Portanto,
oficialmente, o nome do país é atribuído ao pau-brasil, do italiano verzino, e
daí “terra do (pau) brasil” e não à Ilha Brasil.
“(...)
por artes diabólicas se mudava o nome de Santa Cruz, tão pio e devoto, para o
de um pau de tingir panos" (Joannes de Barros, "Década primeira
[-terceira] da Asia: Dos feitos que os portugueses fezerão no descobrimento
& conquista dos mares & terras do Oriente” [data da primeira edição
1552], Lisboa: impressa per Jorge Rodriguez: aa custa de Antonio Gonçalvez
mercador de livros, 1628).
“O
Modo é este: vão-nos buscar doze, quinze e ainda mais vinte léguas distante da
Capitania de Pernambuco, onde há o maior concurso dele, porque se não pode
achar mais de perto pelo muito que é buscado, e ali entre grandes matas o
acham, o qual tem uma folha miúda e alguns espinhos pelo tronco, e estes homens
ocupados neste exercício levam consigo para a feitura do pau muitos escravos de
Guiné e da terra, que, a golpes de machado, derrubam a árvore, à qual, depois
de estar no chão, lhe tiram todo o branco, porque no âmago dele está o brasil;
e por este modo uma árvore de muita grossura vem a dar o pau que a não tem
maior de uma perna, o qual, depois de limpo, se ajunta em rumas, donde o vão
acarretando em carros por pousas, até o porem nos passos para que os batéis e
possam vir a tomar (Ambrósio Fernandes Brandão, “Diálogos das Grandezas do
Brasil”, ABL (1930), provavelmente escrito entre 1590 e 1618).
Pelo
texto acima dá para se ter uma ideia da importância econômica do pau-brasil e
da devastação que isso resultou. Não é de se admirar, portanto, que os
franceses, desde o início da invasão europeia no novo continente, sempre
cobiçaram a matéria-prima da tintura e que, sob os nomes oficiais de França
Antártica (1555-1567) ou França Equinocial (1612-1615), chamavam, mesmo antes dos
portugueses, de brésil as terras nativas do “pernambuco” (Paubrasilia
echinata), isto é, o pau-brasil.
“O
nome Brasil vem de longe. Disse Humboldt, vem de Samatra, e levou quatro mil
anos para nos chegar... É o nome de uma madeira tintorial, a Cesalpina
ecchinata, especiaria trazida do Oriente à Europa, nome variamente escrito —
braxile, bresillum, brisilium, bersi, verzi, verzino, como recentemente, há
cinco séculos, o chamavam os Venezianos. Já dele falam o geógrafo árabe Abuzeid
El Hacen (IX século), Endrisi e Chrestien de Troyes no século XII: este escreve
mesmo Braisil, que dá, em francês, a pronúncia do nome atual nesse idioma.
Teria vindo à Europa depois dos primeiros Cruzados, por volta de 1140.
Tirava-se, do toro, a casca e o líber, e apenas o cerne vermelho servia para
tingir panos e fazer tinta, para iluminar manuscritos, dando tons róseos às
miniaturas. A madeira, dura e corada, também aproveitava à marcenaria”
(Peixoto, op. cit. p. 41).
Assim
sendo, a palavra “brasil” designava um corante de procedência bastante variado,
que poderia abranger desde grãos à madeira.
Segundo
o etimólogo José Pedro Machado: “O voc. em português se documenta, pelo menos,
em 1377: ‘Jtem de Sene E de çofeína E de brasil que trouuerem ou leuarem também
vezjnhos pagam dizjma…’, em Descobrimentos Portugueses, I, p. 53. Denomina
produto que não oriundo do solo português, nem mesmo do hispânico, o pau
deve-nos ter vindo por intermediários negociantes italianos, intermediários,
durante os últimos séculos da Idade Média, entre a Europa oriental e a Ásia. O
substantivo brasil esta no italiano brasile, de que se ocupa D. E. T. cujo
texto transcrevo: brasile: ‘(sec. XII, Itália); tipo de madeira vermelha
oriental para tinturas; cfr. fr. brésil (XII séc.), prov. brezil, espagn.
