionalidade ou raça. Deus está presente em tudo e tudo depende de Deus.

As verdades fundamentais dos muçulmanos são:

Monoteísmo puro: assim como os judeus, para os muçulmanos a Santíssima Trindade dos cristãos apresenta laivos de politeísmo. Quando os mouros invadiram a península ibérica, os judeus os saldaram como heróis, pois, ao menos, acreditavam na unicidade de Deus. Além disso, os reis visigodos, recém-convertidos ao cristianismo, impunham a conversão forçada dos judeus. Segundo Max Weber, pelo fato do islamismo ser uma religião de guerreiros, originou uma elite aristocrática de dominadores que raras as vezes praticaram proselitismo ou obrigaram à conversão. Normalmente, a tolerância religiosa caracterizou a sociedade andaluza, mas também todo o mundo muçulmano.

Juízo Universal: um prêmio ou um castigo no fogo abrasador (inferno).

Paraíso: jardins com fontes, rios de vinhos e virgens belíssimas, as “Huris grandes olhos negros”, sempre jovens e virgens, ao serviço dos bem-aventurados.

Obrigações – os cinco pilares do islamismo:

1. Reconhecer a unidade de Deus e a missão do Profeta, segundo a profissão de fé “La ilaha illa Allah, ya Muhammad rasul Allah” (não há outra divindade senão Deus e Maomé é seu profeta).

2. Oração, feita cinco vezes por dia, voltando-se para Meca.

3. Caridade – dar esmola aos pobres.

4. O jejum do Ramadan, que dura um mês. Durante o dia não se pode beber nem água. À noite, pelo contrário, pode-se comer. “Durante esse tempo - diz Maomé - as portas do paraíso estão abertas, as do inferno fechadas, o demônio encadeado”.

5. Peregrinação a Meca. Todo bom muçulmano deveria ir à Meca pelo menos uma vez na vida.

O Corão ou Alcorão é o livro sagrado dos muçulmanos que contém a doutrina e os ensinamentos de Maomé.

O Corão impõe muitas outras obrigações, como não comer carne de porco, não tomar bebidas alcoólicas, não jogar. Proíbe também as imagens e estátuas e determina as normas para o divórcio.

O Corão menciona 25 profetas:

Adam (Adão); Idris (Enoque); Nuh (Noé); Hud (Éber); Salih (Selá); Lut (Ló); Ibrahim (Abraão); Ismail (Ismael); Ishaq (Isaque); Yaqub (Jacó); Yusuf (José); Shu’aib (Jetro); Ayyub (Jó); Dhulkifl (Ezequiel); Musa (Moisés); Harun (Arão); Dawud (Davi); Sulayman (Salomão); Ilias (Elias); Alyasa (Eliseu); Yunus (Jonas); Zakariya (Zacarias); Yahya (João Batista); Isa (Jesus); e Muhammad (Maomé).

A missão de todos os profetas, de Adão (Adão) a Isa (Jesus), era uma só: o estabelecimento do monoteísmo no mundo.

Muitas das passagens do Corão são inspiradas na paz e na bondade. A sociedade ideal é Dar As-Salam, isto é, “A casa da paz”.

Para os muçulmanos, o dia festivo é a sexta-feira.

Muezin é o arauto que do alto do minarete convida em voz alta os fiéis à oração.

Mesquita é o lugar sagrado para os muçulmanos.


domingo, 15 de novembro de 2020

Jerry Lee Lewis - Pioneiros do Rock'n'Roll

Jerry Lee Lewis nasceu em 29 de setembro de 1935, numa pequena fazenda de Ferriday, Louisiana. Roqueiro branco por excelência, a surgir imediatamente depois de Elvis Presley, Jerry possuía em comum com rei do rock as mesmas raízes musicais, como o gospel, rockabilly, pop, country e R&B.

Jerry Lee Lewis foto recente

Jerry Lee Lewis aprendeu sozinho a tocar piano e, aos 9 anos de idade, começou a imitar o gênero musical de pregadores religiosos e músicos de blues que passavam em turnê por sua cidade. Seus pais reconheceram seu grande talento e decidiram hipotecar a fazenda para comprar um piano para o menino. Assim, Jerry desenvolveu um estilo eletrizante de tocar piano, tendo por inspiração a tradição da música branca e negra.

Mais tarde, foi para Memphis, Tennessee, onde trabalhou como músico. Em 1956, gravou seu primeiro single, um cover de Crazy Arms, de Ray Price. Logo depois, Jerry conheceu Carl Perkins e juntos chegaram a tocar com Elvis Presley e Johnny Cash.

Foi lançado ao estrelato em 1957, quando gravou Whole lotta shakin´goin´on, seu primeiro disco de ouro. Nessa época, Jerry criou algumas de suas performances extravagantes que o tornariam célebre, como tocar em pé, chutar o banquinho e até mesmo atear fogo no piano. Foi nessa época que a imprensa passou a tratá-lo por seu apelido de infância, The Killer. No mesmo ano lançou Great balls of fire, uma das músicas temas do filme Jamboree. Em março do ano seguinte, Jerry emplacou Breathless no top 10 das paradas musicais. Outros grandes sucessos foram High school confidenitial, em 1958, e Young and deadly, em 1960.

Mas a sua carreira não foi marcada apenas por glórias, Jerry bateu de frente com o que ainda havia de animosidade contra o rock and roll. Enquanto suas músicas o consagravam como um dos maiores astros do rock’n’roll de todos os tempos, sua vida privada o levava à desgraça, sendo marcada por casamentos complicados e abuso de drogas e álcool.

Quando Jerry contraiu matrimônio com uma prima chamada Myra Gale Brown, que tinha só catorze anos, a imprensa sensacionalista não perdeu a oportunidade de envenenar a opinião pública, pois o rock’n’roll ainda era visto como um tipo de música selvagem, de mau gosto e inadequado à moral e aos bons costumes. Em turnê realizada na Inglaterra, os jornais escandalizados acusaram-no “de ter casado com sua própria prima de 13 anos”. Ao regressar aos EUA, seus discos deixaram de tocar e seu nome caiu no esquecimento durante três anos.

