quarta-feira, 25 de novembro de 2020

Islamismo - Série Religiões

Maomé nasceu em Meca, no ano de 570 d.C., filho de um mercador pertencente a uma nobre família haxemita, da tribo coraixita. O clã de Maomé guardava a Kaaba, um lugar santo, onde se venerava a “pedra negra” (um meteorito), e que era o destino das peregrinações das tribos árabes.

Kaaba

Maomé foi pastor e guia de caravanas, o que o fez viajar muito e entrar em contato com o Judaísmo e o Cristianismo. Durante esse período, Maomé sofria de depressão por causa do enorme desgosto que sentia com os cultos pagãos praticados por seus conterrâneos.

Aos 40 anos de idade, segundo a tradição, estava prestes a suicidar-se quando teve uma visão do Arcanjo Gabriel, que lhe disse: “Ó Maomé, tu és o enviado de Deus”. Maomé proclamou-se mensageiro divino e conclamou a todos a aceitarem Alá como o único Deus. Passou então a pregar contra os ídolos de Meca. Suas primeiras conversões foram sua mulher Khadijah e sua filha Fátima, o marido e o primo desta. Depois foi ganhando mais adeptos, principalmente, entre os pobres e escravos.

À medida que sua influência crescia, maior era a resistência por parte dos poderosos que temiam que ele pudesse assumir o controle político da cidade. Seus discípulos foram perseguidos enquanto se tramava o assassinato de Maomé.

Em 622, Maomé foge para Yathrib, onde foi acolhido com todas as honras. Maomé muda o nome da cidade para Medina (“cidade do Profeta”). A fuga para Medina é conhecida como Hégira (“partida”) e marca o início do calendário muçulmano. Em Medina, Maomé uniu os clãs e as tribos numa única comunidade baseada no Islã. Maomé tornou-se então chefe político, autoridade religiosa e diplomata.

A crença em Alá existia antes de Maomé, mas estava misturada com outros cultos idólatras. Na antiguidade, para protegerem seus interesses, os reis não admitiam seitas religiosas que não comungassem a religião do Estado. Estes reis passavam então a perseguir religiosos que não praticavam a religião oficial. Evidentemente, a religião fundada por Maomé contrariava os grandes potentados locais que se voltariam contra ele.

Maomé então amplia rapidamente seu território pela conquista e conversão, iniciando a “guerra santa” que assinala a expansão do islamismo. Em 630, após um longo período de luta contra Meca, Maomé conquista a cidade com pouco derramamento de sangue e purifica a Kaaba, eliminando todos os ídolos e deixando ficar apenas a pedra negra, consagrando-a ao culto de Alá. Meca se transforma na capital política e religiosa do islamismo.

A raiz da palavra Islã é “Silm”, que significa “paz”. A palavra remete ao árabe “Salam”, que também significa “paz”. Um dos nomes de Alá, ou Allah, de acordo com o Corão, é As-Salam, ou seja, “paz/pacificador”. Portanto, Islã tem origem no termo “Islam”, que é “submissão” (à vontade de Deus, o pacificador); muçulmano deriva da própria raiz da palavra e significa “aquele que se submete”.

Islamismo é a religião que se pretende ligar diretamente ao monoteísmo do Patriarca Abraão. Por isso, o Islamismo tem pontos de contato com o Antigo Testamento e também com os Evangelhos. Para o Islamismo, Maomé é o último dos Profetas.

Os muçulmanos consideram-se irmãos pela religião e não pela nacionalidade ou raça. Deus está presente em tudo e tudo depende de Deus.

As verdades fundamentais dos muçulmanos são:

Monoteísmo puro: assim como os judeus, para os muçulmanos a Santíssima Trindade dos cristãos apresenta laivos de politeísmo. Quando os mouros invadiram a península ibérica, os judeus os saldaram como heróis, pois, ao menos, acreditavam na unicidade de Deus. Além disso, os reis visigodos, recém-convertidos ao cristianismo, impunham a conversão forçada dos judeus. Segundo Max Weber, pelo fato do islamismo ser uma religião de guerreiros, originou uma elite aristocrática de dominadores que raras as vezes praticaram proselitismo ou obrigaram à conversão. Normalmente, a tolerância religiosa caracterizou a sociedade andaluza, mas também todo o mundo muçulmano.