brasil; lat. medioev. grana de brasil (a. 1193, Italia sett.), de kerka brisilli
(a. 1163;. Kerka = quercia - carvalho), braxile (a. 1264, Bologna), etc.; sic.:
birczi, verczi, virzi (séc. XVI, Scobar), pela wars, uma planta amarela
semelhante ao gergelim, nativa do Iêmen, com a qual se prepara a água usada
contra verrugas (inchaços) e uma substância corante ... Diretamente do árabe
pode derivar a voz calabr. virz´idda, biz´ z´idda cocciuola, pequeno inchaço,
virz'ilu orzaiuolo, etc., formas que exigem hum adj. ar. warsi...’ A origem
última do étimo é o vocábulo árabe wars, que designa certa planta utilizada em
tinturaria para dar o tom amarelo-avermelhado e em medicina como linimento para
inchaços, cujo nome científico é Memecylon tinctorium. Era bem conhecida de
Maomé, que proibiu seu uso, bem como o do açafrão, no tingimento das roupas dos
peregrinos que se dirigiam a Meca, que deveriam ser sóbrias e modestas. Ao lado
dos verbos warrasa (“tingir um tecido com aquela planta”) e awrasa (“produzir
[um solo] em abundância a mesma planta; cobrir-se de folhas [uma árvore];
tornar-se amarelo”), existe o adjetivo warssii, “amarelo-avermelhado”. Por
analogia, os árabes aplicaram o mesmo nome ao pau-brasil-da-índia, que
proporcionava uma tonalidade semelhante” (MACHADO, J. P., “Dicionário
Etimológico da Língua Portuguesa”, (1952), verbete “Brasil”).
Entretanto,
a origem obscura do nome “brasil” não escapou às observações de Afrânio
Peixoto. E aí a Ilha Brasil volta a aparecer:
“A
geografia apoderar-se-ia do nome, e terras do Brasil houve, antes da nossa:
Krestchmer encontrou em mapas medievais as seguintes variantes: Brazi, Bracier,
Brasil, Brasiel, Brazil, Brazile, Braziele, Braziel, Bracil, Braçil, Braçill,
Bersill, Braxil, Braxili, Braxiel, Braxyili, Brisilge... É uma ou mais ilhas do
Ocidente, no grupo dos Açores, ou na altura da Bretanha, ou não longe da
Irlanda. Ainda hoje há uma pedra Brazil Rock, na Irlanda, e um monte Brasil,
junto à cidade de Angra, na Ilha Terceira, dos Açores. Num mapa de 1351 já
aparece esta “ínsula do Brazil”, nesse Açores. Em 1480 partiram de Bristol navios
à procura da Ilha Brasil. Em 1497 Ayala, legado de Espanha junto à Corte de
Inglaterra, dizia que de sete anos àquela parte partiam de Bristol, anualmente,
navios à mesma pesquisa. Lá está, no mapa de Toscanelli, (1474) ao norte e
oriente, a ilha Brasil... Até 1875 o Almirantado inglês manteve nas suas cartas
essa ‘Brasil Rock’.
“Diz
a erudição que os Árabes chamavam ao pau bakkam, que traduziram em latim
brasilium, procurando a analogia da raiz semítica bakkham (ardente) com a
ariana bradsch, em português brasa, italiano brace, francês braise. Como se deu
tal nome à geografia, é controvertido: Brasil, indicaria fenômenos vulcânicos
notados no arquipélago açoreano; ou aí se teria encontrado senão o verdadeiro
brasil, pelo menos algum sucedâneo, talvez a urzela. Contudo Capistrano de
Abreu, reparando que nas formas gráficas e geográficas de Kretschmer não se
vêem formas congêneres do verzi ou verzino, diz poder-se concluir que o Brasil,
ilha ocidental, nada tem com o produto oriental. Conclui que natural é proceda
o nome do celta, e há quem o decomponha braza, grande, i: em todo o caso
Brasil, ilha, aparece sempre no Atlântico e sempre a W de terras primitivamente
habitadas por Celtas. Os índios chamavam à planta arabutan ou ibirapitanga”
(Peixoto, op. cit., p.43).
