sexta-feira, 1 de outubro de 2021

Tragédia: Medeia de Eurípedes (Parte 3)

Há poucos dados biográficos seguros sobre Eurípedes; sua figura transmitida na Antiguidade constituía, sobretudo, a partir de sua representação em Aristófanes, sem se levar em conta o jogo próprio da comédia, como se veria quando da discussão de As Tesmoforiantes. A partir do Romantismo, foi construída uma tese de uma progressiva racionalização que foi de Ésquilo a Eurípedes, e que teve seu auge com Nietzsche: a decadência do gênero trágico. (Ler também: O nascimento da tragédia - Nietzsche). 

Medeia, Eurípedes

Entre 455 e 405, as peças de Eurípedes entraram em competição vinte e duas vezes. Saíram-se vencedoras por quatro vezes (Sófocles ganhou dezoito). Medeia é de 431 e pertence a uma tetralogia que ficou em terceiro lugar. Embora tenha recebido o primeiro prêmio poucas vezes ao longo de sua vida, não há dúvida de que Eurípedes foi um tragediógrafo de grande importância.

Eurípedes passou seus últimos anos na Macedônia na corte do Rei Arcesilau junto com vários artistas atenienses, o que indica não só o prestígio do próprio Eurípides mas também do gênero literário a que este esteve vinculado, cuja popularidade fora de Atenas só aumentou no século IV. Enquanto Ésquilo saía de moda e Sófocles mantinha seu prestígio, Eurípides passou a ser o mais festejado dentre eles. Daí a grande influência de Eurípedes sobre a Comédia Nova, no que diz respeito aos enredos e sabor retórico das falas das personagens.

Medeia: a história

A história da expedição dos Argonautas é no mínimo tão antiga quanto à tradição oral que deu origem à Ilíada e Odisseia. Na tradição oral dos mitos heroicos, as histórias contadas não tinham uma única forma fixa, mas multiformes, ou seja, possuíam uma estrutura que podia ser preenchida por diversas formas narrativas, sendo que a variação era ocasionada por diferentes fatores, sendo o uso pouco difundido da escrita, pelo menos até meados do século V, apenas um deles. As variações, porém, tinham um certo limite: não era possível uma versão da guerra de Tróia ou da viagem de retorno de Odisseu na qual Tróia não fosse conquistada pelos gregos ou o herói da Odisseia perecesse antes de chegar a Ítaca. Quanto ao público, os espectadores esperam que a história que vão ver e ouvir terá diferenças mais ou menos substanciais em relação as outras formas da mesma, via de regra, amplamente difundidas desde sua infância pelas mulheres da cidade - mãe, ama - e também por uma série de práticas sociais cotidianas que podiam representá-las pictoricamente não só nos frisos dos templos mas em uma profusão de objetos de cerâmica usados para os mais diversos fins.

Quanto à história de Jasão e Medeia, ela pode ser resumida da seguinte forma: Jasão, quando criança, foi educado pelo centauro Quíron, enquanto seu tio Pélias era rei de Iolco (nota-se que no período arcaico praticamente não existia mais monarquias na Grécia). Jasão chega à cidade para reclamar sua herança e é enviado até Cólquida (hoje Geórgia, no extremo leste do Mar Negro), terra governada por Aetes, para realizar uma missão impossível: roubar o Velo de Ouro. Jasão constrói um navio chamado Argo e reúne diversos dos melhores heróis de sua geração, entre eles, Peleu, Télamon, Orfeu e Héracles (este viria a abandonar a expedição antes de seu término). Para realizar suas façanhas, recebe ajuda dos deuses e da filha de Aetes, Medeia, que se apaixona por ele. Para convencer a moça, Jasão suplica, persuade e a seduz para obter ajuda, prometendo levá-la embora com ele e depois se casarem. Sem ajuda de Medeia, Jasão não teria conseguido realizar as provas de Aetes: subjugar o touro que cospe fogo, plantar sementes de dragão e derrotar os combatentes nascidos da terra. Medeia ajuda Jasão a conseguir o Velo de Ouro, guardado por uma serpente. Também mata o próprio irmão Apsirto. Em Hesíodo, Medeia é imortal e divina; mas mortal, em Eurípedes.