Juízo Universal: um prêmio ou um castigo no fogo abrasador (inferno).

Paraíso: jardins com fontes, rios de vinhos e virgens belíssimas, as “Huris grandes olhos negros”, sempre jovens e virgens, ao serviço dos bem-aventurados.

Obrigações – os cinco pilares do islamismo:

1. Reconhecer a unidade de Deus e a missão do Profeta, segundo a profissão de fé “La ilaha illa Allah, ya Muhammad rasul Allah” (não há outra divindade senão Deus e Maomé é seu profeta).

2. Oração, feita cinco vezes por dia, voltando-se para Meca.

3. Caridade – dar esmola aos pobres.

4. O jejum do Ramadan, que dura um mês. Durante o dia não se pode beber nem água. À noite, pelo contrário, pode-se comer. “Durante esse tempo - diz Maomé - as portas do paraíso estão abertas, as do inferno fechadas, o demônio encadeado”.

5. Peregrinação a Meca. Todo bom muçulmano deveria ir à Meca pelo menos uma vez na vida.

O Corão ou Alcorão é o livro sagrado dos muçulmanos que contém a doutrina e os ensinamentos de Maomé.

O Corão impõe muitas outras obrigações, como não comer carne de porco, não tomar bebidas alcoólicas, não jogar. Proíbe também as imagens e estátuas e determina as normas para o divórcio.

O Corão menciona 25 profetas:

Adam (Adão); Idris (Enoque); Nuh (Noé); Hud (Éber); Salih (Selá); Lut (Ló); Ibrahim (Abraão); Ismail (Ismael); Ishaq (Isaque); Yaqub (Jacó); Yusuf (José); Shu’aib (Jetro); Ayyub (Jó); Dhulkifl (Ezequiel); Musa (Moisés); Harun (Arão); Dawud (Davi); Sulayman (Salomão); Ilias (Elias); Alyasa (Eliseu); Yunus (Jonas); Zakariya (Zacarias); Yahya (João Batista); Isa (Jesus); e Muhammad (Maomé).

A missão de todos os profetas, de Adão (Adão) a Isa (Jesus), era uma só: o estabelecimento do monoteísmo no mundo.

Muitas das passagens do Corão são inspiradas na paz e na bondade. A sociedade ideal é Dar As-Salam, isto é, “A casa da paz”.

Para os muçulmanos, o dia festivo é a sexta-feira.

Muezin é o arauto que do alto do minarete convida em voz alta os fiéis à oração.

Mesquita é o lugar sagrado para os muçulmanos.


domingo, 15 de novembro de 2020

Jerry Lee Lewis - Pioneiros do Rock'n'Roll

Jerry Lee Lewis nasceu em 29 de setembro de 1935, numa pequena fazenda de Ferriday, Louisiana. Roqueiro branco por excelência, a surgir imediatamente depois de Elvis Presley, Jerry possuía em comum com rei do rock as mesmas raízes musicais, como o gospel, rockabilly, pop, country e R&B.

Jerry Lee Lewis foto recente

Jerry Lee Lewis aprendeu sozinho a tocar piano e, aos 9 anos de idade, começou a imitar o gênero musical de pregadores religiosos e músicos de blues que passavam em turnê por sua cidade. Seus pais reconheceram seu grande talento e decidiram hipotecar a fazenda para comprar um piano para o menino. Assim, Jerry desenvolveu um estilo eletrizante de tocar piano, tendo por inspiração a tradição da música branca e negra.

Mais tarde, foi para Memphis, Tennessee, onde trabalhou como músico. Em 1956, gravou seu primeiro single, um cover de Crazy Arms, de Ray Price. Logo depois, Jerry conheceu Carl Perkins e juntos chegaram a tocar com Elvis Presley e Johnny Cash.

Foi lançado ao estrelato em 1957, quando gravou Whole lotta shakin´goin´on, seu primeiro disco de ouro. Nessa época, Jerry criou algumas de suas performances extravagantes que o tornariam célebre, como tocar em pé, chutar o banquinho e até mesmo atear fogo no piano. Foi nessa época que a imprensa passou a tratá-lo por seu apelido de infância, The Killer. No mesmo ano lançou Great balls of fire, uma das músicas temas do filme Jamboree. Em março do ano seguinte, Jerry emplacou Breathless no top 10 das paradas musicais. Outros grandes sucessos foram High school confidenitial, em 1958, e Young and deadly, em 1960.

