quarta-feira, 20 de novembro de 2019

Mia Couto é mesmo um escritor africano?

Por Abikanile Abla Mkali

O objetivo deste breve artigo não é questionar os méritos literários indubitáveis de um escritor como Mia Couto, mas, sim, questionar até que ponto é legítimo considerar escritores brancos como representantes de uma africanidade e, num sentido mais amplo, se a literatura é uma expressão genuína da cultura africana ou se é mais uma manifestação da tutela intelectual imposta pela cultura europeia, ainda tão presente no continente africano, e cujas raízes remontam ao processo de colonização da África.


Escritor

Esta questão é um tabu e desafia a hipocrisia reinante. Até mesmo na universidade, supostamente espaço da crítica e do livre pensamento, o silêncio é ensurdecedor. Professores de literatura africana, geralmente brancos, nunca tocam no problema da negritude dos autores africanos, como se as letras não tivessem cor e a arte e a ciência pairassem incólumes sobre as picuinhas humanas. Paralelamente, multiplicam-se pesquisas em torno de temas referentes ao negro, como hip-pop, grafite, pichação, funk, periferia etc. Porém, a chancela teórica destes trabalhos é toda importada da Europa, principalmente, Alemanha e França. Autores da moda como Theodor Adorno, Max Horkheimer, Walter Benjamin, Pierre Bourdieu e até Nietzsche avalizam estudos e, supostamente, elucidam temáticas como, por exemplo, a os quilombolas no interior da Bahia. Simplesmente, bizarro!

Em que pese as circunstâncias em que dificilmente um professor universitário, de pele branca, sofra algum tipo de discriminação social, o fato é que, bem abaixo do castelo construído sobre nuvens, que se tornou a universidade, o mundo real é muito mais tumultuado do que as brilhantes abstrações e engenhosas sacadas de filósofos alemães. Produzir teses e mais teses para não serem lidas é um completo absurdo e só mostra o grau de alienação em que se encontra a universidade no Brasil. Somente a crítica e autocrítica poderiam romper este estado de coisas, algo que parece impossível na impermeável corporação universitária.

Se a literatura realmente serviu aos propósitos do nacionalismo europeu, principalmente, com o romantismo, também serviu aos propósitos da dominação colonialista. Na literatura brasileira, o marco é, obviamente, o romance O Guarani, de José de Alencar, escritor branco e defensor ferrenho da escravidão. O seu personagem Peri, arquétipo romântico das inconvenientes origens de uma “nacionalidade brasileira”, não passa de um Hércules da servidão voluntária. Solitário em seu mundo, Peri é, com todas as letras, a encarnação do bom selvagem, “vagando nas florestas, sem indústria, sem palavra, sem domicílio, sem guerra, (...) sujeito a poucas paixões e bastando-se a si mesmo” (Rousseau). Imaculado dos pecados da sociedade, Peri devota uma lealdade canina a Cecília, mulher branca, filha de colonos portugueses, para quem dirigir um tímido olhar voluptuoso seria por si só sacrilégio, já que este ídolo sagrado de seu amor ascético, personificação da imagem de Nossa Senhora (em que pese a ambiguidade do “senhora”), é, para ele, prova intuitiva da cultura superior detentora da fé verdadeira que lhe inspira. Somente por força da maldade do mundo, esse jesuíta disfarçado de índio é expulso do Paraíso e levado involuntariamente a ceder à tentação do fruto proibido, tão longa e amargamente reprimida, algo que nunca é dito, somente subtendido, em um epílogo apoteótico, quando as cortinas se fecham e as luzes se apagam. Diante das exigências do romantismo, José de Alencar criou um eufemismo para o mito fundador brasileiro para lá de idealizado, mas, apesar de todas as concessões, o literato antiabolicionista não reconheceu o elemento africano como formador da identidade nacional.

De fato, o romantismo no Brasil levou às últimas consequências o simulacro do “índio”, enquanto instrumento ideológico de dominação transfigurado pela tradição cultural invasora em símbolo nacional, oco e vazio. O índio de verdade, de carne e osso, este foi praticamente dizimado pela guerra de extermínio colonial, restando aos poucos indivíduos que sobreviveram a humilhante situação de bater na porta das corruptas instituições brasileiras forjadas pelo torno europeu e implorar migalhas e favores.

Na África, não foi diferente. Toda a riquíssima cultura africana, transmitida, diga-se de passagem, pela tradição oral, só pôde ganhar estatuto de cidadania sob o beneplácito do jugo do colonizador. Ou seja, somente pela metamorfose da essência nativa em figurino europeu, os povos nãoeuropeus puderam aspirar ao status jurídico de “cidadão livres e iguais”.