Jerry Lee Lewis entrou para Rock and Roll Hall of Fame em 1986.

sábado, 7 de novembro de 2020

Sócrates - Nonas Filosóficas

À imensa maioria dos seus contemporâneos, apareceu Sócrates, de Atenas (470-399), como um dos sofistas. Escultor a princípio, abandonou o cuidado da família e viveu entregue por completo à apaixonada necessidade de alcançar e de fazer alcançar aos seus concidadãos clarividência espiritual, e de os conduzir há uma moralidade interna e independente (isto é, que não dependesse dos costumes). A multiforme e poderosa influência que este homem exerceu só pode se explicar tendo em conta a sua personalidade excepcionalmente rica, peculiar e profunda, e, sobretudo, os seus extraordinários dons de educador. Foram célebres a sua coragem na guerra e diante dos poderosos, a sua constância nos trabalhos e na meditação, a sua indiferença perante as coisas exteriores, e o seu admirável domínio sobre si próprio. Mas o que mais particularmente o caracteriza é o seu urgente impulso para converter em objeto de meditação profunda e proveitosa todas as relações da vida humana. Assim, vemos claramente nele o caráter fundamental (racionalista), representado por ilustração dos sofistas: não conduzir a vida instintivamente, não aceitar como válidos os usos e costumes que dominam no procedimento, mas sim fundamentar a conduta na reflexão, em conceitos claros e na própria evidência racional. Distingue-se porém dos sofistas pelo fato de não ministrar nos seus discursos conhecimentos já formados, mas procurar atingir ele próprio a maior caridade e conduzir os outros até ela pela própria forma do seu diálogo. Recordando o ofício de sua mãe, chamava à sua arte pedagógica "maiêutica", isto é, arte de parteira, pois que por meio das suas perguntas procurava conduzir os homens a atingirem eles próprios o conhecimento da verdade, fundando deste modo uma forma especial de dialética (v. § 4, fim): o "método socrático". 

Foi assim incansável na conversação com adultos e jovens, tanto nas oficinas dos operários manuais como nas praças públicas, nos ginásios como nas festas. Partindo do exame de casos particulares, extraídos da vida corrente ("concretos"), compara-os com outros casos semelhantes, para descobrir, através dos motivos deste exame, os princípios gerais da crítica moral, isto é, os "princípios éticos" (1). Com uma modéstia trocista (a sua "ironia") se põe em atitude interrogativa perante o interlocutor, que achará como se fossem as coisas mais naturais do mundo aqueles conceitos contidos nos mais árduos problemas; e no decurso da conversa, este suposto saber do interlocutor vai aparecendo ante o não saber de Sócrates, como um emaranhado de obscuridades e contradições. Sem dúvida, expôs assim muita gente a uma penosa vergonha, e foi tomado portanto por um arrogante maçador, e até por perigoso e revolucionário, sem respeito por nenhuma autoridade consagrada e nenhuma tradição venerável. Inclinava-se sempre, com efeito, a interrogar acerca de coisas que nenhum "cidadão bom e correto" punha em dúvida e eram aceitos como válidos sem discussão. Tampouco partilhou Sócrates do vulgar patriotismo ateniense.

Não é pois de estranhar que, finalmente, numa época em que chegou a predominar a reação contra qualquer "Iluminismo", tenha sido acusado de "introduzir novos deuses e perverter a juventude". Considerou a sua condenação uma injustiça; todavia, julgou-se obrigado, como cidadão, a acatar a sentença. Recusou por isso a fuga (que teria sido fácil com o auxílio dos seus discípulos) e bebeu a cicuta a que o condenaram. A simples grandeza com que soube aceitar a condenação contribuiu para valorizar ainda mais a influência da sua vida.

O fato de Sócrates ter decidido por toda sua vida ao serviço da claridade espiritual, obedece à hipótese natural de que a reta "evidência" (mas exatamente: a justa apreciação) tem por consequência necessária a ação justa; e portanto, que a virtude pode se aprender, e que ninguém comete faltas voluntariamente; por outro lado, supõe esta atitude que toda a ação moralmente má provém de falta de evidência. A tendência racionalista, "intelectualista, da época, atingi o seu ponto culminante com Sócrates. É certo que este exagerou a importância da inteligência para a ação, pois o conhecimento de que determinada conduta é mais valiosa que outra não intensifica forçosamente as tendências que conduzem à sua realização (embora numa pessoa tão nobre como Sócrates fosse o caso). Não resta porém dúvida de que uma consciência clara dos fins supremos e um profundo conhecimento do objetivo são imprescindíveis à superior cultura ética da personalidade.

Não menos parcial, embora contenha um germe valioso, é o outro pressuposto de Sócrates, segundo o qual existe necessária conexão, por um lado, entre a virtude e a felicidade, e por outro, entre a perversidade e a desdita. Com certeza sentia Sócrates isto como verdade, na sua pessoa; isto é, encontrava imediatamente a suprema felicidade, a paz da alma, numa vida conforme ao seu ideal ético; e, portanto, agir contrariamente ao bem (e, por consequência, contra a própria felicidade), só lhe pareceria coisa compreensível por efeito da ignorância ou do erro. Sob a sua influência, todos os discípulos socráticos equiparam a virtude (excelência) com a felicidade interior (a eudemonia), que pode substituir apesar da infelicidade externa.

As considerações por meio das quais Sócrates pretendia fundamentar a conduta moral, parecem ter sido, em muitos sentidos, egoístas. De acordo com elas, devem se cumprir os deveres para com os pais, os amigos, o estado, porque é o mais proveitoso para nós próprios. O fim supremo e, portanto, o sentido de toda conduta moral, encontrava Sócrates naquilo que favorecia o bem-estar humano. O duplo sentido que a palavra "bem" ainda conserva para nós era para ele um só, sem cisão. O bem significa: 1º (num sentido puramente ético), o que é valioso por si próprio, o valioso em absoluto; 2º o agradável ou útil (isto é, valioso por outra coisa), por exemplo: um bom vinho, um bom cão de caça, um bom sapateiro, etc. Sócrates não pode contudo separar o saber moral do técnico (profissional), porque não separa estas significações; mesmo para ele, a última é predominante. Por este motivo, a utilidade, a adaptação ao fim, é o ponto de vista supremo para as suas reflexões sobre os problemas morais, sociais e políticos. É compreensível que, partindo daqui, chegasse a formular uma crítica severa do existente e vigente (2) (sobretudo de algumas instituições democráticas), embora, em geral, não fosse um inovador radical e continuasse a respeitar as concepções morais, políticas e religiosas do seu povo. Não que partilhasse simplesmente o patriotismo de cidade dos seus convizinhos; o seu ideal moral tinha antes um caráter geral humano. Tampouco partilhada totalmente as crenças da religião popular. Possuía com tudo um profundo sentimento religioso, por via do qual estava convencido de que, com as suas pesquisas em busca do conhecimento, trabalhava ao serviço da divindade e sob a sua proteção. O que ele pedia aos deuses era "o bem". Os deuses, em sua opinião, sabiam melhor que os homens no que consiste em cada caso esse bem. Aconselhava a praticá-lo "conforme a lei do Estado". Ao mesmo tempo, entendia que a divindade apreciava mais um sentimento puro do que os mais ricos sacrifícios. Não deve ver se no seu "demônio" um dom profético, mas antes um autossentido de instintivo tato, que o afastava de tudo quanto não estava de acordo com a sua personalidade.