Mas a sua carreira não foi marcada apenas por glórias, Jerry bateu de frente com o que ainda havia de animosidade contra o rock and roll. Enquanto suas músicas o consagravam como um dos maiores astros do rock’n’roll de todos os tempos, sua vida privada o levava à desgraça, sendo marcada por casamentos complicados e abuso de drogas e álcool.

Quando Jerry contraiu matrimônio com uma prima chamada Myra Gale Brown, que tinha só catorze anos, a imprensa sensacionalista não perdeu a oportunidade de envenenar a opinião pública, pois o rock’n’roll ainda era visto como um tipo de música selvagem, de mau gosto e inadequado à moral e aos bons costumes. Em turnê realizada na Inglaterra, os jornais escandalizados acusaram-no “de ter casado com sua própria prima de 13 anos”. Ao regressar aos EUA, seus discos deixaram de tocar e seu nome caiu no esquecimento durante três anos.

Jerry Lee Lewis entrou para Rock and Roll Hall of Fame em 1986.

sábado, 7 de novembro de 2020

Sócrates - Nonas Filosóficas

À imensa maioria dos seus contemporâneos, apareceu Sócrates, de Atenas (470-399), como um dos sofistas. Escultor a princípio, abandonou o cuidado da família e viveu entregue por completo à apaixonada necessidade de alcançar e de fazer alcançar aos seus concidadãos clarividência espiritual, e de os conduzir há uma moralidade interna e independente (isto é, que não dependesse dos costumes). A multiforme e poderosa influência que este homem exerceu só pode se explicar tendo em conta a sua personalidade excepcionalmente rica, peculiar e profunda, e, sobretudo, os seus extraordinários dons de educador. Foram célebres a sua coragem na guerra e diante dos poderosos, a sua constância nos trabalhos e na meditação, a sua indiferença perante as coisas exteriores, e o seu admirável domínio sobre si próprio. Mas o que mais particularmente o caracteriza é o seu urgente impulso para converter em objeto de meditação profunda e proveitosa todas as relações da vida humana. Assim, vemos claramente nele o caráter fundamental (racionalista), representado por ilustração dos sofistas: não conduzir a vida instintivamente, não aceitar como válidos os usos e costumes que dominam no procedimento, mas sim fundamentar a conduta na reflexão, em conceitos claros e na própria evidência racional. Distingue-se porém dos sofistas pelo fato de não ministrar nos seus discursos conhecimentos já formados, mas procurar atingir ele próprio a maior caridade e conduzir os outros até ela pela própria forma do seu diálogo. Recordando o ofício de sua mãe, chamava à sua arte pedagógica "maiêutica", isto é, arte de parteira, pois que por meio das suas perguntas procurava conduzir os homens a atingirem eles próprios o conhecimento da verdade, fundando deste modo uma forma especial de dialética (v. § 4, fim): o "método socrático". 

Foi assim incansável na conversação com adultos e jovens, tanto nas oficinas dos operários manuais como nas praças públicas, nos ginásios como nas festas. Partindo do exame de casos particulares, extraídos da vida corrente ("concretos"), compara-os com outros casos semelhantes, para descobrir, através dos motivos deste exame, os princípios gerais da crítica moral, isto é, os "princípios éticos" (1). Com uma modéstia trocista (a sua "ironia") se põe em atitude interrogativa perante o interlocutor, que achará como se fossem as coisas mais naturais do mundo aqueles conceitos contidos nos mais árduos problemas; e no decurso da conversa, este suposto saber do interlocutor vai aparecendo ante o não saber de Sócrates, como um emaranhado de obscuridades e contradições. Sem dúvida, expôs assim muita gente a uma penosa vergonha, e foi tomado portanto por um arrogante maçador, e até por perigoso e revolucionário, sem respeito por nenhuma autoridade consagrada e nenhuma tradição venerável. Inclinava-se sempre, com efeito, a interrogar acerca de coisas que nenhum "cidadão bom e correto" punha em dúvida e eram aceitos como válidos sem discussão. Tampouco partilhou Sócrates do vulgar patriotismo ateniense.