Assim sendo, a literatura é reflexo, tanto aqui, como lá, da segregação social, político e econômico, entranhada até a medula na sociedade pós-colonial de mentalidade escravocrata. Índios e africanos, das mais diversas etnias, foram escravizados, roubados, sequestrados, violentados, estuprados, espoliados, assassinados, desumanizados e, por fim, descartados, jogados no lixo. Lá, como aqui, a elite branca, de origem europeia, ocupou todas as posições de prestígio – seja artístico, político, econômico etc. –, apoderou-se de todos os espaços do topo da hierarquia social e relegou à maioria negra, indígena e mestiça o papel coadjuvante de fornecedores de serviços e mão de obra barata, cada vez mais sem direitos.

Historicamente, nos termos da divisão internacional de trabalho, o continente africano abasteceu a economia mercantilista com trabalho escravo. A partir do momento em que a escravidão se tornou um empecilho para o desenvolvimento do capitalismo industrial, navios negreiros eram afundados pela poderosa esquadra naval inglesa, que pouco se importava com as centenas de vítimas acorrentadas nos porões das embarcações levadas a pique e que, talvez, teriam melhor sorte se fossem vendidos como reles mercadoria no leilão de escravos – pelo menos prolongaria suas vidas por mais uns cinco anos, tempo de vida útil de um escravo. Durante a corrida neocolonialista do século XIX, a África foi esquartejada, dividida, fragmentada, territórios foram desenhados ao bel prazer do imperialista europeu, que expropriou recursos naturais e explorou a preço vil a força de trabalho da população nativa. Com o movimento de descolonização em meados do século XX, os novos países africanos foram obrigados a aceitar as divisões artificiais legadas pela geopolítica europeia e introduzir em seu repertório cultural noções estranhas à sua tradição, como o conceito de Estado-nação, o que gerou ódio e conflitos catastróficos entre as diversas etnias por décadas e mais décadas.

Assim, como ler a literatura africana sem críticas? Se já não fosse demasiado humilhante a um artista negro africano acatar as imposições culturais do povo opressor, o que dirá então de um escritor branco ser alçado à condição de arauto do povo que foi vilipendiado justamente por esse mesmo invasor branco?

Ora, quais os limites do escárnio, da ofensa, da perversidade? Para cada branco medíocre prestigiado, mil negros talentosos são preteridos, esquecidos, marginalizados. Apagar ou atenuar os efeitos maléficos do apartheid social e econômico, hoje velado, mas vigorando a todo vapor na África negra, em nome de uma suposta meritocracia, é estimular as redes clientelísticas que envolvem as classes privilegiadas brancas crioulas e esquecer da abominável segregação social e racial, do estado de miséria no qual os negros subexistem, acometidos pela fome e epidemias, confinados em guetos, favelas, musseques.

Num certo sentido, é lamentável que Mia Couto seja o escritor africano mais lido e reconhecido no Brasil, um país que, assim como o continente africano, sofreu e sofre as mazelas da escravidão. Mia Couto não é um autor africano. Mia Couto é a herança do tão nefasto colonialismo – colonialismo português que, se não o mais cruel, na medida em que é cabível tal comparação, ainda sob a sombra da ditadura salazarista, o mais persistente. O fato de Mia Couto ter nascido na África não o faz um africano. Mia Couto continua sendo um escritor branco, português, europeu, que escreve em uma língua europeia, a língua do invasor.

Portanto, não é motivo nenhum de orgulho para o negro africano suplicar a generosa aprovação de entidades e instituições europeias, como realçou, pasmem, a Revista Raça (versão digital), que, em artigo publicado, enaltece, em comparação com os latinos americanos, a maior quantidade de africanos laureados com o Nobel, premiação concedida pela loiríssima e nórdica Academia Sueca, em colaboração com seus irmãos vikings noruegueses. Afinal, quem estabelece os critérios sobre o mérito de qualquer coisa? Por que são sempre os de cima, os brancos, “civilizados”, ocidentais, que dizem o que é certo ou errado, o que é bom ou ruim, bonito ou feio etc., cabendo a nós apenas abaixar a cabeça e dizer: “Sim, senhor, obrigado”? (Em que pese novamente a ambiguidade do senhor).

Fico pensando se o Nobel teria tanta importância se sua sede ficasse em Djibuti – sim, país africano que você provavelmente nunca ouviu falar e que, com quase 100% de certeza, não será o destino de sua próxima viajem de férias para o exterior.

A propósito, não deixa de ser coisa de branco que, ironias à parte, o mais aclamado prêmio da paz tenha sido uma ideia do homem que inventou a dinamite. Barack Obama, negro e prêmio Nobel da Paz, assim como Mandela, foi o único presidente dos EUA a completar oito anos de mandato em guerra permanente e ininterrupta – no Iraque, no Afeganistão e na Líbia.

Bomba! Eis a missão civilizatória do Nobel da Paz!

A verdade é que as maiores tragédias de guerra, em todos os tempos, foram provocadas pela sanha sanguinolenta das nações europeias em sua busca eterna por poder, lucro e riqueza. Mas os países do terceiro mundo devem se comportar muito bem e fazer direitinho o seu dever de casa, sempre procurando a paz e da amizade entre as nações!