Sócrates não deixou nada escrito. Encontramos uma visão da sua personalidade sobretudo nas obras da juventude de Platão e em algumas de Xenofonte. Também outros discípulos de Sócrates escreveram "diálogos socráticos". Os autores destes se esforçavam, sem dúvida, em demonstrar que a ideia que eles tinham formado do mestre era a mais autêntica.

1. Este processo pode ser chamar "regressivo" e por "abstração". Quando Aristóteles chama a Sócrates inventor da indução, entende-se que se refere à descoberta do geral no particular.

2. Convém notar que os adeptos da moral "utilitarista", defendida, entre outros, por Bentham e Mill, conseguiram impor na Inglaterra profundas reformas, na primeira metade do século XIX.

(August MESSER, “História da Filosofia”, Editorial Inquérito: Lisboa, 1946 - obra em domínio público).

domingo, 1 de novembro de 2020

Literatura comparada: historiografia e cinema

Literatura comparada: Formação do Brasil Contemporâneo (1942), de Caio Prado Jr. X Como era gostoso o meu francês (1971), de N. P. dos Santos.

Colonização da América

Para analisar e interpretar a questão da univocidade e plurivocidade na construção historiográfica, tendo em vista a comparação de duas linguagens tão diversas, é necessário tecer alguns comentários sobre o tema enfocado. Caio Prado Jr. inicia seu livro discutindo acerca do sentido da colonização, conceito pelo qual visa descrever as bases fundantes da formação econômica e social do Brasil. Para isso, discorre sobre a expansão comercial na Europa do século XV e XVI e, consequentemente, na busca de alguns países europeus por novas rotas comerciais, marítimas e alternativas, com o Oriente.

Neste contexto, os países da península Ibérica foram pioneiros, notadamente, Portugal, ao circum-navegar o continente africano e, mais tarde, chegar às terras que se denominaram Brasil. Assim, o interesse dos países ibéricos em relação às terras recém-descobertas era tão somente comercial, haja vista que, além do déficit populacional que assolava a Europa da época, diante da imensidão do novo continente, quase deserto, habitado por tribos “selvagens”, a colonização europeia era inviável.

Portanto, do ponto de vista econômico, o clima tropical favorecia a atividade comercial agrícola, mais estável que o extrativismo dos primeiros tempos. Essa discussão dá ensejo para Caio Prado Jr. distinguir dois tipos opostos de colonização: colônia de exploração e colônia de povoamento. Esta última consolidou-se nas Américas de regiões de clima temperado, nas quais, perante o pouco interesse econômico, fatores políticos e sociais decorrentes da conjuntura histórica por que passava a Inglaterra determinaram a estrutura da ocupação. Neste caso, os colonos expatriados migravam com a esperança de construir um “novo mundo” e reproduziam in loco sociedades tipicamente europeias.

Ao contrário, a colonização nas regiões tropicais visava apenas à exploração econômica de gêneros muito valorizados na Europa, como açúcar e especiarias. Nesta perspectiva, constituiu-se a empresa colonial, assentada no trabalho escravo, das populações indígenas e africanas, e que atravessou todos os ciclos econômicos, cujo objetivo era o abastecimento da metrópole e suas relações mercantis para com os países europeus. É a partir desta estrutura econômica, voltada para o mercado externo, que se dá o povoamento colonial, começando pelo litoral e adentrando o interior, consoante a dinâmica dos ciclos econômicos. A empresa colonial também determinou as relações entre “raças”, as quais, mesmos desarticuladas e estranhas entre si, são incorporadas, através da miscigenação, ao propósito demográfico da colonização.

O argumento é praticamente o mesmo de Gilberto Freyre, atribuindo ao português uma índole histórica para inter-relações multirraciais. Além disso, tal como o sociólogo, Caio Prado Jr. atribui à família patriarcal e latifundiária o núcleo administrativo e cultural de toda a sociedade, subordinando, inclusive, durante muito tempo, a cidade aos interesses do campo. Porém, a escravidão moderna, vinculada ao interesse comercial pura e simplesmente, deixou marcas degradantes na sociedade brasileira, pois, muito embora as relações multiéticas tenham constituídos a nacionalidade brasileira, os elementos culturais indígenas e africanos foram reduzidos à simples condição de instrumentos de trabalho, fato que gerou, além de uma profunda desvalorização do trabalho, a marginalização dessas etnias.

Por enquanto isto é suficiente sobre Caio Prado Jr. Não vou me alongar muito sobre o enredo do filme, basta dizer que, durante o período da França Antártica, um francês é aprisionado pelos tupinambás, sendo então obrigado a passar pelos ritos de canibalismo da tribo, nos quais é integrado ao cotidiano dos índios, chegando mesmo a se casar, antes de ser sacrificado.

O filme é quase todo falado em tupi, com algumas intervenções em francês e outras, muito raras, em português. Todavia, nas primeiras tomadas, há uma narração, em voz over, da carta de Villegagnon a Calvino sobre o dia a dia no forte e que contrasta com as cenas exibidas. Além dessa intervenção, conforme o andamento das cenas, surgem letreiros, tais como no cinema mudo, com o relato dos cronistas, como Hans Staden, Padre Anchieta, Jean de Léry, Padre Nóbrega, entre outros, sobre os costumes “bárbaros” dos indígenas. Entre essa polifonia de vozes, há também algumas reflexões do francês em voz off na língua francesa. E, evidentemente, há a narrativa das imagens que expressam a perspectiva dos tupinambás e seus costumes.

Diante do que foi exposto, já é possível esboçar algumas considerações sobre nossa problemática. Em primeiro lugar, a obra de Caio Prado Jr. é marcada pela univocidade da linguagem científica. Normalmente, o discurso científico é pautado pela impessoalidade, movido pela objetividade do conceito e ancorado por uma metodologia. Neste sentido, para entender a realidade brasileira, o método empregado por Caio Prado Jr. é o do materialismo histórico ou dialético, formulado pelo pensador alemão Karl Marx e consagrado na sua grande obra O Capital. Apesar das contribuições da metodologia marxista para as análises de Caio Prado Jr., na compreensão da sociedade brasileira, algumas questões trazem algum embaraço, pois Karl Marx desenvolveu categorias referentes ao modo de produção capitalista, como os conceitos de trabalho assalariado e capital, que estão em contradição, isto é, na luta de classes, e em vias de superação através da revolução de caráter socialista.