Na
contramão da história oficial, muitos pesquisadores acreditam que o nome não só
teria relação com a Ilha Brasil, como também à mitologia irlandesa; não apenas
porque nas cartas a ilha estava próxima à costa da Irlanda, mas porque o nome
“brasil” e variações é muito comum no léxico da língua irlandesa. É o caso de
Capistrano de Abreu, historiador muito criticado pelo sociólogo Gilberto
Freyre, por atribuir à formação social do Brasil uma origem ariana, em
detrimento das importantes influências semíticas (judeus, cristãos-novos,
marranos e mouros), africanas (diversas etnias) e ameríndias (idem).
Entre
as pesquisas recentes neste sentido, descartando, porém, o aspecto etnológico
de viés racista, encontra-se o livro de Geraldo Cantarino (leitura obrigatória
para quem se interessa pelo tema).
Em
uma das passagens mais notáveis de seu livro “Uma Ilha Chamada Brasil: o
Paraíso Irlandês no Passado Brasileiro”, Cantarino narra um acontecimento
pessoal bastante singular, embora surpreendente, durante uma estadia na
Irlanda, quando consultou, a título de curiosidade, uma lista telefônica:
“Mitchell
[Angus, Introdução de Irish origins of Brazil, de Roger Casement] segue
informando que a palavra Brazil como sobrenome é muito comum tanto na Irlanda
como em Portugal, além de dar nome a ruas e lugarejos. Aproveitei que estava na
Irlanda, resolvi consultar a lista telefônica e me surpreendi com o resultado.
Numa rápida olhada, encontrei os seguintes sobrenomes: Brassil Brassill,
Brazil, Brazill, Brazzill. Mitchel diz ainda que a palavra Brazil e suas muitas
variações podem ser encontradas, facilmente, em antigos manuscritos irlandeses.
Breasail, por exemplo, é o nome de um semideus pagão” (CANTARINO, Geraldo, “Uma
Ilha Chamada Brasil: o Paraiso Irlandes no Passado Brasileiro”, Ed. Mauad,
2004, p. 33).
Noutra
passagem bastante significativa, sobre anedotas históricas, lendas e mitologia
irlandesa, Geraldo Cantarino, apoiando-se em outros estudiosos, defende a ideia
de que a ilha Brasil seria uma versão celta da Atlântida platônica. Para
justificar esta tese, Cantarino enumera relações entre a palavra brasil e
personagens da cultura irlandesa, como um rei chamado Bresal; um missionário
cristão, Breasal; um feiticeiro druída, Bresil ou Bresal; e o santo Bressalius
de Durthach, ou Saint Bressal.
Em
seu artigo sobre como a ideologia constituiu uma imagem do país Brasil
concernente às utopias paradisíacas, a filósofa Imaculada Kangussu também toca
na questão do mito irlandês:
“O
nome ‘Brasil’ pode ter tido origem no gaélico Breasil (nome de um antigo deus
pagão), e, nessa língua, ambas as sílabas, Breas e ail, denotam forte
admiração. ‘Ambas possuem significados altamente laudatórios, de modo que
‘breas-si’l poderia ser traduzido como ‘soberbamente fino’ (superbly fine),
‘grandioso e maravilhoso’ (grand and wonderful) ou ‘o mais dos mais excelentes’
(the most of the greatest)’ (RAMSAY, R. H., “No Longer on the Map. Discovering
places that never were”, Nova York: Viking Press, 1986, p. 86). Breasil
tornou-se conhecido na forma mítica como Hi Brazil, O’Breasil ou alguma
variante de um dos dois. Ambos os prefixos – Hi e O – realçam o elemento
lendário, por serem formas da palavra gaélica que significa ‘ancestrais’”
(KANGUSSU, Imaculada, “O Brasil e as utopias”, Trama Interdisciplinar, São
Paulo, v. 5, n. 2, p. 22-37, ago. 2014).
Mas,
para essa hipótese ter um mínimo de razoabilidade, seria necessário encontrar
um fio condutor que ligasse Irlanda e Portugal. E esse fio condutor existe.
Para
seguirmos este fio de ponta a ponta, será necessário recuar a um tempo anterior
às Colunas de Hércules.