Ao chegar em Iolco, é com a ajuda de Medeia que o rei Pélias é assassinado; rei esse que depusera do trono o pai de Jasão, Aeson. Na ocasião, Medeia havia falsamente prometido ao rei Pélias torná-lo jovem para que este deixasse um descendente masculino. Morto o rei, o casal muda-se para Corinto, onde ambos são estrangeiros. Jasão, porém, logo abandona Medeia para se casar com a filha do rei de Corinto.

Sobre a trágica morte dos filhos de Medeia e Jasão, conhecemos estas versões:

a) Os coríntios matam os catorze filhos do casal, pois não queriam ser governados por uma feiticeira estrangeira (Jasão havia se tornado rei); como purgação, a cada ano, catorze jovens passavam uma temporada no templo de Hera Akraia;

b) Medeia mata Creonte e se refugia em Atenas, mas deixa os filhos, muito pequenos, em Corinto no templo de Hera. Eles são mortos pelos coríntios que, por sua vez, acusam-na de matá-los;

c) Os filhos morrem através de uma tentativa de torná-los imortais.

Quanto a Teseu, é uma espécie de herói nacional ateniense pelo menos desde o século IV. Seu pai Egeu casa-se com Medeia. O filho volta, incógnito, posteriormente. Medeia o reconhece antes do pai, tem medo, e tenta se livrar dele por duas vezes. Antes da segunda tentativa, o pai o reconhece e bane Medeia.

Fontes:

EASTERLING, P. E. (org.) The Cambridge companion to Greek tragedy. Cambridge: Cambridge University Press, 1997.

GOLDHILL, S. Amor, sexo & tragédia. Zahar: Rio de Janeiro, 2007.

MASTRONARDE, D. J. Euripedes: Medeia. Cambridge: Cambridge University Press, 2002.

MEDALHA, D. Tragédia grega: o mito em cena. Ateliê Editorial: São Paulo, 2003.

MOSSMAN, J. Euripedes: Medeia. Oxford: Aris&Philipps, 2011.

ROISMAN, H. M. (org.) The encyclopedia of Greek tragedy. Chichester: Wiley-Blackwell, 2014.

ROMILLY, J. A tragédia grega. Edições 70: Coimbra, 1999.

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quarta-feira, 15 de setembro de 2021

Ricky Nelson - Pioneiros do Rock'nRoll

Sensação adolescente nos EUA durante os anos 1950 e 1960, Ricky Nelson foi músico, cantor, compositor e ator. Pioneiro do country rock, influenciou artistas como Buffalo Springfield, Linda Ronstadt e The Eagles.

Ricky Nelson

Nasceu Eric Hilliard Nelson, de uma família de músicos, em Teaneck, New Jersey, no dia 8 de maio de 1940. Aos 8 anos de idade, iniciou sua carreira artística estreando o seriado humorístico de rádio e televisão “The Adventures of Ozzie and Harriet”. No episódio “Ricky the Drummer”, realizou uma performance como cantor ao dublar a música I'm Walkin, do astro do rock Fats Domino.

Na adolescência, tocou clarinete, bateria e também aprendeu os primeiros acordes de guitarra, tendo por influencia Carl Perkins e demais artistas de rockabilly.

Para tentar impressionar uma namorada, Ricky decidiu produzir um disco e, com a ajuda do pai, assinou contrato com uma gravadora. Em março de 1957, grava I'm Walkin, A Teenager's Romance e You're My One and Only Love.

Em 1957, lança seu primeiro single Be-Bop Baby e, depois, seu primeiro álbum “Ricky”, que alcançaria o primeiro lugar nas paradas de sucesso.

Entre 1958 e 1959, Ricky superou Elvis Presley, emplacando doze sucessos – um a mais que o rei do rock!

Em 1959, sua fama o levaria a estrear um papel no filme de faroeste “Rio Bravo”, ao lado de John Wayne e Dean Martin.

Em 1987, entrou no Rock and Roll Hall of Fame.

quarta-feira, 1 de setembro de 2021

Tragédia: Grande Dyonisia ou Urbana (Parte 2)

O festival era propriamente internacional, atraindo milhares de habitantes para a cidade durante uma semana, o que movimentava a economia da cidade. As despesas para um só dia das dionisíacas poderia ser estimado, atualmente, em vultosos milhões de dólares ou equivalente a 3% das receitas públicas anuais da cidade. Isso não mudou radicalmente no século IV, quando Atenas perdera seu império.