Ao transpor este repertório conceitual para uma realidade colonial, pré-industrial e estruturada por outras categorias, como o trabalho escravo, muitas lacunas aparecem e Caio Prado Jr. é obrigado a fazer muitas concessões, como, por exemplo, considerar que o trabalho acabou sendo um elemento desabonador na sociedade brasileira. Tal procedimento leva o historiador a analisar o quadro econômico, político e social com lentes invertidas, ou melhor, numa perspectiva de fora para dentro e de cima para baixo, tomando a realidade europeia como marco de referência.

No fundo, é visão do europeu que organiza e confere estatuto de verdade para um mundo completamente diferente de seus pressupostos teóricos. Já no filme de Nelson Pereira dos Santos, a narrativa eurocêntrica aparece por meio de uma estratégia extradiegética, com a carta de Villegagnon e nas interrupções com as notas dos cronistas que, não por acaso, são escritas – lembrando que os povos ameríndios não conheciam a escrita.

Esta narração, ou visão de mundo, é sempre muito preconceituosa e descreve de maneira muito distorcida a realidade colonial e os hábitos das comunidades indígenas. Ao trazer protagonismo e, por assim dizer, dar voz e mostrar o ponto de vista dos tupinambás, Nelson Pereira dos Santos parece estar dizendo que a plurivocidade das diversas narrativas, dissonantes, em conflito e incompreensíveis entre si, remete a um mundo que escapa à transparência do conceito e de uma única narrativa unívoca, como a do dominador ou colonizador europeu. De certa forma, é trazer o discurso marginal, do qual nunca se escuta, para o centro do debate e mostrar que não há uma única verdade, muitas vezes, forjada pela violência. Dar ouvido a estas vozes torna-se o grande desafio crítico das supostas missões civilizatórias. 

domingo, 25 de outubro de 2020

Reforma protestante - Série Religiões

Alguns fatores gerais contribuíram para a reforma protestante, assim chamada porque se propunha reformar a igreja católica, dentre eles, destacam-se: o Humanismo da Renascença (1350-1550), caracterizado pelo resgate da cultura pagã greco-romana que invadiu a arte, a ciência e até a religião; a riqueza dos príncipes e do alto clero (bispos e cardeais), contrastando com a miséria dos padres e do povo; o nascimento de novas nações e do nacionalismo.

Luteranismo

Quanto aos fatores religiosos, destacam-se: a prática da simonia, isto é, o comércio de relíquias sagradas que na maioria das vezes eram falsas; e a venda de indulgências, ou melhor, do perdão e da salvação, que poderiam ser comprados pelos fieis sob o pretexto de financiar as obras da igreja.

Os principais reformadores foram: Martinho Lutero, na Alemanha; Ulrico Zuínglio, na Suíça alemã; João Calvino, na Suíça francesa; e o rei Henrique VIII, na Inglaterra.

Luteranismo

Lutero nasceu em Eisleben, no ano de 1483. Recebe de seus pais educação severa e, aos 18 anos, decide entrar para os agostinianos de Erfurt. Foi um monge fervoroso mas, ao mesmo tempo, escondia uma enorme tristeza: a dúvida da salvação da alma. Em 1512, o monge Lutero torna-se doutor em teologia. Constatou que a sua natureza era dominada pela concupiscência, persuadindo-se de que as suas obras eram pura hipocrisia e não lhes davam garantias para a salvação.

Lutero dá o primeiro passo para a reforma protestante quando envia às autoridades eclesiásticas suas 95 teses sobre o valor e a eficácia das indulgencias, que se espalham por toda Alemanha.

O Papa Leão X condena as suas teses. A Bula “Exsurge Domine” estabelece um prazo para que Lutero se retrate. No entanto, este publica uma série de obras que defendem a liberdade de consciência e queima em público a bula papal. Desde aquele momento, Lutero se declarou publicamente “Rebelde a Roma”. Lutero é então excomungado. Em 1542, tem início na Alemanha as guerras camponesas, inspiradas no teólogo reformador Thomas Müntzer. Seguiu-se um período em que as igrejas, conventos e castelos foram saqueados e os católicos assassinados. Em 1534, Lutero publica uma tradução para o alemão da bíblia.

Em suma, Lutero afirma que: a natureza humana é essencialmente corrompida (nem o batismo nem as boas obras conseguem melhorar sua natureza); o ser humano é sempre mau e a Graça de Cristo é que o cobre, de forma a fazê-lo parecer justo, mas sem o melhorar realmente, por isso, o que salva é a fé e não as obras; o ser humano não é completamente livre por que é servo da concupiscência. A única regra da fé é a Bíblia, que cada um pode interpretar como quiser. A verdadeira igreja é a daqueles que acreditam em Cristo e não um corpo com uma hierarquia (Papas, bispos...), sacramentos, liturgia etc.

A reforma espalha-se pelo norte da Europa, em parte, por causa de interesses políticos. Os reis e príncipes tinham todo o interesse em se distanciarem do poder de Roma, apoderando-se assim dos bens da igreja (palácios, bispados, castelos e terrenos). Depressa a nova doutrina se espalhou a leste e a norte da Alemanha e nos países bálticos e escandinavos.

Calvinismo

Zuínglio, nasceu em Widhaus, em 1484. Exerceu o sacerdócio em Einsiedeln e em Zurique. Admirador da doutrina de Lutero, casou-se e defendeu a abolição do celibato. Morreu em batalha contra os católicos. A sua doutrina é semelhante à de Lutero.

Calvino nasceu em Noyon, em 1509, em uma família burguesa. Foi estudar na Subone de Paris. Ainda estudante universitário, apostatou do catolicismo para abraçar as ideias de Lutero. Após isso, teve de fugir de Paris para Suíça. Em Genebra, instaurou uma verdadeira ditadura religiosa, na qual o poder civil foi submetido aos seus rígidos ordenamentos Para formar os seus padres, fundou a primeira universidade protestante.

É característica a sua doutrina sobre a predestinação, segundo a qual, independentemente das obras boas ou más, dos méritos ou das culpas, cada um está predestinado desde o início ao paraíso ou ao inferno.

Hoje os dois grupos principais que se inspiram em Calvino são os presbiterianos e os reformados.