De
acordo com as pesquisas embasadas em farto material etno-arqueológico de Andrés
Pena Graña e Alfredo Erias Martínez, o riquíssimo universo mitológico grego
compôs-se, em um tempo difícil de precisar, de influências culturais estranhas
à cultura helênica, notadamente, o panteão céltico. Os pesquisadores atentam
para o fato de que, ainda na pré-história, povos de todas as partes da Europa e
além peregrinavam em direção ao Ocidente rumo a um santuário localizado no
extremo do continente europeu, um cabo ainda hoje chamado de Finisterra (na
Galícia, a 100 km de Santiago de Compostela). O mais longínquo pedaço de terra
do continente: o fim do mundo.
Este
caminho que, no medievo cristão tornou-se o Caminho de Santiago, coincidia com
o percurso, no qual, durante o dia, ia do nascer do Sol até o poente e, à
noite, seguia a estrada celeste de estrelas luminosas, chamada pelos romanos de
Via Láctea, conduzia ao fim do mundo – o Fisterra, na língua galega.
“A
grande atração da Galícia para os povos antigos da Europa e do Mediterrâneo não
se devia apenas à fama de seus metais (ouro, estanho...), que era muito
importante, mas a uma crença arraigada no mais fundo dos sentimentos da velha
Europa. A nossa Gallaecia (a forma Gallaike presente já no séc. V a. C., na
obra de Heródoto e um poeta médico do séc. IV a. C - López Férez - é muito mais
antiga do que a forma Kallaike) era o fim do mundo, o Finis Terrae, onde morria
o sol e onde a antiga Geografia Sagrada situava a porta do Paraíso. E as Águas
Santas das praias de nossos Finisterre atlânticos, chamadas ainda na Idade
Média ‘arenas Paradisi’, abrigavam as portas benditas onde embarcavam as almas
dos europeus no psicopompo Navio para a ilha maravilhosa dos Bem Aventurados”
(GRAÑA, A. P. & MARTÍNEZ, A. E., “O ancestral Camiño de perigrinación ó Fin
do Mundo: na procura do deus do alén,
Briareu/Berobreo/Breogán/Hércules/Santiago...”, Anuario Brigantino, 2006, no.
29, p.23).
Foi
esse o caminho trilhado por Hércules quando dos doze trabalhos, uma referência
às doze estações do ano. Mas, em tempos ainda mais remotos, as “Colunas de
Hércules” ainda não recebiam esse nome. Chamavam-se “Colunas de Briareu”,
correspondendo a uma divindade atlântica – Briareu – que foi incorporada à
mitologia grega sob a figura de um gigante de cem braços e cinquenta cabeças, o
guardião do tártaro. De fato, nas crenças antigas, os Campos Elísios
localizavam-se numa ilha do Atlântico ou no extremo ocidente e, na mitologia
céltica, Briareu era o barqueiro e o hospedeiro do Paraíso.
“Claramente,
o ancestral caminho de peregrinação aos Finisterre galaicos, ou seja, o fim do
Mundo, foi para os antigos, a viagem ao local onde morre o Sol e se embarca
para as Ilhas dos Bem-aventurados, a viagem depois do rastro solar que um dia
teriam de fazer suas almas. O Caminho de Briareo / Berobreo / Breogán /
Hércules ... do passado pagão não se perdeu no tempo e continuou no mundo
cristão com o Caminho de Santiago, um santo que, ligado à Via Láctea, cumpre
também as funções de um antigo deus solar” (Granã & Martínez, op. cit., p.
15).
Ainda
segundo Granã e Martínez, há evidências arqueológicas, linguísticas e
arqueológicas para ligar Briareu à outra divindade, Berobreu, sendo que ambos
estariam ainda na base da criação do lendário Breogão (ou Breogán).