Quem financia é o khorêgos ("líder do coro"), através de um tipo de imposto (litourgeia) por meio da taxação sobre os mais ricos da cidade. Ele poderia oferecer sua casa ou alugar um ginásio para os ensaios do coro: a elite gastava muito para a sua própria honra.

Em agosto, o arconte epônimo (mandato de um ano) escolhia três khorêgoi para as tragédias, sendo o único critério sua riqueza (o 1 % da população); e também cinco khorêgoi para as comédias. Aos 23 anos, Péricles foi khorêgos da produção da tetralogia que inclui Persas de Ésquilo. Os três dramaturgos que competiriam durante seis meses eram atribuídos aos khorêgoi posto sorteio, assim como os auletas, o que indica seu prestígio e importância na performance.

Atores: no início apenas um (o próprio dramaturgo). Lembremos que o mesmo ator, por conta do uso de máscaras e figurinos, normalmente representava mais de um papel. Ésquilo introduziu o uso do segundo ator e Sófocles, do terceiro. Os protagonistas eram bem pagos.

Figurantes: os atores e o coro provavelmente não recebiam um script.

Coro: composto apenas por atenienses, geralmente homens jovens, que, durante o tempo dos ensaios, eram dispensados das atividades militares.

A cidade forneceu, em certas épocas, um "auxilio-teatro" (theorikôn) para auxiliar aqueles com menos recursos com as despesas relacionadas aos custos do ingresso. Alguns tinham assento livre por determinação de decreto. Para nós, do mundo contemporâneo, a cobrança de ingresso parece normal, mas, como se tratava de um evento religioso, o pagamento foi uma novidade no mundo grego.

Aspectos da performance:

Orkhêstra, "lugar da dança": espaço onde se representavam o coro e os atores. Duas entradas longas, laterais (paradoi - eisodoi) encontram-se nos lados esquerdo e direito. Atrás, uma construção que compõe um cenário (skênê) com uma grande porta que também podia ser usada para entrada e saída. No século V, é provável que a orquestra tenha sido quadrangular.

Aquilo que sabemos da tragédia grega vem, sobretudo, de dramas de tragediógrafos, dos quais temos mais ou menos 10% do que foi provavelmente composto. Houve muitas dezenas de outros em Atenas.

Semelhança entre tragédias/dramas satíricos e comédias estavam no uso de fantasias e máscaras, do coro, que dança, canta e é acompanhado por um auleta. Semelhanças são superficiais, na tragédia:

- cenário: geralmente um palácio (às vezes, templo, cabana, caverna);

- figurino: "rico";

- máscaras: mais naturais (diferença principal, gênero e idade);

- coro: doze membros, depois quinze (Sófocles);

- conteúdo: o passado heróico, a idade dos heróis, uma época em que homens e deuses estavam mais próximos e os homens eram mais poderosos que os do presente. Tempo passado e, geralmente, lugares distantes.

Pode se defender que a escala e o sucesso do investimento ateniense na tragédia teve um enorme impacto na diversidade genérica da cultura poética grega, colaborando para o declínio de muitas outras formas de gêneros.

Teatro, mito e democracia: segundo Vernant, o teatro olha para o passado mítico com olhos de cidadão. As instituições políticas não são exatamente as mesmas do público contemporâneo, mas a homólogas. O mundo do drama não é totalmente estranho. Os próprios espectadores podem fazer a conexão com o presente (alguns anacronismos; etiologias religiosas).

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terça-feira, 17 de agosto de 2021

Bo Diddley - Pioneiros do Rock'n'Roll

Ellas McDaniel ou, como viria a ser conhecido mundialmente, como um dos fundadores do rock'n'roll, “Bo Diddley”, nasceu em 30 de dezembro de 1928, numa pequena fazenda perto da cidade de McComb, Mississippi. Filho único de Ethel Wilson e Eugene Bates, foi, no entanto, adotado pela prima de sua mãe, Gussie McDaniel, com a qual passaria a conviver ao lado de seus irmãos de coração, Willis, Lucille e Freddie.