Igreja Anglicana

O rei Henrique VIII mandou queimar os livros de Lutero e foi elogiado pelo Papa como “defensor da Fé”. No entanto o rei, arrastado pela paixão sensual, pediu ao Papa o divórcio de sua mulher, Catarina de Aragão, para se casar com a cortesã Ana Bolena. O Papa respondeu que tinha só uma alma e não podia perdê-la por causa do rei da Inglaterra. Em represália, Henrique VIII passou a perseguir os católicos, incluindo Thomas More, chanceler católico. Casou-se com Ana Bolena e por isso foi excomungado pelo Papa Clemente VII. Mas Henrique VIII já havia se declarado chefe supremo da igreja da Inglaterra. Houve perseguição aos católicos fiéis a Roma, e Thomas More foi assassinado. Mas a maioria do povo e do clero se submeteu à vontade do Rei.

A assim chamada Igreja Anglicana ainda conservava a doutrina ensinada por Roma (presença real de Jesus na Eucaristia, Sacramentos, Missa, celibato dos sacerdotes, votos privados, confissão etc.). Todavia, após um curto período de restauração do catolicismo pela filha de Catarina de Aragão, Maria, a Católica, subiu ao trono Isabel, filha de Ana Bolena, a qual negou a Eucaristia, o primado do Papa, o purgatório, o culto dos Santos e as indulgências etc.

A Europa, com a perda da unidade religiosa, perdeu também a unidade espiritual de sua civilização.

quinta-feira, 15 de outubro de 2020

Gene Vincent and His Blue Caps - Pioneiros do Rock'n'Roll

Eugene Vincent Craddock, mais conhecido como Gene Vincent, nasceu em Norfolk, Virgínia, EUA, no ano de 1935. Começou a tocar guitarra ainda criança e aos 17 anos se alistou no exército, mas, após um acidente de moto, que lhe deixou uma lesão na perna, abandonou a carreira militar e voltou para Norfolk, onde começou a tocar em várias bandas de country music. Entra na banda de rockabilly do virtuoso guitarrista solo Cliff Gallup, tornando-se Gene Vincent & the Blue Caps. Assinam contrato com a Capitol Records e gravam um compacto com a música "Woman Love", no lado A do disco, e "Be-Bop-A-Lula", no lado B, que se transforma no grande sucesso dos anos de 1956.

Gene Vincent and His Blue Caps

Apesar de nunca repetirem o feito de "Be-Bop-A-Lula", Gene Vincent and His Blue Caps gravaram outros sucessos como "Bluejean Bop", "Race With the Devil", "Lotta Lovin'", "Crazy Legs" e "Baby Blue".

Em 1959, Gene Vincent é convidado a um programa de rock na televisão britânica no qual se tornaria presença constante. Na ocasião, convence seu amigo Eddie Cochran para saírem em uma turnê de doze semanas. No dia 17 de abril de 1960, enquanto os dois cantores e Sharon Sheeley, noiva de Cochran, viajavam de taxi para Wiltshire, sofreram um acidente que acabaria com a vida de Cochran. Gene Vincent passa a ter problemas com bebida alcoólica e depressão.

Nos anos 60, a carreira de Vincent quase termina nos Estados Unidos, devido ao sucesso das "english bands", muito embora continuasse com um público fiel na Europa, especialmente na Inglaterra y França. Ainda fez algumas turnês esporádicas com algumas companhias ilustres, como os Beatles (os quais o copiaram, no início da carreira, no estilo de se vestir com jaqueta preta de coro e topete), além de John Lennon, Chuck Berry e Jerry Lee Lewis.

terça-feira, 6 de outubro de 2020

Protágoras e os sofistas - Nonas Filosóficas

Devido ao desenvolvimento da cultura grega, fizera-se sentir muitas vezes durante o século V a necessidade de uma cultura geral mais elevada do que podiam oferecê-la as escolas existentes, que eram à base de cálculo, ginástica e música. Para satisfazer tal necessidade (missão que os antigos filósofos tinham considerado indigna de si) prestaram-se homens que, correndo de cidade em cidade, davam à juventude lições de filosofia da natureza e os elementos da ciência positiva relacionados com ela; liam e julgavam poesias, explicando, especialmente, problemas de ética e de política, exercitando os seus alunos na eloquência (1). Além disso, dirigiam-se aos adultos com os seus escritos, sermões de moral e discursos nas assembleias e festas, como nas de Olímpia; eram (segundo as próprias palavras de Gomperz) "semiprofissores, semijornalistas". Designam-se a si próprios como sofistas, isto é, mestres de sabedoria. Somente devido aos seus inimigos, sobretudo Platão e os poetas cômicos, tomou esta palavra um sentido pejorativo. Mostram grande diversidade, tanto de caráter como de doutrina e de concepções particulares. Muitos deles são, com efeito, conservadores; mas, em geral, foram os porta-vozes do "moderno" e do "progresso", e até revolucionários espirituais. Já o fato de receberem honorários foi considerado por muitos uma inovação digna de censura, visto que, aos olhos dos gregos, qualquer produção remunerada (em particular de natureza espiritual) aparecia como uma degradante submissão.

Somente alguns deles merecem ser citados em particular. A sua atividade se desenvolve principalmente na segunda metade do século V.

Pródicos de Ceos soube pintar, sobretudo, os aspectos mais tétricos da existência humana. Mas o seu pessimismo não o reduziu há uma resignação inativa ou ao diletantismo estético. O seu ideal era antes a fortaleza da alma e uma grande atividade. Procurou superar os horrores da morte graças a esta consideração: enquanto vivemos não existe a morte; quando a morte chega, já não existimos. O seu relato alegórico, "Hércules na encruzilhada", é proveitoso para a educação moral, ainda mesmo em nossos dias. As suas opiniões estéticas (sobretudo o seu conceito de adiáfora) (2) tiveram grande importância para os cínicos e os estoicos.

Hípias de Elis foi sobretudo admirado pela extraordinária variedade do seu saber e pela destreza física e psíquica. Foi também professor de monotecnia (inventada pelo poeta Simónides), graças à qual podia repetir na velhice cinquenta palavras depois de ter ouvido uma só vez.

Protágoras era, como Demócrito, de Abdera. Atuou muito em Atenas, junto de Péricles e de Eurípedes. Em 411 foi acusado de ateísmo; adoeceu na sua fuga para a Sicília. Devem-se-lhe os começos das investigações gramaticais, em particular a tentativa para distinguir as diversas categorias de palavras (substantivos, verbos, adjetivos etc.) e de orações, e para dar normas para a "perfeição da linguagem" (3). Além disso, buscou também regras "racionais" para os atos humanos. No direito penal defendeu a teoria do exemplo como fim da pena, contra a teoria (em vigor ainda hoje) da expiação, que no seu tempo (como na Idade Média) se aplicava aos animais e até aos objetos inanimados.