Breogão
é um personagem mítico ou real compartilhado tanto por tradições galegas como
irlandesas. É irmão de Mile Espáine e aparece em um dos capítulos do Lebor
Gabála Érenn, o livro das invasões da Irlanda:
Reza
a lenda que o soldado Míle Espáine teria saído do Egito para conquistar a
Irlanda. Numa das batalhas foi morto na península ibérica. Então, Breógão
assumiu o trono e o reinado do povo Milesiano. Um de seus feitos foi o de
mandar construir uma torre – Torre de Breogão ou Torre de Hércules – na região
de Trás-os-Montes, na província de Bragança, Portugal. Do alto da torre, um de
seus filhos, Ith, avistou a verdejante costa da Irlanda, mas ao tentar
colonizá-la foi morto pelos habitantes da ilha, o povo semidivino Tuatha Dé
Danann. Seu irmão Mil partiu em vingança e, após vencer os Tuatha Dé Danann,
deu início à colonização céltica da Irlanda.
Alguns
sites na internet remetem Breogão ao mago druída Bresal. Em um site encontrei a
seguinte suposição etimológica:
“Etimologicamente,
Breasal vem do celta brestelo ou brusio ‘luta, batalha’ (Proto-Indoeuropeu
*bhreiH, ‘quebrar’) +*ual-os "chefe", de onde se derivaria
*Brisso-ualos, Bressual (arcaico) e Breasal "chefe dos guerreiros".
(Infelizmente não há registro da fonte).
Outros
inferem o radical “breas” de “bless” (abençoar) e daí Ilhas Abençoadas.
Com
relação aos nomes Breogão e Bresal, nada se pode concluir. No entanto, tal
correlação entre “breas” e “bless”, ao que tudo indica, não é correta. O mais
plausível é remeter o radical “brea” (céltico: forte, poder, força) ao irlandês
“bria”, do proto-britânico *brigonos (“alto, nobre”) – daí o nome Bryan. Tal
inferência vem de encontro ao artigo de Graña e Martínez, ao qual os autores
asseveram que o radical “bero” seria formado de *uperos, e daí a raiz *bri,
genitivo breg e acusativo brig, tendo como paralelo em outras línguas
indo-europeias burg, burgo, berg etc., expressando a ideia de alto, forte,
fortaleza. Quanto ao “breo”, os autores traduzem por casa.
Lembrando
ainda que uma etimologia possível e provável para Portugal é “porto +
gallaeci”. Também “bri” é o radical de Bragança; Briteiros (Citânia de),
capital dos Callaeci Bracari (Braga); e, talvez, Britannia; brigantes (povo
celta do norte da Inglaterra); etc.
Tomamos
a liberdade de supor a forma verbal nominativa breo de breoite ao
médio-irlandês breóïd, que significa “queimar”.
Esta
última e arriscada inferência, permite-nos chegar às Colunas de Hércules do
nosso texto. A partir daqui, entraremos em um oceano especulativo de águas
turbulentas e perigosas.
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Com
base em nas fontes consultadas, testaremos hipóteses etimológicas para
encontrar um paralelo entre as palavras brasil (vermelho) e bresil (do mito
irlandês).
Sua
origem seria muito remota e seria referente a um corante vermelho derivado do
óxido de estanho, também chamado de cinábrio, que teria origem céltica e
ibérica.
“O
comercio desse corante seria realizado entre fenícios e povos celtas ainda no
século VI a.C. Os gregos denominavam esse corante de kínnabar, kinnábari,
formado pela raiz kínn (metálico, rubro), sufíxo na (qualidade) e preposição
bar (sobre). No latim, cinnabar. Na sintática céltica, sendo comum a próclise,
isto é, a partícula bar é posposta ao radical, o termo corresponde a barcino,
brakino, breazail, que significa vermelho” ( D’AZEVEDO, Adelino José da Silva,
Este nome: Brasil [1967], in CANTARINO, “Uma Ilha Chamada Brasil: o Paraíso
Irlandês no Passado Brasileiro”).
Os
celtas eram um conjunto de tribos originárias do norte dos Alpes de um mesmo
tronco linguístico que se espalhou, a partir do século IV a.C., por toda a
Europa ocidental e oriental, ocupando grandes extensões. O nome de algumas
tribos ainda hoje são bastante familiares: gauleses, bretões, escotos
(Escócia), belgas, galegos, batavos, gálatas, caledônios, rutenos, brácaros
(Braga) etc.