Aliás, o Premio Nobel da Paz deve ser uma espécie de cota de inclusão para negros e nãoeuropeus ou mesmo um prêmio tal como o “funcionário do mês”, distinção concedida por lanchonetes fast-food e hipermercados que superexploram seus trabalhadores.

O Nobel da Paz é um prêmio político, homenageia homens práticos. Mas o trabalho intelectual, em que pese a política evolvida na escolha dos laureados, segue a antiga divisão do trabalho. Dos quatro prêmios de literatura e cinco de medicina e química, apenas o poeta Wole Soyinka é negro, todos os outros homenageados são, no mínimo, digamos assim, caucasianos.

Esperar de joelhos o reconhecimento e a anuência daqueles que exploraram toda a riqueza do continente africano (e latino-americano), cometeram genocídio e pouco ofereceram aos habitantes que penaram em sua mão de ferro é uma atitude vil e que só reforça um caráter subserviente, assim como Peri, que lutava e matava outros índios.

Que me desculpem o desabafo, mas a literatura africana merecia mais Limas Barretos e menos Mias Coutos.

(A receita vale também para a literatura brasileira: mais Lima Barreto, menos Machado de Assis).

Nota: O artigo da Revista Raça é tão chapa branca que erra o nome do prêmio Nobel Aaron Klug, chamando-o por duas vezes de “Aaron Klub”, e do Nobel Ahmed Zewail, chamando-o "Ahmad Zuail". (Tirei print).

Para finalizar, hoje é dia da Consciência Negra e para não fugir da polêmica, aí vai a relação dos vencedores africanos do Nobel de literatura, medicina e química, tão festejados pela Revista Raça. Só que, lamentavelmente, Soyinka foi barrado pelos algoritmos cibernéticos e não foi permitida sua entrada na lista.
Nobel Literatura
Nadine Gordimer, Nobel Literatura

Nobel Literatura
John Coetzee, Nobel Literatura

Nobel Literatura
Naguib Mahfouz, Nobel Literatura

Nobel de medicina
Max Theiler, Nobel Medicina

Nobel Medicina
Sydney Brenner, Nobel Medicina

Nobel de Química
Ahmed Zewail, Nobel Química

Nobel de química
Aaron Klug, Nobel Química


sexta-feira, 15 de novembro de 2019

Raça, Anarquia, Punk e a Consciência Negra

Por O. N. N.C.

Desde os protestos históricos contra a OMC, no final do último milênio, e do A-20, no começo deste, o anarquismo, como uma teoria revolucionária, tem despertado interesse em um número crescente de pessoas como nunca antes na memória recente. No entanto, permanece o fato inegável de que a composição do movimento anarquista nas duas últimas décadas tem sido bastante homogênea, isto é, predominantemente branca e de classe média. Ocorre também que a grande maioria das pessoas que se identificam com o anarquismo hoje está de alguma forma envolvida em movimentos de subculturas do rock, como o punk e gêneros afins.

Sendo eu negro e anarquista, com raízes no punk rock, ultimamente tenho estado muito preocupado com a quase ausência do debate sobre a identidade do negro e afrodescendente no movimento punk e anarquista. Curiosamente, embora haja muitos punks da raça negra no Brasil, a questão da negritude raramente é um tema importante no imaginário simbólico da cultura punk.

A de anarquia com punho sobreposto


Certa vez, numa conversa com um amigo, que já fora punk e hoje curte rap e recentemente defendeu uma dissertação de mestrado sobre a população negra nas periferias das grandes cidades, citei “a questão do negro no movimento punk e anarquista” como um tema importante. Meu interlocutor se demonstrou bastante cético e reagiu com profundo pessimismo: “as letras punks não falam do negro”. Retruquei, de imediato, e citei “Liberdade é negra!”, letra da Fecaloma, uma das minhas bandas punks prediletas (vídeo no final do texto). Ele me respondeu com sarcasmo: “Fecaloma não é punk; os punks não gostam de Fecaloma; Fecaloma é muito bom para ser punk”. Absurdo, repliquei, o Fecaloma nunca deixou de se reputar uma banda punk e os punks curtem Fecaloma, sim! Depois de manifestar indignação, para tentar refutar a afirmação do meu amigo, tentei me lembrar, sem êxito, de outras canções de outras bandas punks que tocassem a fundo na questão do negro. Não me veio à mente nada mais do que reminiscências aqui e ali de alguma ou outra letra que cantasse a união e igualdade entre negros e brancos, que é muito bonito no discurso, mas, sendo falsa na prática, bastante demagógico.

Peço perdão à minha memória musical se por acaso estiver cometendo alguma injustiça e, se assim for, peço para ser corrigido. Mas, pelo fato de ser negro e me lembrar de tão poucas menções ao negro no punk, eu me pego a perguntar como um movimento no início tão vibrante, que fez tanto barulho, assombrou e tremeu os alicerces da carcomida ordem burguesa e parecia que ia mudar o mundo, se tornou uma cena tão medíocre, tão insossa, de meros aficionados por um gênero musical? O que teria acontecido com a ousadia das primeiras bandas punks, com suas letras irreverentes, criativas e ao mesmo tempo provocantes, ácidas, questionadoras? Realmente, toda a potência crítica original do punk se esvaziou em clichês que são repetidos a exaustão, tornando a letra reles adereço da composição musical, que também copia antigas fórmulas.