O seu livro Sobre os Deuses, que lhe valeu a condenação, começa por esta frase: "Pelo que diz respeito aos deuses, impossível me é saber se existem ou não existem; pois há coisas que não se permitem averiguar, sobretudo, a obscuridade do problema e a brevidade da vida humana". Mas não pretendia com isso destruir a crença nos deuses, mas apenas a ilusão de que se pudesse conhecer racionalmente a sua existência.

É também da maior importância a frase de Protágoras: "O homem é a medida de todas as coisas, das que são, e das que não são, enquanto não são".

Achamo-nos aqui perante um importante progresso da reflexão filosófica acerca do conhecimento. O homem ingênuo (isto é, aquele que não reflete) está completamente mergulhado nos seus objetos; estes estão simplesmente perante ele, e não dá conta de que a percepção e o conhecimento são produtos do sujeito. Encontramos nos eleáticos, Heráclito, Anaxágoras, Empédocles e Demócrito, uma superação da ideia de quê para conhecer os objetos é necessária uma certa estrutura e um certo comportamento por parte do sujeito. Mas somente Protágoras pode se considerar o descobridor da subjetividade e da relação necessária entre o sujeito e o objeto.

É certo Protágoras não ter chegado a compreender que nem a diversidade de vivências cognitivas no sujeito constitui "unidade da consciência", necessária para o conhecimento, nem a variedade indeterminada dos conteúdos de consciência (fenômenos) constitui por si só o conhecimento do objeto (meu), pois é além disso necessário que o pensamento apreenda a regularidade e a permanência. Só Platão pôde chegar a esta Concepção.

Embora Protágoras, que era também professor de retórica, se tornasse célebre por ter feito passar, graças à sua oratória, as piores causas pelas melhores, não deve todavia se ver nisso uma prova de particular imoralidade, mas sim de que, ao se exprimir por tal forma em público, não fez mais que proclamar a finalidade que procurava conseguir toda a antiga retórica.

Górgias de Leontini (Sicília) foi celebrado sobretudo como orador. É um dos fundadores da prosa grega, e em particular do estilo patético, brilhante e cheio de imagens. Como todos os sofistas, que por serem professores ambulantes se encontravam em qualquer parte como na sua Pátria, defendeu Górgias a ideia de que os gregos deviam pôr termo às suas intermináveis disputas e se unir todos contra os bárbaros. Como filósofo, realizou, entre outras coisas, a crítica da doutrina do ser dos eleáticos, chegando a dizer que não existe ser algum (no sentido eleático), que se existisse não seria cognoscível, e quê, se fosse cognoscível, este conhecimento não seria comunicável. Como muitos outros contemporâneos seus, parece duvidar de que os problemas que tanto tinham preocupado os cosmólogos pudessem ter solução.

(1) Assim, por exemplo, Protágoras (em Platão) assinala como fim da educação “dar bons conselhos sobre assuntos domésticos, para os jovens organizarem a sua casa, de futuro, e se tornassem capazes em assuntos políticos, para entenderem os negócios da cidade”.

(2) São coisas eticamente indiferentes (em particular os “bons exteriores”) que ganham valor moral graças ao fim ético que servem.

(3) É muito digno de atenção para a pedagogia o que a este respeito observa Gomperz: “O que vem a ser um advérbio ou uma preposição, que normas regulam o emprego dos modos ou dos tempos, de tudo isto nunca um Píndaro ou um Ésquilo souberam nada. A maestria no uso da linguagem atingiu o seu ponto culminante muito antes de se terem procurado justificar fosse de que maneira fosse as regras da linguagem”. Isto é também característico para a precedência da atividade “instintiva” sobre a reflexão, que observamos em todos os domínios da cultura.

(August MESSER, “História da Filosofia”, Editorial Inquérito: Lisboa, 1946 - obra em domínio público).

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quarta-feira, 30 de setembro de 2020

Os dois meninos

Sistema planetário com personagens se abraçando

Por Nilza Monti Pires

Num lugar bem distante, afastado, longe de tudo, havia uma cidade encantadora e atraente por sua beleza.

Ali morava algumas pessoas ilustres, com suas elegantes e suntuosas casas aconchegantes.

As ruas eram floridas e agradáveis, o chão repleto de delicadas folhas pequenas de várias cores, azuis, rosas, amarelas, multicoloridas, a gente podia até imaginar um lugar irreal, ilusório, exótico e misterioso.

Nesta cidade tem uma famosa escola onde estudavam só meninos que pertenciam à aristocracia, uma classe privilegiada.

Entretanto, entre eles tinha um menino pobre, pois ganhou uma bolsa de estudo totalmente gratuita para estudar naquela escola de elite.

Seu pai um simples marceneiro, um homem humilde, modesto, honrado, trabalhava duro para sustentar a família.

Julinho era um menino amável e meigo, sentia constrangido em frequentar aquela escola tão requintada, sentia estranho naquele ambiente escolar, era diferente dos seus colegas ricos, não conseguia se adaptar naquele meio, por isso que não ia bem nas matérias, só tirava notas baixas.

Sua professora Dona Isaura, uma senhora de cabelos avermelhados, olhar austero, quando falava com Julinho era muito ríspida, não poupava um ar de reprovação por Julinho retardar seus colegas.

Um dia quando voltava da escola, contrariado e desanimado, resolveu andar por andar, e após horas de caminhada, sob o sol intenso, o pensamento longe dos problemas, sentindo o vento suave, batendo em seu rosto, Julinho teve uma sensação de bem-estar, livre, solto como as andorinhas, mas o vento contínuo não tardou a virar um verdadeiro vendaval, que se transformou num aguaceiro, uma chuva forte, um pé d'água.

Julinho se escondeu entre as ramagens bem debaixo de uma árvore gigante, e protegido, atacado por um sono profundo, dormiu ali mesmo, só acordou com um ruído muito estranho, um gemido lento e monótono, e Julinho logo pensou que devia ser o barulho dos galhos secos remexendo, que caíram com a chuva, mas se espantou quando viu um menino vestido com uma roupa de cor prata metálica.

- Quem é você? disse Julinho assustado.

- Ɐ ᴚ ᴥ ᴟ Ẑ ₸ ₸ ¥ Ɐ Ẑ, respondeu o menino.

- O que você está dizendo, não estou entendendo? disse Julinho confuso.

De repente a cabeça do menino começou a iluminar com uma luz tão forte, tão ofuscante, que mal se conseguia enxergar, acendia e apagava, sem interrupção, até que uma hora parou.