Em meados da década de 30, a família se muda para Chicago, onde o menino começa a ter aulas de música na Igreja Batista Missionária Ebenezer. Durante 12 anos estudou violino, chegando mesmo a compor dois concertos para o instrumento. Em 1940, ganhou de Natal de sua irmã Lucille o seu primeiro violão acústico. Foi nessa época que recebeu de seus colegas de escola o apelido de “Bo Diddley”.

Pouco depois, o rapaz formaria a sua primeira banda, o trio The Hipsters, que ficaria conhecido, por causa da rua onde morava, com o nome de The Langley Avenue Jive Cats. Após a formatura da escola, Bo Diddley trabalhou em diversos empregos de baixa remuneração, exercendo a função de motorista de caminhão, de peão de obra e até de lutador de boxe.

Em 1950, convida o percussionista Jerome Green e o gaitista Billy Boy Arnold para fazerem parte da banda. Depois de muitos anos de apresentações em bares de esquina e clubes da periferia de Chicago, Bo Diddley finalmente tem a chance de gravar uma demo com duas de suas canções: “Uncle John” e “I'm A Man”. Após receber muitas recusas das gravadoras, nos anos de 1955 os irmãos Leonard e Phil Chess decidem dar uma oportunidade ao compositor novato, sugerindo ao músico, porém, que este alterasse o título da faixa “Uncle John” para o seu próprio apelido. Não deu outra, as canções lançadas no compacto “Bo Diddley”/“I'm A Man” foram direto para o topo das paradas de R&B.

Fascinado pelos ritmos que ouvia com a banda da igreja nos tempos da infância, Bo Diddley aprimorou suas técnicas musicais tentando reproduzir os sons da bateria nas cordas do seu violão. Criou assim um estilo inovador e hipnótico, com um quê latino, através do uso generoso de técnicas, como reverb, trémelo e distorção, que faziam sua guitarra murmurar, gritar, rugir!

Com influências musicais tão variadas como Louis Jordan, John Lee Hooker, Nat King Cole e Muddy Waters, Bo Diddley forjou para sempre um estilo inconfundível que marcaria a música rock. Bandas e personalidades do rock tão importantes como Elvis Presley, Rolling Stones, ZZ Top, The Doors, The Clash, Buddy Holly, Prince, The Everly Brothers e Run DMC reconheceram em Bo Diddley uma das figuras mais influentes do gênero. Não à toa, suas músicas foram sucessos de muitos outros artistas, tais como “Not Fade Away” (Rolling Stones), “Shame, Shame, Shame” (Shirley & Company), “Desire” (U2) e “Faith” (George Michael), entre outras. Bo Diddley foi merecidamente um dos primeiros homenageados no Hall da Fama do Rock'n'Roll.

segunda-feira, 2 de agosto de 2021

Tragédia: Grande Dyonisia ou Urbana (parte 1)

Os três gêneros poéticos “naturais”, segundo os românticos, o épico, o lírico e o dramático, concernem ao período histórico das cidades-estado gregas (poleis, pl. de polis), nos períodos tardo-arcaico (século VI) e clássico, e são contextualizados, no imaginário grego, especificamente na consciência política ateniense, ao longo do século V, como elementos centrais da democracia em oposição à tirania, da civilização grega em geral como antítese do Império Persa, de Atenas como o avesso de Esparta. Os principais gêneros dramáticos gregos são a tragédia e comédia.

Tragédia e comédia

A tragédia foi uma invenção ateniense e está ligada à história política da cidade, em particular, o desenvolvimento de um regime democrático. A comédia provavelmente apareceu primeiro na Sicília e em Megara.

Para entender a criação da tragédia como novo gênero, cabe ressaltar sua relação com os dois outros tipos de performance espetáculos típicos do período arcaico e que se manifestaram em Atenas no século V:

Performances épicas: os heróis falam através do aedo, e menos da metade é discurso indireto quando o aedo mimetiza.

Poesia coral: canto, dança, música, indumentária. Mais que a épica, um espetáculo para ser visto.

Para a melhor compreensão do gênero trágico, recorreremos à definição de Aristóteles:

A tragédia é a representação de uma ação, nobre e completa, com uma certa extensão, em linguagem poetizada, cujos componentes poéticos se alternam nas partes da peça, com o concurso de atores e não por narrativa, que pela piedade e pelo terror opera a catarse desse gênero de emoções (ARISTÓTELES, Poética).