Dos inúmeros slogans situacionistas que inspiravam as letras das primeiras bandas gringas à proliferação de bandas anarco-punk, como Crass e Conflict, no começo dos anos 80, o punk rock, como uma subcultura do rock, teve uma história singular na música pop ao estreitar laços com a ideologia anarquista e, por conseguinte, anticapitalista. Mas, a despeito da tão sonhada descentralização do poder e da crítica à hierarquia, somos forçados a admitir, nos termos de uma microfísica do poder de Michel Foucault, que sempre um ou mais indivíduos acabam por catalisar as expectativas do grupo, sendo essas verdadeiras ou falsas, e representar o movimento por meio de uma liderança personalista. No caso do anarquismo, a situação é ainda pior, pois, dado a maior complexidade do anarquismo enquanto teoria política e histórica, uma liderança se impõe pela necessidade de uma formação intelectual mais qualificada, o que implica num recorte de classe circunscrito a um perfil social majoritariamente constituído por brancos, do sexo masculino e oriundo da classe média – quando não da classe alta!

Isso também se deve em grande parte a uma identificação exclusiva do anarquismo e do movimento punk com suas raízes europeias. Identidade essa que se realiza, sobretudo, pelo consumo desbragado de enlatados da indústria do entretenimento e da cultura yankee. A classe média endinheirada, malhada nas escolinhas de inglês e viagens ao exterior nutre de verdadeira repulsa a tudo o que é brasileiro, povão (negros, índios e mestiços) ou “terceiro mundo”, buscando suas referências na cultura dos países desenvolvidos, principalmente, anglo-saxônicos.

Claro, nem tudo é tão alienado assim. Houve nos últimos tempos inovações muito bem-vindas e que revigoraram o movimento punk e anarquista, apesar de também terem sido importadas, como a introdução mais do que oportuna de temas do feminismo e veganismo. Porém, no dia a dia, de shows e ensaios, sempre ocorre alguns deslizes aqui e ali e o machismo latente aflora nos pequenos lapsos e recantos profundos do inconsciente. Ainda assim, a inclusão das pautas universais do feminismo e dos direitos dos animais já é uma contribuição por demais significativa. Mas quanto ao negro, infelizmente, ainda sequer lhe é reservado o pequeno espaço das famigeradas cotas.

Minha longa experiência com o movimento demonstrou que o assunto da negritude é um tabu entre os anarquistas e punks. É sempre uma questão menor, secundária. Sempre quando eu propunha um debate sério sobre o tema, recebia reações muito negativas ou, quando muito, alguém manifestava um complexo de culpa por não ter pedido para nascer “branco”. Outros, numa tentativa de diluir as diferenças, até enfatizavam uma origem pobre, de parentes ligados à classe operária italiana na São Paulo do início do século XX etc. Claro, e sempre há aquelas situações embaraçosas em que alguém solta frases do tipo: "eu sou seu amigo, logo, não sou racista; ou, eu já namorei uma mina negra" e coisas assim. O sentimento de uma pessoa negra diante de concessões absurdas como essas é altamente doloroso e só reforça mais o preconceito e a humilhação.

Eu também já listei, nas minhas discussões com anarquistas brancos, o argumento daqueles que insistem em que, como o conceito de raça é uma construção social, não se deve reconhecer identidades raciais, porque tais categorias no fundo não existem. Com certeza, deve ser muito conveniente para uma pessoa branca tomar a questão de raça como uma abstração metafísica e fingir que as diferenças não são reais de fato, algo que me lembra em muito as campanhas reacionárias de conteúdo meritocrático contra ações afirmativas, tão disseminadas em tempos recentes de redes sociais. Ironias à parte, numa sociedade em que é perversamente vantajoso ser acometido por um "daltonismo racial", é bastante cômodo acreditar em um mundo onde “as oportunidades são iguais para todos". Quem larga na frente, se não tropeçar, chegará provavelmente na frente. Admitir, porém, que a vitória não foi justa, é uma vergonha que não cabe no princípio em que os fins justificam os meios.

Na verdade, tal situação é muito boa para o ego inflado daqueles que, pelas circunstâncias sociais privilegiadas, não terão dificuldades em encontrar um bom emprego e manter seu estilo de vida caprichosamente alternativo dentro de seus condomínios fechados. No fundo, o que subjaz disso tudo é que o atual anarquismo se distanciou completamente de suas origens proletárias e não é à toa que, lamentavelmente, de uns vinte anos para cá surgiu um neologismo que é em si mesmo uma contradição entre termos: o anarcocapitalismo (sintomaticamente, a primeira sugestão de pesquisa do Google quando se digita “anarco”).