Não é pois de estranhar que, finalmente, numa época em que chegou a predominar a reação contra qualquer "Iluminismo", tenha sido acusado de "introduzir novos deuses e perverter a juventude". Considerou a sua condenação uma injustiça; todavia, julgou-se obrigado, como cidadão, a acatar a sentença. Recusou por isso a fuga (que teria sido fácil com o auxílio dos seus discípulos) e bebeu a cicuta a que o condenaram. A simples grandeza com que soube aceitar a condenação contribuiu para valorizar ainda mais a influência da sua vida.

O fato de Sócrates ter decidido por toda sua vida ao serviço da claridade espiritual, obedece à hipótese natural de que a reta "evidência" (mas exatamente: a justa apreciação) tem por consequência necessária a ação justa; e portanto, que a virtude pode se aprender, e que ninguém comete faltas voluntariamente; por outro lado, supõe esta atitude que toda a ação moralmente má provém de falta de evidência. A tendência racionalista, "intelectualista, da época, atingi o seu ponto culminante com Sócrates. É certo que este exagerou a importância da inteligência para a ação, pois o conhecimento de que determinada conduta é mais valiosa que outra não intensifica forçosamente as tendências que conduzem à sua realização (embora numa pessoa tão nobre como Sócrates fosse o caso). Não resta porém dúvida de que uma consciência clara dos fins supremos e um profundo conhecimento do objetivo são imprescindíveis à superior cultura ética da personalidade.

Não menos parcial, embora contenha um germe valioso, é o outro pressuposto de Sócrates, segundo o qual existe necessária conexão, por um lado, entre a virtude e a felicidade, e por outro, entre a perversidade e a desdita. Com certeza sentia Sócrates isto como verdade, na sua pessoa; isto é, encontrava imediatamente a suprema felicidade, a paz da alma, numa vida conforme ao seu ideal ético; e, portanto, agir contrariamente ao bem (e, por consequência, contra a própria felicidade), só lhe pareceria coisa compreensível por efeito da ignorância ou do erro. Sob a sua influência, todos os discípulos socráticos equiparam a virtude (excelência) com a felicidade interior (a eudemonia), que pode substituir apesar da infelicidade externa.

As considerações por meio das quais Sócrates pretendia fundamentar a conduta moral, parecem ter sido, em muitos sentidos, egoístas. De acordo com elas, devem se cumprir os deveres para com os pais, os amigos, o estado, porque é o mais proveitoso para nós próprios. O fim supremo e, portanto, o sentido de toda conduta moral, encontrava Sócrates naquilo que favorecia o bem-estar humano. O duplo sentido que a palavra "bem" ainda conserva para nós era para ele um só, sem cisão. O bem significa: 1º (num sentido puramente ético), o que é valioso por si próprio, o valioso em absoluto; 2º o agradável ou útil (isto é, valioso por outra coisa), por exemplo: um bom vinho, um bom cão de caça, um bom sapateiro, etc. Sócrates não pode contudo separar o saber moral do técnico (profissional), porque não separa estas significações; mesmo para ele, a última é predominante. Por este motivo, a utilidade, a adaptação ao fim, é o ponto de vista supremo para as suas reflexões sobre os problemas morais, sociais e políticos. É compreensível que, partindo daqui, chegasse a formular uma crítica severa do existente e vigente (2) (sobretudo de algumas instituições democráticas), embora, em geral, não fosse um inovador radical e continuasse a respeitar as concepções morais, políticas e religiosas do seu povo. Não que partilhasse simplesmente o patriotismo de cidade dos seus convizinhos; o seu ideal moral tinha antes um caráter geral humano. Tampouco partilhada totalmente as crenças da religião popular. Possuía com tudo um profundo sentimento religioso, por via do qual estava convencido de que, com as suas pesquisas em busca do conhecimento, trabalhava ao serviço da divindade e sob a sua proteção. O que ele pedia aos deuses era "o bem". Os deuses, em sua opinião, sabiam melhor que os homens no que consiste em cada caso esse bem. Aconselhava a praticá-lo "conforme a lei do Estado". Ao mesmo tempo, entendia que a divindade apreciava mais um sentimento puro do que os mais ricos sacrifícios. Não deve ver se no seu "demônio" um dom profético, mas antes um autossentido de instintivo tato, que o afastava de tudo quanto não estava de acordo com a sua personalidade.