Portanto, “se a tragédia tem em comum com a epopeia O OBJETO – a ação nobre – e O MEIO – a linguagem poetizada – elas se distinguem quanto AO MODO. Na epopeia, o poeta compõe a representação narrando, de modo que ele próprio, na primeira ou terceira pessoa, introduz as personagens. No teatro, o poeta faz as personagens agirem diretamente, por isso, o que compõe se chama DRAMA (ação)” (MALHADAS, 2003, p. 25).

A tragédia surgiu no contexto de uma festa pública chamada Grandes Dionisíacas ou Dionísias Urbanas, festival em honra do deus Dionísio. Até 518, talvez só composta por desfile e sacrifícios. A data então marca a construção do theatron (estrutura de madeira temporária que acomodava os espetáculos), junto ao Santuário de Dioniso, num dos lados da Acrópole de Atenas, e, ao mesmo tempo, inaugura o início das competições de tragédia – dramas satíricos e coros líricos de homens e meninos.

“O festival, que se passava no final de fevereiro ou no começo de março, durava quatro dias. Cada dia começava logo no amanhecer. A plateia era a maior reunião de cidadãos do calendário. Na época em que os antigos assentos de madeira do teatro foram substituídos pelos de pedra, entre 14 e 16 mil pessoas assistiam ao festival regularmente. A maioria desses espectadores era de cidadãos: homens adultos com direito a voto, chefes de família. Enquanto a assembleia, o mais importante órgão político da democracia, tinha aproximadamente apenas seis mil pessoas em audiência, e as cortes menos ainda, a escala da Grande Dionisíaca estava mais próxima da dos jogos Olímpicos. A única ocasião na qual tantos cidadãos se reuniam no mesmo lugar era em uma batalha importante. O festival era uma verdadeira ocasião de Estado” (GOLDHILL, 2007, p. 202).

Atualmente, os vestígios do teatro monumental de Licurgo de 330 podem ainda ser visitados.

Os festivais, como quase tudo na mentalidade do grego antigo, caracterizavam-se pela já aludida competição. Apesar disso, os dramas eram sempre parte de uma economia/cultura da dádiva, sobretudo um dom, para Dioniso, oferecido por toda a cidade ou por um indivíduo rico durante as festividades.

As Dionisíacas marcavam o início das navegações no Mediterrâneo oriental depois de cinco meses de pausa e se desenrolavam, na verdade, durante sete dias do mês de elaphebolion, nono do calendário Ático ou Ateniense (vigente nos séculos V e IV a.C) e correspondente a mais ou menos o mês de março:

Dia 8 elaphebolion (~março): proagôn (ante-competição). Os poetas montavam um palco no Odeão (Ôideion), junto com seu coro (tem a indumentária) e falavam sobre a peça.

Dia 9 elaphebolion: eisagôgê (introdução): ícone de madeira do deus levado do sul até a gruta no norte, chamada academia, onde se cantavam hinos e se faziam sacrifícios. Retorno, com tochas, ao teatro (com consumo de vinho?).

Dia 10 elaphebolion: feriado Pompê (Desfile): principal procissão. Traz sacrifícios e entretenimento coral ao deus. Estilo carnavalesco, espetáculo para ser visto de dia. Multidão composta não apenas pelos coros (ao todo, vinte e oito), que iriam se apresentar. Falos gigantes (vários metros) eram carregados por coros (phallophoroi). Outros coros, com indumentária exótica, amiúde travestidos, carregavam falos menores (ithyphalloi) e apresentavam cantos com letras e movimentos obscenos. Outros se vestiam como pessoas exóticas, sátiros ou animais estranhos. “O desfile tematizava a loucura criativa inspirada pela presença de Dioniso e tinha como intenção provocar uma atmosfera de hilaridade anárquica. Vinho fluía livremente para espectadores e participantes” (CSAPO & WILSON, s. v. “Dramatic festivals”, 2014). Em estações ao longo do percurso, os coros paravam para apresentar hinos (provavelmente a origem do termo coral stasimon). O desfile também levava 200 a 400 bois, atrás de um touro digno do deus, destinado ao sacrifício no santuário de Dioniso em certa época. A maior parte dos bois vinha das cidades que eram colônias ou aliadas, das quais se exigia que levassem em falo e um boi para o desfile.