Mesmo nas circunstancias em que os anarquistas têm clareza de que o anarquismo é um movimento de esquerda surgido no seio do movimento socialista do século XIX, a ideologia anarquista tem atraído, como já se disse, principalmente rapazes brancos heterossexuais. Estes, imbuídos de um auto-sentimento divino e superior ante o resto do mundo, de vez em quando, e de fachada, abrem algumas concessões para as ditas “minorias”, principalmente, o movimento feminista e LGBT. Mas isso é o máximo a que eles se permitem.

Além disso, o movimento anarquista elencou uma série de reivindicações em torno de problemas da vida privada que podem ser classificados como um “luxo das classes privilegiadas”. Isso diz respeito, em contrapartida à inerente repugnância ao trabalho manual que é habitualmente manifesto, na melhor das hipóteses, a uma perspectiva de realização profissional dentro de uma carreira acadêmica. Neste espaço restrito, toda e qualquer militância se reduz a ideias e teorias na clausura da caverna, pelas quais se invoca como tarefa áurea resgatar a “grande” contribuição positivista do anarquismo para a ciência. Entretanto, esta produção acadêmica redunda, como não poderia deixa de ser, em pesquisas medíocres, que, limitadas teoricamente, não podem ir além de uma consciência ingênua, na busca de aprovação social, através do exemplo concreto das inúmeras e pequenas coletividades anarquistas, que, apesar de todas fracassadas, demonstraram a extrema bondade do ser humano, transformando assim sentimentalismo barato em um apelo moralista de pseudociência. Raramente, ou melhor, jamais uma aproximação com movimentos sociais ou mesmo com a classe trabalhadora é ao menos esboçada ou cogitada.

Esta elitização do movimento anarquista atual, que abandona escandalosamente a classe trabalhadora para se instalar nas bibliotecas universitárias, e a recusa dos punks em encarar frente a frente uma das questões mais cruciais da modernidade, o negro e a escravidão, é extremamente prejudicial para a consistência crítica tanto do movimento punk, enquanto jovens pobres e negros da periferia, como da própria ideologia anarquista, capitaneada por uma mentalidade burguesa. Sem dúvida, nos tornamos liberais, encerrados em nossa pequena concha, preocupados apenas com o estilo de vida de cada um e a liberdade dos gostos individuais.

Para o movimento anarquista atual, portanto, a agenda do negro não cabe no debate da emancipação humana porque esta, segundo a concepção reinante destes anarquistas, já inclui por tabela o negro. Na verdade, esta “emancipação humana”, longe de arrebentar os grilhões que prendem em diferentes níveis as categorias sociais em sua complexa diversidade, é extremamente mesquinha e reduzida ao plano das liberdades individuais, escamoteando, sorrateiramente, o princípio inaugural do anarquismo do século XIX para escanteio, a saber: “a propriedade é um roubo”.

Realmente, o atual movimento anarquista se afastou paulatinamente da classe trabalhadora porque suas aspirações não são as mesmas. No fundo, não faz sentido, para estes novos anarquistas, abrir mão da qualidade de proprietários que são para lutar pelo fim da única garantia que lhes confere privilégios, inclusive, o de se darem ao luxo de se dizerem anarquistas e libertários. Por isso, a falsa radicalidade de seu discurso vazio e cheio de frases de efeitos retóricos, pelo qual, por um lado, nunca se chega à essência da exploração humana, que revelaria a questão do negro, e, por outro, dissimula o profundo racismo deste anarquismo de gabinete. Desvelar o segredo do trabalho em toda a sua amplitude e exploração é reconhecer o papel do africano e afrodescendente na origem da acumulação primitiva capitalista e da instituição da propriedade privada moderna.

Não é coincidência, portanto, que os trabalhadores de baixa qualificação e mal remunerados reflitam a população afrodescendente, como mostram as estatísticas, pelas quais o negro aparece recebendo piores salários que mulheres brancas e a mulher negra, superexplorada, geralmente empregada doméstica ou babá de alguma perua branca que sequer empurra o carrinho de bebê, constitui a base da pirâmide, recebendo os piores salários de toda a sociedade.

Por isso, tais defensivas, por parte daqueles anarquistas e, muitas vezes, punks, indicam, no mínimo, o quão pouco sabem do que é sentir na pele o preconceito racial, já que necessariamente suas consciências operam numa zona de conforto inerente à sua própria condição social. O que eles não conseguem perceber, entretanto, é o tratamento desigual dispensado ao negro em todos os âmbitos sociais. Por exemplo, entre muitas outras coisas, é muito diferente quando um negro vai a um shopping center e um branco, mesmo este sendo pobre. Aqui o exemplo não é fortuito, já que o conceito de liberdade moderna esta subordinado ao consumo de mercadoria. Mesmo detendo de poder aquisitivo, o negro sempre carregará o estigma de suspeito e atrairá os olhos da vigilância, tendo assim sua liberdade restringida.