Sócrates não deixou nada escrito. Encontramos uma visão da sua personalidade sobretudo nas obras da juventude de Platão e em algumas de Xenofonte. Também outros discípulos de Sócrates escreveram "diálogos socráticos". Os autores destes se esforçavam, sem dúvida, em demonstrar que a ideia que eles tinham formado do mestre era a mais autêntica.

1. Este processo pode ser chamar "regressivo" e por "abstração". Quando Aristóteles chama a Sócrates inventor da indução, entende-se que se refere à descoberta do geral no particular.

2. Convém notar que os adeptos da moral "utilitarista", defendida, entre outros, por Bentham e Mill, conseguiram impor na Inglaterra profundas reformas, na primeira metade do século XIX.

(August MESSER, “História da Filosofia”, Editorial Inquérito: Lisboa, 1946 - obra em domínio público).

domingo, 1 de novembro de 2020

Literatura comparada: historiografia e cinema

Literatura comparada: Formação do Brasil Contemporâneo (1942), de Caio Prado Jr. X Como era gostoso o meu francês (1971), de N. P. dos Santos.

Colonização da América

Para analisar e interpretar a questão da univocidade e plurivocidade na construção historiográfica, tendo em vista a comparação de duas linguagens tão diversas, é necessário tecer alguns comentários sobre o tema enfocado. Caio Prado Jr. inicia seu livro discutindo acerca do sentido da colonização, conceito pelo qual visa descrever as bases fundantes da formação econômica e social do Brasil. Para isso, discorre sobre a expansão comercial na Europa do século XV e XVI e, consequentemente, na busca de alguns países europeus por novas rotas comerciais, marítimas e alternativas, com o Oriente.

Neste contexto, os países da península Ibérica foram pioneiros, notadamente, Portugal, ao circum-navegar o continente africano e, mais tarde, chegar às terras que se denominaram Brasil. Assim, o interesse dos países ibéricos em relação às terras recém-descobertas era tão somente comercial, haja vista que, além do déficit populacional que assolava a Europa da época, diante da imensidão do novo continente, quase deserto, habitado por tribos “selvagens”, a colonização europeia era inviável.

Portanto, do ponto de vista econômico, o clima tropical favorecia a atividade comercial agrícola, mais estável que o extrativismo dos primeiros tempos. Essa discussão dá ensejo para Caio Prado Jr. distinguir dois tipos opostos de colonização: colônia de exploração e colônia de povoamento. Esta última consolidou-se nas Américas de regiões de clima temperado, nas quais, perante o pouco interesse econômico, fatores políticos e sociais decorrentes da conjuntura histórica por que passava a Inglaterra determinaram a estrutura da ocupação. Neste caso, os colonos expatriados migravam com a esperança de construir um “novo mundo” e reproduziam in loco sociedades tipicamente europeias.

Ao contrário, a colonização nas regiões tropicais visava apenas à exploração econômica de gêneros muito valorizados na Europa, como açúcar e especiarias. Nesta perspectiva, constituiu-se a empresa colonial, assentada no trabalho escravo, das populações indígenas e africanas, e que atravessou todos os ciclos econômicos, cujo objetivo era o abastecimento da metrópole e suas relações mercantis para com os países europeus. É a partir desta estrutura econômica, voltada para o mercado externo, que se dá o povoamento colonial, começando pelo litoral e adentrando o interior, consoante a dinâmica dos ciclos econômicos. A empresa colonial também determinou as relações entre “raças”, as quais, mesmos desarticuladas e estranhas entre si, são incorporadas, através da miscigenação, ao propósito demográfico da colonização.

O argumento é praticamente o mesmo de Gilberto Freyre, atribuindo ao português uma índole histórica para inter-relações multirraciais. Além disso, tal como o sociólogo, Caio Prado Jr. atribui à família patriarcal e latifundiária o núcleo administrativo e cultural de toda a sociedade, subordinando, inclusive, durante muito tempo, a cidade aos interesses do campo. Porém, a escravidão moderna, vinculada ao interesse comercial pura e simplesmente, deixou marcas degradantes na sociedade brasileira, pois, muito embora as relações multiéticas tenham constituídos a nacionalidade brasileira, os elementos culturais indígenas e africanos foram reduzidos à simples condição de instrumentos de trabalho, fato que gerou, além de uma profunda desvalorização do trabalho, a marginalização dessas etnias.