Neste mesmo dia, provavelmente, a competição entre dez coros de meninos (cada um com cinquenta integrantes; um por tribo) e, depois, de homens. Originalmente, cada canto relacionava-se ao gênero hínico cúltico e processional chamado de ditirambo. Ao longo do século V, quando não era mais um gênero marcadamente dionisíaco, tende a apresentar narrativas míticas variadas. Dançavam em formação circular com acompanhamento do aulo.

Dia 11 elaphebolion: antes da Guerra do Peloponeso, possivelmente, competição entre cinco comédias (cada uma de uma hora e meia a duas horas). O número de comédias foi suprimido na guerra, e é possível que cada comédia fosse apresentada uma por dia depois da tetralogia. A redução seria para se ganhar um dia de trabalho, e não a poupança da apresentação de duas comédias.

Dias 12-14 elaphebolion: com exceção da época da guerra, apresentação das tetralogias. No dia 12, cerimoniais cívicas diversas, o que mostra que era o dia mais importante: desfile dos homens que ganharam prohedria (assento especial no teatro); libações, seleção e juramento dos juízes; anúncio das honras públicas dadas pela assembleia no espaço de um ano; desfile em apresentação das armas dadas aos órgãos de guerra que alcançaram maioridade; apresentação do tributo trazido pelas cidades do império. No último dia, anúncio da tetralogia e do ator vencedor.

O processo de julgamento não é bem entendido: dez juízes, cada um colocando seu voto na urna. Talvez levasse em consideração o inclusivismo do público. Só cinco tábuas eram tiradas da urna. Caso não houvesse um vencedor inquestionável, mais duas e, depois, uma a uma. O resultado não é bom índice para popularidade dos dramaturgos. O foco era a performance do coro de cidadãos voluntários. O autor só participava da glória se ele mesmo tivesse coreografado o coro como didaskolos (mestre). Caso não o fizesse, poderia até ganhar popularidade, mas não reconhecimento oficial. Os poetas deviam receber um bom pagamento.

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quinta-feira, 15 de julho de 2021

Carl Perkins - Pioneiros do Rock'n'Roll

Carl Perkins (Carl Lee Perkins) nasceu no dia 9 de abril de 1932, em Tiptonville, Tennessee, e é considerado um dos principais e mais influentes artistas de rockabilly de todos os tempos, notabilizando-se por ser o autor do clássico “Blue Suede Shoes”.

Carl Perkins

Filho de um agricultor, aos 6 anos de idade, já trabalhava na roça. Oriundo de uma família pobre, para ajudar no sustento da casa, o menino abandonou a escola quando ainda cursava a oitava série. Depois das exaustivas horas na lida, à noite, Carl, seu pai e seu irmão mais velho, James Buck, o Jay, descansavam ao som de música country e gospel.

Para cantar suas canções prediletas, Carl aprendeu a tocar guitarra, com a qual ele imprimia nas músicas de country uma levada de blues. Aos 14 anos, começou a compor e passou a ensinar seu irmão Jay acordes de guitarra base para que este o acompanhasse em seus ensaios musicais. Formaram então os Perkins Brothers e, algum tempo depois, convidaram o irmão mais novo, Lloyd Clayton, para assumir o contrabaixo.

Como toda banda no início de carreira, os irmãos enviavam fitas demos (demonstração) de suas composições para diversas gravadoras, que, no entanto, nunca demonstraram interesse pelo grupo. Então Carl foi para Memphis, onde conseguiu um teste e, enfim, assinou contrato com a Sun Records, mesma gravadora de Elvis Presley e Jerry Lee Lewis.

Naqueles tempos, os Perkins Brothers abriam os shows do rei do rock Elvis Presley em algumas de suas turnês. Carl acabou fazendo amizade com Johnny Cash, que também pertencia ao casting da Sun e que lhe sugeriu compor uma música sobre a nova mania adolescente: sapatos azuis de camurça. De fato, numa apresentação da banda, Carl ouviu a discussão de um casal na pista de dança: “Cuidado com meus sapatos de camurça”, alertou o rapaz à namorada. Após o show, ao passar a noite em claro, Carl escreveria em um saco de papel amassado a letra que se eternizou como uma das canções mais emblemáticas da história do rock’n’roll. Em 19 de dezembro de 1955, lançava “Blue Suede Shoes”.