- Incrível, como você fez esse truque? disse Julinho.

- Não, não é nenhum truque, tive que fazer meu cérebro funcionar para saber qual língua você falava, fiz uma tradução simultânea.

- Bom, pelo menos agora, estou te entendendo, mas por que você está vestido desse jeito, por acaso está fantasiado? disse Julinho.

- Não é fantasia, é a minha pele.

- Sua pele? falou Julinho rindo.

- É verdade, quando eu nasci, já colocaram essa pele em mim, foi feita sob medida, é uma proteção.

- E essa coisa na sua testa?

Ion mostra o selo

- É um selo, com um nanochip, tem todas as informações que eu preciso, não sou desta terra, sou de um outro planeta.

- De um outro planeta? E onde está o foguete que trouxe você?

- Eu não preciso de uma nave espacial para voar, minha roupa já é uma nave espacial, ela é feita com alta tecnologia, ela é resistente, resiste a qualquer temperatura e também a qualquer pressão.

- Caramba! sua roupa é uma nave espacial?!

- Sim, ela foi feita para isso, cubro minha cabeça e voo.

- Você fica que nem um foguete?

- Sim, fico mais leve que o ar, flutuo no espaço, percorro grandes distâncias em segundos, sou de um planeta que está a milhares de anos adiantado do que a Terra.

- E por que você veio aqui?

- Porque meus pais disseram que os meus antepassados já moraram nesta cidade e eu tive um desejo de conhecê-la, uma simples curiosidade, perguntei a mim mesmo: O que teria naquela cidade?

- Desculpe, mas sua história é difícil de acreditar, parece inverídico.

- Claro que não! Pois preciso da sua ajuda.

- Da minha ajuda?! disse Julinho surpreso.

- Sim, não estou acostumado com essa chuva deste planeta, esse aguaceiro desgrudou um pedaço da minha roupa, e aí não vou poder sair daqui, por isso peço a sua ajuda.

Ion na chuva

- Já sei como posso te ajudar, disse Julinho.

- De que jeito? respondeu o estranho menino.

- Tenho um jeito, meu pai é marceneiro e tem uma cola muito boa, é bem resistente, quer ir lá?

- Claro que quero!

No meio do caminho Julinho perguntou:

- O que você falou com aquela linguagem que eu não entendi nada?

- É o meu nome, fiz a tradução e aqui eu me chamo Ion. E o seu nome, qual é?

- Eu me chamo Julinho e tenho 10 anos e você, qual a sua idade?

- Eu tenho 150 anos, respondeu Ion.

- O quê?! Isso não é possível, ou você é um fantasma?

- No meu planeta vivemos até 300 anos ou mais, somos muito avançados.

- Puxa vida, isso é inacreditável, é impressionante, falou Julinho sem acreditar muito.

Ion deu uma risadinha percebendo a ironia de Julinho.

- Agora já escureceu e a marcenaria do meu pai já está fechada, você, Ion, tem que dormir lá em casa.

- Tudo bem, disse Ion.

E lá seguiram os dois meninos conversando alegremente a caminho da casa de Julinho.

Os doi meninos andando pelo caminho

- Ion, disse Julinho, vamos entrar às escondidas para ninguém perceber, minha mãe, se ela te ver, vai perguntar o que esta coisa grudada na sua testa.

- É melhor mesmo, disse Ion.

Assim que Julinho entrou em casa, a mãe perguntou:

- Que tarde, Julinho, estava preocupada.

- Foi por causa da chuva, tive que me esconder. Mãe, se você tivesse um amigo de 150 anos de idade, o que acharia?

- Hum! meu filho, eu acharia muito legal, mas também muito esquisito.

- Já vou dormir, mãe, amanhã vou levantar cedo para ir à escola.

Assim que sua mãe distraiu-se, Julinho acenou para Ion entrar, e ele entrou sem ninguém ter visto.

- Amanhã, disse Julinho, tenho que ir para escola e, na volta, já trago a cola.

- Obrigado, disse Ion, e os dois foram dormir.

No dia seguinte, Julinho foi para a escola, aborrecido, não queria ir, sentia que era mal visto.

Na escola, a professora Dona Isaura advertiu Julinho:

- Você não vai mais poder ficar nesta escola, está atrasando os seus colegas, amanhã vou fazer uma prova e se você for mal, serei obrigada a tomar sérias providências, então trata de estudar para ir bem, será sua última chance.

Professora passando sermão

Julinho ao sair da escola, estava muito triste, desanimado, como ia contar para seus pais?

E assim Julinho foi buscar a cola na marcenaria do seu pai e perguntou a ele qual era a melhor cola.

Seu pai escolheu uma e disse:

- Esta, Julinho, é a melhor cola do mundo, ela cola tudo.

Julinho agradeceu seu pai com um grande sorriso.

Chegando em casa, logo correu para o quarto onde Ion estava escondido.

- Ion, a cola está aqui!

- Que ótimo! mas que cara é essa, você chorou? Perguntou Ion.

- Sim, vou ser expulso da escola, só tiro notas baixas, eu me sinto humilhado naquela escola.

- Não fica assim, disse Ion, eu sei como te ajudar.

- De que jeito?

- Primeiro, preciso que você me ajude a consertar o rasgo da minha roupa.

- Tá certo, vou medir, calcular e depois colar... Pronto! Já colei, disse Julinho.

- Oba! Parece que colou mesmo, gritou Ion.

- Sim, grudou, colou, gritou Julinho, deu certo!

Julinho ficou tão contente com seu êxito que, assim, os dois amigos se abraçaram.

- Agora, disse Ion, que tal dar umas voltas pelas redondezas, quero ver as paisagens em que um dia meus ancestrais disseram que moraram aqui.

Enquanto Ion passeava pelas ruas, sentia aquele ar familiar; Ion estava maravilhado, sentindo aquele perfume aromático, andando pelas ruas, parecia tudo mágico.

Julinho estava feliz, até esqueceu dos problemas da escola, e já era noite quando voltaram.

No dia seguinte, Julinho estava apreensivo, se não fosse bem na prova, estaria fora da escola.

Julinho está nervoso porque vai fazer prova.

No caminho Julinho disse para Ion.

- Estou com medo.

- Não se preocupe, Julinho, vou passar toda a matéria para você.

- Como vai fazer isto?

- Vou fazer uma conexão do meu cérebro para o seu cérebro e aí te envio as respostas.

- Mas você não vai poder entrar na classe, e como vai saber qual o assunto da prova que professora vai dar?