É claro que nem todos os anarquistas brancos ignoram as relações raciais e de classe. Certa vez, um amigo branco, punk e anarquista, me fez uma confissão comovente: “Somos sem querer herdeiros da ordem mundial capitalista, patriarcal e branca, detentora do poder político e econômico. Nós, brancos, somos os representantes involuntários do colonialismo, ocupamos por si só uma posição privilegiada. Mas, como punks, temos a obrigação e o dever de rejeitar nossas posições herdadas de raça ou classe, e, se não tocarmos nas questões fundamentais, como a do negro, tudo não será mais que hipocrisia”. No entanto, não importa o quão bem-intencionado algumas pessoas possam ser. Na prática, se este tipo de mea culpa não ultrapassar os gestos simbólicos de uma solidariedade artificial, tais como visitar a sede de algum grupo revolucionário negro e ficar tempo suficiente para tirar selfies com o punho fechado apontado para o ar, seu efeito é nulo.

Sem dúvida, nestes moldes, o máximo de atuação possível de uma militância anarquista hoje é justamente o ápice de sua decadência. Dentre outras coisas, daí sua fragilidade teórica e completa inexpressividade social, restrita aos pequenos espaços reservados ao comércio de livros ou lanches vegetarianos, como feirinhas alternativas. Absorvidos completamente pela lógica fetichista do lucro, os mercadores anarquistas negociam grandes ideais a vil metal. Nada poderia ser mais abjeto! O que diria Mikail Bakunin a estes vendilhões do templo? Quanta diferença do anarquismo combativo dos anos de 1930! Diante de tão abominável baixeza, só me resta lembrar, como objeto de consolo, uma passagem da obra de Abel Paz Povos em Armas, em que Buenaventura Durruti e Francisco Ascaso se vingam do capataz que torturava trabalhadores quase escravizados no pelourinho de um latifúndio nas Antilhas, durante a passagem épica e vingadora dos dois anarquistas pelas Américas – se me lembro bem, esse episódio se deu em Cuba. Vingavam trabalhadores negros!

Claro está que o problema da falta de representatividade de raça-classe proletária dentro do movimento anarquista existirá enquanto este permanecer dentro dos limites eurocêntricos das raízes do anarquismo e do punk e não realizar uma autocrítica devastadora sobre suas atuais bases. Portanto, seria extremamente importante reconhecer como as potências da cultura dominante, colonialista e escravagista puderam alienar tão poderosamente aqueles que se contrapuseram, no início e em seus fundamentos originais, às injustiças e desigualdade produzidas por este mesmo sistema de dominação. Só assim, o anarquismo desceria para as suas verdadeiras bases: o proletariado explorado.

Ao mesmo tempo, relegar as demandas das ditas minorias para um segundo plano em nome da luta de classes, da soberania ou outras pautas da esquerda proletária é reproduzir as desigualdades em benefício da luta revolucionária que será conduzida necessariamente por uma vanguarda composta invariavelmente por brancos bem nascidos, que tiveram uma boa educação, curso superior etc. Um bom exemplo disso é o Partido dos Trabalhadores. Com exceção do nome da legenda do partido, do Lula e do Vicentinho, nenhum político do PT se parece com o povão trabalhador, negro ou nordestino, que entopem como judeus a caminho da câmara de gás o transporte público das metrópoles quando, de madrugada, saem para a labuta. É só olhar os Haddad, os Suplicy, os Paulo Pimenta, as Gleisi Hoffman, os Ruy Pimenta, os José Dirceu, os Paulo Teixeira e muitos outros dirigentes do partido. Todos ricos e brancos.

Mas, por outro lado, não estou defendendo uma setorização dos movimentos em grupos identitários lutando cada um por si e por sua causa. Tampouco um movimento punk e anarquista constituído só por negros.

Pode parecer paradoxal, mas o que se reivindica aqui não é o “lugar de fala”, e, sim, a pluralidade na unidade. O lugar de fala, isto é, a suposição de que só o negro pode falar pelos negros, só a mulher, pelas mulheres, só o gay, pelos gays, só os pobres, pelos pobres etc., é um dos maiores erros táticos dos movimentos de ação afirmativa, porque nega o altruísmo, condição sine qua non para uma sociedade igualitária, solidária e justa. Não é através de um monólogo que se alcançará o entendimento, que só é possível pelo diálogo, pela troca de informação e experiência, pelo reconhecimento necessário, sensível e doloroso do outro.

O que se propõe aqui é a legitimidade da fala, isto é, a pertinência e validade procedente das teses defendidas num discurso irradiado de certo lugar definido por variáveis de elementos históricos, culturais, sociais, políticos, econômicos e, obviamente, raciais. O que implica em interlocução e que o outro se coloque no meu lugar.