Imediatamente, “Blue Suede Shoes” alcançou o segundo lugar nas paradas da Billboard Hot 100, atrás apenas de “Heartbreak Hotel”, de Elvis Presley. Meses depois, em março de 1956, o próprio Elvis lançaria sua versão da canção. Em abril, “Blue Suede Shoes” havia vendido um milhão de cópias!

Em 1958, desiludido com a gravadora, por causa de direitos autorais, Carl assina com a Columbia Records. Em 1964, em turnê pela Inglaterra com Chuck Berry, recebe dos Beatles um convite para uma sessão de gravação. Em 1968, junta-se a seu grande amigo Johnny Cash e compõe “Daddy Sang Bass”, um grande sucesso. Em 1969, dá inicio a amizade com Bob Dylan, com quem escreve “Champaign, Illinois”.

Sua vida foi marcada por tragédias e alcoolismo. Ao mesmo tempo, conquistou a admiração de figuras do rock não menos importante que Elvis Presley, Johnny Cash, George Harrison, Paul McCartney, Bob Dylan, Eric Clapton, Paul Simon, John Fogerty, Tom Petty, Beatles, Rolling Stones etc.

Em 1987, Carl Perkins entrou no Rock’n’Roll Hall Of Fame.


quinta-feira, 1 de julho de 2021

O genial Nikola Tesla

Nikola Tesla nasceu em 1856, em Smiljan, uma aldeia da Croácia. Desde tenra idade, manifestou grande precocidade inventiva. Mas, na adolescência, sofreu com diversas doenças que fizeram com que seu pai, que desejava fazer dele padre, aceitasse a sugestão do filho de que a saúde dele próprio seria restabelecida por completo caso fosse enviado para estudar em um curso de engenharia em outra cidade.

Nikola Tesla

Aos completar 19 anos, seu pai então o matriculou em uma escola técnica em Graz, na Áustria. Certo dia, um dos professores de Tesla fez demonstrações com um motor de corrente contínua. O jovem aluno ficou fascinado. Porém, Tesla percebeu que as escovas soltavam muita faísca e sugeriu que seria possível construir um motor sem escovas, a fim de evitar o contato entre o rotor central e os polos fixos externos. Um motor assim, afirmava o estudante, não soltaria faíscas, seria mais fácil de manejar e funcionaria como uma corrente alternada.

Apesar de ser desestimulado pelo professor, que o assegurou que tal ideia não era possível de se realizar na prática, Tesla não desistiu de fabricar seu o motor ideal. Após ter cursado durante um ano a Universidade de Praga, o rapaz, por força das circunstâncias, decidiu interromper os estudos e obter um emprego na companhia telefônica de Budapeste: seus pais estavam sobrecarregados financeiramente para mantê-lo frequentando as aulas. Ainda assim, nunca abandonou o objetivo de construir o motor idealizado por ele na escola técnica e nas horas de folga trabalhava intensamente para solucionar os problemas relativos à exequibilidade do projeto.

Certo dia, quando passeava no parque da cidade, Tesla teve um insight: vislumbrou mentalmente o motor de seus sonhos em todos os detalhes. Pegou um galho de árvore e desenhou na areia o motor, alterando sucessivamente os arranques e as paradas, diante de transeuntes que olhavam surpreendidos. Havia conseguido descobrir um método para fazer circular uma onda de corrente alternada pela bobina ao redor do dispositivo, de tal maneira que o motor girasse pela ação rotativa constante do campo indutor. Tesla acrescentou uma segunda onda de corrente alternada assíncrona, e depois uma terceira. Era quase o mesmo que acrescentar mais cilindros a um motor, originando o sistema de transmissão polifásico.

O jovem inventor construiu o seu modelo ideal e não se surpreendeu quando viu que este de fato funcionava na prática. Contudo, como não encontrou na Europa quem investisse na sua invenção, resolveu ir para a América, com uma carta de recomendação para Thomas Edison, escrita por um engenheiro norte-americano com quem havia travado amizade. No ultimo instante, quando corria para o trem, que o levaria ao porto de embarque, descobriu que tinham roubado sua carteira com as passagens e todo o dinheiro da viagem. Apesar do infortúnio, conseguiu mesmo assim embarcar para os Estados Unidos.