- Eu não preciso estar presente, meu cérebro capta todos os conhecimentos possíveis.

Julinho mesmo assim ficou temeroso.

Dona Isaura já estava na classe quando o Julinho chegou.

- Hoje vou fazer 10 perguntas e quem tirar nota baixa será levado ao conhecimento da escola.

Todos os alunos olharam para Julinho.

- São dez perguntas bem difíceis, mas para quem estudou é fácil.

Julinho fez a prova bem rápido, foi o primeiro a entregar a prova, e passou algum tempo quando todos entregaram as provas. Dona Isaura passou a corrigir as provas, ficando surpresa com o resultado e, então, falou:

- Quem acertou todas as perguntas foi Julinho!

Todos os alunos ficaram intrigados, curiosos, como ele acertou se ele sempre errava, teria por acaso colado?

Não contente com o resultado Dona Isaura falou:

- Amanhã farei novamente outra prova.

Depois da aula, Julinho e Ion saíram alegres e foram embora satisfeitos e rindo.

Depois houve uma pausa e Ion falou:

- Amanhã, depois de sua aula, preciso ir embora.

Julinho ficou muito triste, mas não podia fazer com que Ion deixasse de rever sua família.

- Vamos dar mais um passeio, estou maravilhado com a cidade, vou avisar a todos que a Terra ainda existe e não foi extinta.

- Por que seus antepassados foram embora? disse Julinho.

- Disseram que ficou muito quente e aí pegaram uma nave espacial e foram embora sem rumo até encontrar um planeta que até hoje eles estão lá.

- Esse planeta é bonito como a Terra?

- Sim, muito bonito, parece muito com a Terra.

No dia seguinte Julinho e Ion foram para escola.

Novamente Dona Isaura falou:

- Desta vez vou fazer umas perguntas mais difíceis.

Todos os alunos reclamaram das perguntas, menos Julinho.

Assim que terminaram, a Dona Isaura foi corrigir e, para seu espanto, Julinho acertou todas e os outros alunos erraram quase tudo.

Dona Isaura deu os parabéns para o Julinho e disse:

- Julinho, gostei muito da sua mudança, espero que continue sempre assim.

Julinho ficou muito feliz com a resposta da professora.

No caminho de volta, Ion falou:

- Tenho que ir embora, Julinho.

- Vou ficar muito triste, você é um grande amigo, mas eu entendo.

- Sei disso, Julinho, você também é um grande amigo, tenho que ir, minha família está lá, mas não se preocupe, vou colocar este selo atrás de sua orelha, com todos conhecimentos de tudo.

- Ah! que bom, muito obrigado, disse Julinho.

- Mas tenho uma coisa que preciso te avisar, este selo com o tempo vai desaparecer.

- Já entendi, disse Julinho, quando o selo sumir, vou ter que agir por conta própria.

- Sim, exatamente, veja essa formiguinha, tem menos de um centímetro e carrega essa folha tão grande, ela está feliz levando o seu alimento para sua casa, tão pequenininha e tão grande a sua força.

E o mesmo acontece com esse casulo, que está nessa planta, e que tem dentro uma lagarta, ela constrói um invólucro, uma proteção, e veja, olha só, ela acabou de sair do casulo, virou uma borboleta, e agora vai voar livremente. Não adianta ficar parado sem se mover uma palha, agora é hora de botar a cuca para funcionar, mãos à obra!

- Gostei bastante da dica, Ion.

- Sabe de uma coisa, disse Ion, você me parece muito familiar.

- Talvez somos primos?!!!

- Seria ótimo saber que você, Julinho, é meu primo.

Julinho deu um sorriso.

- Obrigado, Julinho, você me salvou a vida, lembre-se, você tem um ótimo raciocínio, não sei como agradecer a você, a sua mãe, e diga a seu pai que a cola dele é excelente.

Abraçou Julinho.

Ion e Julinho se abraçando

- Agora tenho que ir, vou sentir muitas saudades, disse, esforçando-se para não chorar, agora também vou virar um casulo, e vou zarpar. Boa sorte aí, Julinho!

E no impulso e de tão rápido, saiu soltando até faíscas, que ofuscaram a vista de Julinho.

E Julinho gritou:

- Boa sorte também, Ion! Acenando para ele com lágrimas nos olhos.

No dia seguinte Julinho foi para a escola sem seu amigo Ion. Temeroso, colocou a mão atrás da orelha e sentiu o selo, e ficou mais confiante.

- Parabéns disse a sisuda professora. Outra vez, você foi bem na prova, acertou tudo.

Julinho se sentiu aliviado e alegre.

E assim passaram os dias quando Julinho percebeu que o selo não estava mais atrás da sua orelha.

E pensou: “Fiquei sem o selo e sem o cérebro de Ion”.

Ficou pensativo, e refletiu sobre as palavras de Ion, mas estava determinado, pois, desta vez, estudou muito.

Chegando na escola a professora Dona Isaura, austera como sempre, deu novamente uma prova, como fazia sempre.

Julinho colocou a mão atrás da orelha para ter certeza de que o selo não estava mais lá. Mas o selo realmente já não estava lá. Leu a prova, respondeu as perguntas e em pouco tempo entregou.

Julinho, disse a professora, com seu olhar severo:

- De hoje em diante você vai representar a escola, sua prova foi impecável, parabéns.

E todos os alunos bateram palmas.

Julinho agradeceu a todos e, ao sair da escola, foi para casa, andando pelo mesmo caminho, satisfeito, e lembrou de Ion com saudades, sentou na mesma árvore gigante, ficou meditando, mas depois foi para casa e encontrou seu pai:

- Agora, pai, sou o representante da escola.

- Parabéns, meu filho, eu sabia das suas qualidades, vamos contar para sua mãe.

Julinho perguntou para seu pai:

- Que cola você me deu naquele dia?

- Foi uma cola simples, uma cola escolar, adequada para crianças da sua idade.

Julinho pensou: apesar de ter 150 anos, Ion também era uma criança.

- Pai, gostaria de viver 300 anos?

- Adoraria, mas é impossível, quem sabe daqui alguns anos ou milhares de anos?

- Que bom, disse Julinho, estou esperançoso, quem sabe um dia encontro novamente com Ion, ia ser muito divertido, eu e ele bem velhinhos, com trezentos anos, passeando pela cidade.

Ilustrações: Sabrina Paloma (face do Ion, Ion na chuva, Julinho e Ion se abraçando, Julinho na árvore e a sala de aula) e professora Paula Vanessa (professora Isaura e paisagem).

Revisão: Diego, professora Paula Vanessa e Jean