O lugar de fala, inversamente, pressupõe o não ouvir, a ditadura do ditado, a interdição dos pontos de contato e, sobretudo, o que é mais escandaloso, a desconstrução da identidade, já que esta só se engendrada a partir de diferenças e semelhanças, numa palavra, a partir do outro. Recusar a réplica, a opinião contrária ou a refutação é, de antemão, censurar qualquer possibilidade de igualdade real por meio de um consenso. Amarrar mordaças, calar a boca, coibir vozes dissonantes, não é apenas autoritário e antidialético, é também criar barreiras, construir muros, fomentar um apartheid de ideias. E, o que é ainda pior, no limite, o lugar de fala não pode ir muito além da luta por inclusão, que não faz o menor sentido numa sociedade inerentemente excludente.

Realmente, um negro pode enriquecer, comprar um carro importado, uma mansão, se casar com uma loirinha de olhos azuis e justificar sua trajetória de vida pela meritocracia. Conheço um rapper, bastante atuante no movimento negro, de pele mais escura que a minha e um basto cabelo dreadlock, que se orgulha de sua infância pobre de catador de material reciclável e de ter conseguido passar numa boa universidade. Apesar dos constantes convites a cantoras negras para se apresentar com seu grupo, eu nunca vi esse camarada namorar uma mulher negra. É impressionante, mas o cara só pega branquinha, de classe média, tipo patricinha. No último show que eu fui do grupo dele, que devia ter umas cem pessoas, ele estava ficando com a mina mais branca do pico, tipo uma dessas alemãezinhas de Santa Catarina. Fiquei imaginando como ele encontrou um espécime tão ariano no meio do movimento negro! Será que a ela é vedado também o direito de falar?

Este assunto é bastante polêmico, e sei que vou receber críticas, todavia é preciso tocar nessa ferida também. Não tenho nada contra relacionamentos inter-raciais, confesso que eu mesmo já namorei pessoas de outra cor e sou de opinião que o amor verdadeiro supera todas as barreiras, inclusive e obviamente as raciais, mas a reincidência de negros bem-sucedidos que se casam com mulheres brancas me causa um embaraço constrangedor. Toda a questão da reafirmação do padrão de beleza da raça negra contra a tirania estética europeizante é complemente deslegitimada por este tipo de conduta obsessivamente reiterada pelos negros no Brasil.

Quando questionados, já me alegaram que o ativismo em um movimento independe da vida intima de cada um. Este tipo de distinção, entre a vida pública, na qual, em teoria, devemos ser incorruptíveis, e a vida privada, de onde, se deduz, por oposição, tudo é permitido, não passa de uma falácia monumental da moral burguesa. Na prática é uma ficção. Vide o trabalho hercúleo dos tribunais para varrer para debaixo do tapete a sujeira dos poderosos envolvidos em todo tipo de corrupção na vida pública. Oprimir uma mulher, humilhá-la, agredi-la, trai-lá com amantes, porque a vida privada não é de interesse público, é algo monstruoso e indigno de um revolucionário. Aceitar esse tipo de premissa, para justificar atitudes incoerentes, é reproduzir todos os vícios que estão na raiz de tudo aquilo que se diz combater.

Sem dúvida, é sempre muito fácil apontar o dedo para o outro. Só com agente é sempre diferente, não é: somos perfeitos! Sempre tem uma desculpa, uma justificativa, uma racionalização. Certa vez conheci um anarco-punk muito influente (sim, com todas as letras, o cara era um líder) que tinha um histórico de violência contra a mulher. Quando certa vez um grupo minoritário, inclusive eu, se revoltou contra os constantes hematomas que a namorada carregava no rosto, a maioria tomou partido em defesa dele dizendo que ele podia bater nela porque os “direitos eram iguais”, ou seja, ela podia reagir ou agredir ele também. Pode parecer bizarro, mas isso aconteceu de verdade, e é só um, dos muitos exemplos, de como o nosso idiossincrasismo pode ser muito pior do que o alvo pelo qual dirigimos o nosso ódio.

Diante de tudo isto, do que expus, eu poderia ter simplesmente saído do movimento punk e anarquista e procurado, como fez o meu amigo do início do texto, um outro movimento, com maior representatividade do negro, como o rap, por exemplo. Todavia, não acredito no monopólio do discurso, numa guerra de todos contra todos, mônadas isoladas no mundo ou, como diz a música, cada um no seu quadrado.

Hoje a sociedade parece estar dividida em incontáveis fãs clubes; existem fãs clubes para tudo, em todos os níveis e instituições: na universidade, na igreja, nos partidos, no movimento negro, feminista, LGBT, anarquista, punk, sertanejo, pagode etc. Tudo é fã clube, com o seu culto cego a dogmas invioláveis, indiscutíveis, e ídolos sagrados.

Uma fragmentação de tal tipo é negação de toda e qualquer sociabilidade que só se efetiva de fato por meio da troca de mercadorias. Isto é, o fetiche ou a reificação, única relação social possível: a das coisas.

É a destituição absoluta, a implosão total, a aniquilação de tudo aquilo que torna a todos iguais – mulheres, LGBTs, negros, índios, brancos, mestiços, amarelos, idosos, crianças, deficientes físicos – enfim: a humanidade.