É
bem provável que a palavra Barcelona provenha da mesma raiz. Do ibérico
“Barkeno”, a palavra encontra correspondência no grego Βαρκινών (Barkinṓn –
pronuncia-se varkínon, varcínon) e o latim barcino, barceno (pronuncia-se barkino,
barkeno). No português, varzino ou brasino, relativos à cor avermelhada em
animais. Este vocábulo corresponderia a birczi, verczi, virzi, virz´idda, biz´
z´idda, virz'ilu e, enfim, brezil, brasil, kerka brisilli, braxile, citados por
Machado, e ainda ao vernáculo birço etc.
Novamente,
Plínio, o Velho, relata:
“In
ora autem colonia Barcino cognomine Faventia, oppida civium Romanorum Baetulo,
Iluro, flumen Arnum, Blandae, flumen Alba, Emporiae, geminum hoc veterum
incolarum et Graecorum, qui Phocaeensium fuere suboles, flumen Ticer” (Plínio,
o Velho, Naturalis Historia).
Tradução:
Na orla da colônia de Barcino, denominada Faventia, as cidades romanas de
Badalona e Iluro, o rio Arno, a cidade de Blandae, o rio Alba, os dois Empórios
(“Emporion”, porto, mercado) dos antigos habitantes e um empório dos gregos,
descendentes dos focianos (relativo à Focéia), o rio Ticer.
A
cidade de Barcelona teria sido fundada por Augusto no ano 10 a.C. Porém, moedas
datadas do século III a.C. e cunhadas tal qual o dracma grego, registram
Barkeno em caracteres ibéricos. Há apenas duas cópias conhecidas dos dracmas de
Barkeno, uma desaparecida e a outra mantida no Museu de Copenhague, na
Dinamarca. É uma moeda de prata, imitação do dracma grego, como o Emporion
dracma. No verso, há uma cabeça feminina e no anverso, o cavalo alado Pégaso e
o registro Barkeno.
Seria
necessário então descobrir se há alguma relação etimológica da palavra gaélica
irlandesa breazáil com o cinábrio.
A
palavra portuguesa “brasil” (ou “brazil”), de brasa + sufixo il (assim como
covil, varonil, pueril etc.), tem sua origem etimológica remontada ao
proto-indo-europeu *bʰres- (ruptura, explosão), bem como seus familiares, o
francês “braise” (cinzas), do antigo francês “breze” (brasa), o alemão
“bersten”, do proto-germânico *brasō (carvão crepitando) e *brestaną, do inglês
“burst”, do irlandês “bris” etc.
E,
talvez, do proto-indo-europeu *bʰreg- (“quebrar”), como no inglês “to break” e
no português “brigar”. (*)
Daí
o médio inglês bras, bres, do inglês antigo bræs ("latão, bronze"),
de origem incerta. Talvez uma formação do proto-germânico de *brasnaz
("bronze"), ou relacionado com *brasó ("fogo, pira").
Compare o antigo nórdico e islandês bras ("solda"), islandês brasa
("para endurecer no fogo"), o sueco brasa ("chama"),
dinamarquês brase ("fritar"); francês braser ("soldar";
inglês braise) da mesma raiz germânica. Compare o holandês médio braspenninc
("uma moeda de prata", literalmente, "silver-penny";
holandês “braspenning”), o antigo frísio bress ("cobre"), o médio
baixo alemão bras ("metal, minério"). (*)
(*)
Fonte: Wiktionary.
O
que há em comum é associação com o fogo, metal, ferreiro (por extensão) e, por
conseguinte, o vermelho (metal aquecido, derretido). Contudo, como vimos, a
versão de Adelino D’Azevedo estabelece o radical kínn em cinábrio e não bras-.
Brasa,
aliás, é uma das poucas palavras do português que não possui uma origem latina,
sendo atribuída a raiz germânica. O que é, no meu entendimento, uma lacuna,
haja vista que tanto o latim como o grego são línguas indo-europeias.