No ano de 1874, chegava a Nova York, portando apenas quatro centavos no bolso e a carta de recomendação. Tesla obteve seu primeiro emprego na famosa usina elétrica de Edison, que, havia dois anos, iluminava algumas centenas de edifícios de Nova York. Como todas as usinas daquela época, esta central operava usando corrente contínua, que podia ser transmitida apenas a curtas distâncias.

No início, Edison encarregou o imigrante para executar tarefas sujas e pesadas. Mas a inteligência brilhante de Tesla arrancou a seguinte confissão do patrão: “este estrangeiro é um engenheiro de primeira plana”.

Tesla registrou em seu nome uma série de patentes, e cerca de um ano mais tarde montou seu laboratório particular, para a construção de motores de indução. Tesla sabia que seu motor de corrente alternada podia funcionar com transmissões a grandes distâncias. Em 1788 apresentou ao Instituto Americano de Engenheiros Electrotécnicos uma tese que gerou grande polêmica. Poucas pessoas aceitaram seus argumentos de que a corrente alternada era a chave para a expansão da energia elétrica. George Westinghouse foi exceção e resolveu adquirir o direito das patentes de Tesla, além de contratá-lo para dirigir a construção dos novos motores e geradores de corrente alternada.

A partir daí entrava em curso a guerra das correntes. Edison, que era uma espécie de supervilão da ciência, um empresário ultraganancioso que submetia tudo à sua sede de lucro, empregou dos meios mais inescrupulosos, como experiências cruéis com animais, para conseguir medidas legislativas que proibissem o uso da corrente alternada. Outras pessoas, provavelmente pagas por Edison, também lembraram que a corrente alternada estava sendo usada na nova cadeira elétrica e que sua transmissão em fios elétricos constituiria certamente uma ameaça à população. Tesla deu a esta última acusação uma resposta teatral, fazendo com que passassem através de seu corpo uma corrente de 1.000.000 volts, produzindo uma cena memorável, digna de ficção científica.

O primeiro grande triunfo de Tesla ocorreu em 1893, quando seus geradores iluminaram intensamente 90 mil lâmpadas instaladas na Exposição Mundial de Chicago. Enfim, os inimigos da corrente alternada jogaram a toalha três anos depois, quando os novos geradores de grande potência desenhados por Tesla e instalados nas Cataratas do Niágara começaram a iluminar a cidade de Buffalo, a cerca de 36 km de distância. Tesla venceu a guerra das correntes.

Dono de um gênio tão universal como o de Leonardo da Vinci, Tesla foi muito versátil em várias áreas do conhecimento científico. Fez experiências com iluminação elétrica em tubos de gás, que foram precursores das lâmpadas de neon e luz fluorescente. Descobriu o efeito térmico que produzem no corpo humano as ondas curtas e sugeriu sua aplicação em certos métodos terapêuticos. Em 1793, Tesla anunciou o princípio da sintonização do rádio e realizou várias experiências com telégrafos sem fio. Em 1698, Tesla assombrou Nova York com um barco misterioso que navegava sem tripulação a bordo. Tratava-se de seu famoso barco comandado por controle remoto. Uma de suas invenções mais notáveis foi a famosa bobina de Tesla.

A obseção de Tesla, no entanto, era a transmissão de energia elétrica pelo “éter”, isto é, sem fios condutores. Com o apoio financeiro de John Jacob Astor, construiu um laboratório misterioso nas montanhas do estado de Colorado. E se bem que não existem documentos sobre as experiências, anunciou que tinha conseguido acender lâmpadas e acionar pequenos motores há mais de 24 km de distância do laboratório.

Na velhice, Tesla se tornou um recluso excêntrico e adquiriu uma estranha paixão por pombos. Durante anos, era visto, sempre vestido de preto, com sua figura austera, transportando um saquinho de sementes, no parque Bryant ou nos degraus da Catedral de São Patrício, para alimentar seus estimados pássaros. Nada, porém, que desabonasse um dos maiores gênios da humanidade de todos os tempos: o formidável Nikola Tesla!

H.M.