sexta-feira, 17 de maio de 2019

Riot Grrrl: a revolução das meninas

Riot Grrrl é um movimento formado principalmente por mulheres brancas identificadas com a cultura punk-feminista e anarquista. [Falaremos em outro artigo do problema da não identificação dos punks e anarquistas com a questão do negro]. Este grupo surgiu em Washington, EUA, no início dos anos 90. O termo Riot Grrrl provavelmente remete as integrantes da banda feminista punk Bratmobile, Allison Wolfe e Molly Neuman, que cunharam a expressão “girl riot”, ou seja, garotas amotinadas. O uso de “grrrl”, ao invés de “girl”, foi um recurso utilizado pelo movimento para desassociar a conotação passiva da palavra “girl”, bem como para mostrar a raiva que o movimento inspirava através de uma onomatopeia que referenciava a uma espécie de rugido ou rosnado. Devido às raízes punks das mulheres fundadoras do movimento e do protesto violento de suas reivindicações, o movimento Riot Grrrl apareceu sob uma perspectiva nova, muito mais radical do que outros grupos feministas.

Garota riot grrrl nervosa

Assim, o movimento Riot Grrrl encorajou as garotas a se envolverem cada vez mais na cena punk até então dominada pelos homens. Na década de 1970, as mulheres geralmente só eram consideradas “punk” pelo fato de serem “as namoradinhas” de algum figurão do movimento. Por isso, as meninas atuavam na cena enquanto meras coadjuvantes. Com o advento do “hardcore punk”, no início dos anos 80, a hegemonia masculina se consolidou ainda mais e a pouca influência das mulheres desapareceu de todo.

Todavia, elas não aceitaram esse papel secundário e começaram a criar suas próprias revistas, fanzines ou “zines”, para compartilhar suas ideias, contagiando outras meninas a se levantarem contra o status quo masculino do punk. A crescente conscientização levou à criação de sucessivas reuniões do movimento Riot Grrrl, que tomaram vulto nacional e, depois, espalhando-se para todo o mundo.
 Mídia

A mídia descobriu o movimento Riot Grrrl através de zines e das bandas. A grande repercussão na imprensa, no entanto, causou confusão na opinião pública. Os tabloides começaram a noticiar o movimento como uma “subcultura perigosa de jovens feministas extremamente revoltadas”. O tom dessas reportagens levou a uma associação da Riot Grrrl com uma gangue de garotas muito violentas, que aterrorizavam os homens através de um discurso de ódio de gênero. Essas acusações falsas da imprensa levaram a opinião pública a questionar a legitimidade do movimento Riot Grrrl e o tipo de cultura que estava fomentando no meio feminino juvenil. Assim, inúmeras pessoas ficaram preocupadas com o movimento Riot Grrrl e acreditaram que de fato as meninas envolvidas promoviam mensagens negativas e perturbadoras da ordem social vigente. Claro, a mídia de massa contribuiu intensamente para sugestionar ideias ameaçadoras em torno do movimento, instigando através de informações falsas o medo na sociedade.

Neste sentido, juntamente com o aumento da popularidade das Riot Grrrls vieram também as críticas da grande imprensa. Uma revista de música inglesa, a Melody Maker, declarou: “A melhor coisa que qualquer Riot Grrrl poderia fazer é ir para casa e ler um pouco, evidentemente, não um mísero fanzine sujo”. Essa foi apenas uma das muitas críticas que o movimento teve que enfrentar. Kim France, editor fundador da Lucky, escreveu em 1993: “Elas não fazem outra coisa senão rabiscar “vagabunda” e “estupradores” nas costas antes dos shows, escrever fanzines com títulos como “Garotas Delinquentes”, além de odiar toda liberdade de expressão”. As fundadoras da Riot Grrrl responderam ao conteúdo destas matérias jornalísticas com várias entrevistas, esclarecendo o ideário do movimento e explicando a importância de criar uma conscientização para as mulheres sobre assuntos como machismo e sexismo, que nunca eram discutidos na mídia convencional. Neste sentido, a banda Bikini Kill costumava repassar o microfone para as garotas que iam aos shows para que estas pudessem compartilhar suas histórias de abuso sexual e violência contra a mulher.

Além das críticas preconceituosas que a Riot Grrrl sofreram no início, os repórteres sempre colocavam em dúvida a reputação das meninas do movimento. Um exemplo rasteiro deste tipo de difamação foi a publicação de uma matéria no Washington Post sobre a banda Bikini Kill. Este importante jornal, de grande circulação nos EUA, veiculou em suas páginas uma história mentirosa a respeito da vocalista da banda, Kathleen Hanna, afirmando que ela era estuprada por seu pai durante a infância.
Mulher trabalhando com uma foice

Música

A música foi a base do movimento, que reunia as militantes num ideal comum. Uma variedade de bandas femininas surgiu e, através da música, expressavam seu ódio ao patriarcado e mesmo ao racismo. Muitas letras tocavam abertamente em temas que eram considerados tabus para o mainstream, como estupro, incesto e transtornos alimentares. Através dessas canções, as meninas percebiam como seus problemas pessoais se encaixavam em questões políticas mais amplas. Por causa dos laços de solidariedade firmados através da música e dos zines, muitas garotas tomaram coragem e passaram a escrever cartas às bandas Riot Grrrl, afirmando como as letras afetavam decisivamente suas vidas, tais como distúrbios alimentares, relações heterossexuais e homossexuais e o padrão de como a sociedade julga uma mulher dita “perfeita”.


quinta-feira, 2 de maio de 2019

Transitividade verbal pela abordagem funcionalista


O presente texto discute a transitividade dos verbos – notadamente os verbos transitivos diretos – tanto do ponto de vista semântico como de sua organização estrutural na oração (sintaxe) e, sob este contexto, suas implicações na sala de aula, tendo por pressuposto e fundamento teórico a linguística cognitivo-funcional. Para isso, foram analisados quarto narrativas faladas e escritas extraídas do Corpus Discurso & Gramática: a língua falada e escrita na cidade de Natal (FURTADO DA CUNHA, 1998).