Ao
consultar um dicionário de etimologia virtual, encontrei do inglês “cinnabar” o
seguinte verbete:
Cinnabar
(n) 15c., "vermelho ou a forma cristalina do sulfureto de mercúrio,"
também aplicado a outros minérios de mercúrio, inicialmente com referência à
sua utilização como um pigmento; de cinabre, do velho francês (13c.), a partir
Cinnabaris do latim tardio, a partir kinnabari grega, de origem oriental (compare
zanjifrah persa no mesmo sentido). Também é usado 14c.-17c. como suco resinoso
vermelho de uma certa árvore Oriental, que se acreditava ser uma mistura de
sangue de dragão e elefante (Online Etymology Dictionary, © 2010 Douglas
Harper).
Aqui
as coisas começam a não fazer sentido, pois a língua persa é também uma língua
indo-europeia. A raiz de cinábrio deveria estar em outro tronco linguístico.
Consultei
então um dicionário grego relativo aos textos bíblicos e o resultado foi
surpreendente. Transcrevo os verbetes:
Κιννάμωμον
- kinn-am’-o-mon; de origem estrangeira [compare do hebreu qinnamown];
cinnamon: canela.
קִנָּמוֹן
(knmon) [casca perfumada usada como tempero] Ex. 30:23; cinnamon, Grego
κίνναμον, κιννάμωμον, de acordo com Heródoto iii, 111, uma palavra de origem
fenícia, Pro. 7:17, Cant. 4:14 (A origem é duvidosa. Parece, entretanto, mais
simples supor a raiz, קִכה, de onde קִנָּם = קִכה cálamo, קִנָּמוֹן cana. [Esta
derivação é expressamente rejeitada em Thes.] Outros tomam-na de outra forma.
Portanto,
sua origem seria semítica, como atesta uma lista de palavras inglesas de origem
semita:
Cinnamon,
forma grega κιννάμωμον kinnamonon (MW), de origem semita, semelhante ao
hebraico קִנָּמוֹן qinnamon 'casca aromática "(AHD).
Curiosamente,
a preposição posposta, demarcando a próclise, é de origem semítica, o que
poderia levantar uma polêmica sobre uma possível origem semita do povo ibero.
Todavia,
não há consenso sobre a origem dos iberos. Algumas teorias apontam a Europa
Ocidental. Outras, a povoados semelhantes aos da Escócia. Uma terceira, que
teriam vindo do norte da África, durante o século VI a.C., e absorvidos pelos
celtas no século I a.C.
(Não
deixa de ser curiosa a semelhança linguística entre os termos hebreu – ivrit –
ibrit: hebraico; ebreu [antigo português], de eber, éver - e ibero).
Seja
como for, qualquer uma das hipóteses sobre as origens dos iberos não muda o
fato de que os povos mediterrânicos estabeleceram intenso intercâmbio comercial
com os fenícios, aos quais, inclusive, fundaram muitas colônias na costa
continental do mar mediterrâneo, como Cartago e Cadiz.
Vejam
alguns exemplos do uso da preposição bar, “de” ou “filho de”:
Bar-ab-bas’,
de origem caldeia, filho de Abba; Bar-abbas, no israelita: Barabbas.
Barihsou~v,
bar-ee-ay-sooce’; de origem caldeia [hebraico {1247} (bar) e hebraico {3091}
(Yehowshuwa`)]; filho de Jesus (ou Joshua); Bar-jesus, no israelita: Barjesus.
No
grego não existe a preposição “bar”. A palavra kínnabar ou, a sua forma
construída hipoteticamente, “bar-kínn-na”, se de fato neste caso a partícula
bar seja realmente uma preposição, a composição da palavra teria influência
semítica e não o inverso.
Para
justificar a influência da cultura fenícia no continente europeu e, assim,
defender a ideia de que a Ilha Brasil teria alguma ligação com os fenícios,
Cantarino faz um longa digressão sobre o livro “Before Colombus”, do estudioso
de línguas e culturas antigas Cyrus Gordon. Destaco em especial esta passagem:
Gordon
cita outros exemplos para ilustrar a ideia, como Ibiza, a ilha espanhola do mar
mediterrâneo, que teria origem no fenício ‘Î bes’, A ilha de Bes; um antigo
nome para a ilha da Sardenha, a oeste da Itália, ‘Î Nesîn’, a Ilha dos Falcões;
e de acordo com o estudioso Joseph M. Sola-Solé, Hispania seria de derivação
semítica e talvez represente a palavra fenícia Hi-Span, A Ilha do Coelho. ‘De
qualquer maneira’, continua Gordon, o antigo nome irlandês desta terra – ou da
terra – no oeste, era Hy-Brasil, que na língua semítica do noroeste [do Oriente
Médio] significa ‘Î BRZL, A Ilha de Ferro’” (CANTARINO, obra citada, p. 88).