Por enquanto isto é suficiente sobre Caio Prado Jr. Não vou me alongar muito sobre o enredo do filme, basta dizer que, durante o período da França Antártica, um francês é aprisionado pelos tupinambás, sendo então obrigado a passar pelos ritos de canibalismo da tribo, nos quais é integrado ao cotidiano dos índios, chegando mesmo a se casar, antes de ser sacrificado.

O filme é quase todo falado em tupi, com algumas intervenções em francês e outras, muito raras, em português. Todavia, nas primeiras tomadas, há uma narração, em voz over, da carta de Villegagnon a Calvino sobre o dia a dia no forte e que contrasta com as cenas exibidas. Além dessa intervenção, conforme o andamento das cenas, surgem letreiros, tais como no cinema mudo, com o relato dos cronistas, como Hans Staden, Padre Anchieta, Jean de Léry, Padre Nóbrega, entre outros, sobre os costumes “bárbaros” dos indígenas. Entre essa polifonia de vozes, há também algumas reflexões do francês em voz off na língua francesa. E, evidentemente, há a narrativa das imagens que expressam a perspectiva dos tupinambás e seus costumes.

Diante do que foi exposto, já é possível esboçar algumas considerações sobre nossa problemática. Em primeiro lugar, a obra de Caio Prado Jr. é marcada pela univocidade da linguagem científica. Normalmente, o discurso científico é pautado pela impessoalidade, movido pela objetividade do conceito e ancorado por uma metodologia. Neste sentido, para entender a realidade brasileira, o método empregado por Caio Prado Jr. é o do materialismo histórico ou dialético, formulado pelo pensador alemão Karl Marx e consagrado na sua grande obra O Capital. Apesar das contribuições da metodologia marxista para as análises de Caio Prado Jr., na compreensão da sociedade brasileira, algumas questões trazem algum embaraço, pois Karl Marx desenvolveu categorias referentes ao modo de produção capitalista, como os conceitos de trabalho assalariado e capital, que estão em contradição, isto é, na luta de classes, e em vias de superação através da revolução de caráter socialista.

Ao transpor este repertório conceitual para uma realidade colonial, pré-industrial e estruturada por outras categorias, como o trabalho escravo, muitas lacunas aparecem e Caio Prado Jr. é obrigado a fazer muitas concessões, como, por exemplo, considerar que o trabalho acabou sendo um elemento desabonador na sociedade brasileira. Tal procedimento leva o historiador a analisar o quadro econômico, político e social com lentes invertidas, ou melhor, numa perspectiva de fora para dentro e de cima para baixo, tomando a realidade europeia como marco de referência.

No fundo, é visão do europeu que organiza e confere estatuto de verdade para um mundo completamente diferente de seus pressupostos teóricos. Já no filme de Nelson Pereira dos Santos, a narrativa eurocêntrica aparece por meio de uma estratégia extradiegética, com a carta de Villegagnon e nas interrupções com as notas dos cronistas que, não por acaso, são escritas – lembrando que os povos ameríndios não conheciam a escrita.

Esta narração, ou visão de mundo, é sempre muito preconceituosa e descreve de maneira muito distorcida a realidade colonial e os hábitos das comunidades indígenas. Ao trazer protagonismo e, por assim dizer, dar voz e mostrar o ponto de vista dos tupinambás, Nelson Pereira dos Santos parece estar dizendo que a plurivocidade das diversas narrativas, dissonantes, em conflito e incompreensíveis entre si, remete a um mundo que escapa à transparência do conceito e de uma única narrativa unívoca, como a do dominador ou colonizador europeu. De certa forma, é trazer o discurso marginal, do qual nunca se escuta, para o centro do debate e mostrar que não há uma única verdade, muitas vezes, forjada pela violência. Dar ouvido a estas vozes torna-se o grande desafio crítico das supostas missões civilizatórias.