É importante salientar que a linguística cognitivo-funcional além de se deter sobre gêneros do discurso abrange também a questão da pragmática dos discursos, portanto, do uso de que se faz da língua, principalmente, ao nível da fala, que é muito distinta da norma prescritiva convencionada pela gramática tradicional e centrada na escrita. Isto quer dizer que a fala é muito mais “anárquica” e distante do modelo prototípico estabelecido, como, por exemplo, no caso dos verbos transitivos diretos, estruturado em sujeito + verbo + objeto direto.

Para a abordagem funcionalista, o gênero discursivo em questão depende do contexto discursivo-pragmático, isto é, de sua funcionalidade no discurso em diferentes ocasiões, situações e ambientes, nível cultural dos falantes etc., pela qual se infere positiva ou negativamente a transitividade de um verbo.

Na gramática tradicional a transitividade é uma propriedade de um verbo e daí os elementos da oração coocorrem. Já para a linguística funcional, especificamente a de matriz norte-americana, de autores como Givón, Bybee, Hopper, Thompson e Chafe, a transitividade é uma propriedade contínua de toda a oração, ou seja, das várias relações entre o verbo e seus argumentos que especificam sua transferência conforme suas particularidades em toda oração. Disso resulta que dez parâmetros sintáticos podem ser inferidos: quantidade dos participantes; cinese; aspecto (perfectivo ou não perfectivo); pontualidade do verbo; intencionalidade; agentividade do sujeito; polaridade (afirmativa ou negativa); modalidade da oração (modo realis ou irrealis); ao afetamento; e a individuação do objeto.

Tendo-se em vista esses parâmetros, os autores do artigo retomam a questão anteriormente sugerida, das relações sintático-semânticas da oração, e desdobram os aspectos sintático e semântico da transitividade. Neste sentido, do ponto de vista sintático, a transitividade apresenta dois argumentos do verbo: o sujeito (S), que é o agente de uma determinada ação, e o objeto direto (OD), que é paciente, ou seja, afetado pela ação do sujeito. Semanticamente, a transitividade prototípica é definida pelas propriedades do agente, do paciente e do verbo na oração. Deste modo, a transitividade exige um argumento que completa o verbo caracterizando-a. Caso contrário, quando o verbo carrega um sentido autossuficiente, ocorre o evento intransitivo.

Tal definição prototípica é posta em cheque na manifestação discursiva quando elementos pragmáticos, não expressos no discurso, alteram significativamente a estrutura sintática e semântica da transitividade.

Na oração, o verbo (predicativo) é tomado como elemento fundamental e pode ser acompanhado de um elemento nominal. Assim, os verbos podem assumir um caráter prototípico quando realizam ações de um agente ou fugir do padrão quando o sujeito não cumpre o papel de agente.

Após este aprofundamento teórico da função semântica e sintática do evento transitivo, os autores analisam variações em alguns dados quantitativos de ocorrência da estrutura argumental dos verbos transitivos, levando-se em conta a) os verbos transitivos acompanhados de objeto direto nominal ou oracional, b) o objeto direto implícito no texto e c) os verbos de ação-processo acompanhados de objeto indireto ou direto. Dos resultados obtidos, os autores comprovam que nem sempre há uma correspondência entre estrutura argumental semântica e sintática, observando-se também uma maior maleabilidade na valência dos elementos distintos de uma oração que podem aumentar ou diminuir de status conforme os motivos discursivo-pragmáticos e/ou cognitivos.

Através dos dados também se efetuou uma classificação dos verbos em quatro categorias – ação, processo, ação-processo e estado – e verificou, quantitativamente, a maior ou menor ocorrência das respectivas ocorrências.

Importa salientar aqui que, tanto na fala como na escrita, nos verbos, de uso mais frequente, no caso daqueles de ação-processo, não houve um afastamento do ponto de vista semântico tampouco sintático da estrutura transitiva prototípica. O mesmo evento não ocorreu em relação às categorias de verbos de ação, de processo e de estado, que se desviaram da estrutura transitiva prototípica S + V + OD.

Segundo os funcionalistas, isso se explica porque o padrão gramatical pode também ser explicado pela estrutura discursiva. Neste caso, “os verbos são armazenados no léxico com molduras (frames) que determinam quais argumentos são obrigatórios ou opcionais”. Ou seja, as estruturas mais convencionais fornecem molduras que serão alicerces de outras construções por onde o falante escolhe os elementos que serão maximizados ou rebaixados.

Em seguida, os autores formulam uma proposta didática para o ensino fundamental e médio e analisam pormenorizadamente uma narrativa recontada nos termos conceituais expostos acima, visando tornar o ensino de gramática mais compreensível.

Em suma, os estudos da Linguística Cognitivo-Funcional têm demonstrado que a língua natural é muita mais organizada num fluxo continuun do que numa estrutura rígida de fronteiras bem demarcadas. Tal contribuição pode ser muito relevante para o aprendizado no ensino médio da gramática da língua portuguesa e de suas idiossincrasias do português brasileiro (PB).

FURTADO DA CUNHA, M. A. & BISPO, E. B. Relações sintático-semânticas da oração. In: Roza Palomanes; Angela Marina Bravin. (Org.). Práticas de ensino do português. 1ed.São Paulo: Contexto, 2012.