E
esta:
Para
completar, o professor Gordon diz que a palavra para ferro na maioria das
línguas semíticas, sem contar com o árabe, é barzel, como aparece, por exemplo,
em hebraico” (Idem, p. 89).
Vejamos:
Ferrum
(latim) é uma palavra adotada de uma outra língua, neste caso, de origem
desconhecida. De acordo com de Vaan Michiel (Etymological Dictionary of Latin
and the other Italic Languages (Leiden Indo-European Etymological Dictionary
Series; 7), Leiden, Boston: 2008), possivelmente a partir de um dialeto
fenício: compare a fenícia BRZL (Barzel) e o siríaco clássico ܦܪܙܠܐ
(parzlā, o "ferro"). A palavra poderia ter entrado no léxico latino
por via etrusca.
No
hebraico (lê-se de traz para frente):
בַּרְזֶל
(Brzl) - compare com o acadiano (partzilla), siríaco clássico ܦܪܙܠܐ,
ugarítico (brḏl) e fenício (Brzl).
Observação:
as línguas semíticas não possuem vogais.
A
questão que emerge é se a palavra brasa é realmente de origem indo-europeia. O
proto-indo-europeu é uma língua reconstituída artificialmente pela linguística
histórica e comparada, através das línguas modernas e registros antigos de
línguas antigas. Portanto, supõe uma língua hipotética que seria comum aos
ancestrais dos povos conhecidos genericamente por indo-europeus, denominados
também arianos. Não há registro material dessa língua, porque, na época em que
se deduz sua existência, ainda não havia sido introduzida a escrita entre os
arianos. O alfabeto só chega entre os europeus, via comércio com os fenícios,
em torno de 900 a.C. Se a resposta à pergunta se a palavra brasa é de origem
indo-europeia for negativa, então a palavra brasa e todas as suas variantes nas
línguas europeias seriam de origem semítica, e não seria absurdo acarretá-la a
um único rastro até chegar à palavra “brasil”.
Conclusão:
Formularei
três hipóteses, uma realista, outra possível e a terceira teológica:
1.
Esta hipótese já foi esboçada acima. Quando Angelino Dulcert confeccionou sua
carta, ele estava familiarizado com a prática comercial nas cidades italianas
e, portanto, conhecia bem o produto denominado brazil. Provavelmente, a
matéria-prima do corante já estava sendo explorada nas Ilhas Canárias, em
princípios do século XIV. Contudo, Angelino não possuía informações sobre a
localização exata do arquipélago, deduzindo, através das viagens de São
Brandão, que esta devia ficar na costa da Irlanda.
2.
A palavra brasil, de lavra semítica (barzel), deu origem tanto aos radicais
indo-europeus bri (alto, força) e bras (explosão, fogo, ferro e vermelho),
durante o intercâmbio entre povos celtas, fenícios e cartagineses. Lembrando
ainda que foram os celtas que deram início à idade do ferro na Europa e que,
talvez, também seriam os temíveis “povos do mar” que invadiram o Egito.
Angelino então representou a Ilha Brasil em consonância às reminiscentes
tradições célticas.
3.
Durante a diáspora dos filhos de Israel, quando o povo hebreu fugiu do Egito,
um grupo se dispersou em direção a Sefarad, no Ocidente, em busca da Terra
Prometida. Primeiro, as tribos se estabeleceram na Ibéria caucasiana (província
da atual Geórgia); depois, seguiram até a península ibérica, sendo assimilados pelos
celtas, tornando-se os celtiberos. Séculos depois, um dês seus descendentes,
São Brandão, finalmente encontrou o Paraíso, até hoje perdido.