A comunicação é um fato humano, um dos mais essenciais, miná-la é desumanizar ainda mais o ser humano, já tão coisificado. Através da comunicação é possível compreender os limites intransponíveis e insuperáveis de realidades distintas, mas, ao mesmo tempo, construir laços possíveis e inquebráveis de solidariedade perante as diferenças. Somente pelo debate, pelo bate-boca, pela discussão acalorada, pela briga de botequim, por lavar roupa suja, pelo acirramento, pelo conflito franco, aberto e direto, que será possível recolocar a questão do negro numa perspectiva transformadora e, ao mesmo tempo, conciliadora, por meio da justiça social. Somente assim, pelo reconhecimento da diversidade, poderemos sonhar com uma sociedade com igualdade de condições que vai além da perversa igualdade jurídica.


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sexta-feira, 1 de novembro de 2019

A Flautinha Mágica

Por Nilza Monti Pires

Aninha era uma menina amável e muito bondosa. Nasceu e cresceu num vilarejo perto de um rio ao pé de uma floresta.


Morava com seu avô de quem ela gostava muito.

Aninha tinha dois amiguinhos, o Hamster, um roedor de hábitos noturnos, que andava solto pela casa, e uma gatinha chamada Gigi.

Quando Aninha ia para a escola, sempre levava sua flauta doce e ia tocando pelo caminho, entre as árvores gigantescas e cheio de flores e cores, acompanhada pelo belo canto dos alvoroçados passarinhos, que a seguiam como sempre, e também todos os animais corriam agitados e alegres fazendo uma grande algazarra para ver a menina tocando uma linda melodia na sua pequena flauta.



Ao passar pelo Rio das Águas Claras, cheio de orquídeas agarradas aos imensos troncos das árvores, sentindo o perfume agradável de alfazema exalado pelas flores, avistou bem à beira do rio uma estátua branca que nunca tinha antes visto por ali, bem na margem do rio.

Chegando perto da estátua ficou deslumbrada e perplexa de tanta beleza e tanta perfeição. Ao chegar frente a frente com a estátua, Aninha não se conteve e exclamou:

- Como você é bonita!



E na mesma hora a estátua respondeu:

- Você também é bonita e talentosa, pois toca maravilhosamente bem.

- Obrigada, disse Aninha. Mas o que está fazendo neste lugar tão isolado? Nunca vi você por aqui!

- Eu sou uma estátua que veio da França.

- Da França!!! Como veio parar aqui nesse lugar tão distante?

- Surgiu um imprevisto e me deixaram aqui provisoriamente mas logo virão me buscar.

- E para onde você vai?

- Sei que vou enfeitar um jardim mas não sei aonde, por enquanto não posso aparecer por lá, pois vai ser uma surpresa. É isso o que eu sei.

Aninha estava tão emocionada que acabou esquecendo as horas, mas os seus amiguinhos estavam atentos.

- Aninha, já está ficando tarde, vai perder a aula, disse a gatinha Gigi.

- Ah! Preciso ir embora, já estou atrasada, tenho que ir. Antes posso te dar um abraço?

- Claro! Não me esquece, disse a estátua, quero ouvir sua linda melodia novamente.

- Não vou te esquecer, é tão linda e formosa!

Aninha deu um abraço carinhoso, um beijo e continuou o seu caminho tocando a flauta muito contente e feliz.

Quando Aninha voltou para casa, os seus amiguinhos já estavam esperando.

- Tenho uma coisa muito importante para te dizer, disse o Hamster.

O roedor pensou um pouco e depois falou:

- Tenho dois desafios para você.

- Dois desafios para mim? respondeu a Aninha.

- Sim, dois desafios.

- E quais são esses desafios? murmurou Aninha intrigada.

- O primeiro desafio, respondeu o Hamster, você vai ter que ficar do meu tamanho e virar um ratinho.



Aninha teve um impacto e retrucou:

- Espera aí, vou ter que ficar do seu tamanho e ainda virar um ratinho?

- Exatamente! disse Hamster.

- E qual é o segundo desafio? indagou Aninha preocupada, arregalando os olhos.

- No segundo desafio, você vai ter que tocar a flauta mágica, mas não aqui!

- Tocar a flauta, isso é bom, mas aonde eu vou tocar? disse Aninha surpresa.

- Na festa da Rainha Onça Pintada I.

- Na festa da Rainha Onça Pintada I? exclamou Aninha, com certa ironia.

- Sim, é só uma noite, uma passada rápida, voltaremos antes do amanhecer. A Rainha Onça Pintada I vai dar uma grande festa. Vai ter muitos convidados famosos e vão adorar ouvir sua música e você vai gostar de ir também.

- Hum, não posso sair daqui, preciso ficar com meu vovô.

- Garanto que o seu avozinho nem vai perceber.

- Mesmo assim estou temerosa, disse Aninha.

- Sabe, Aninha, disse Hamster, vou contar uma coisa: estou com muita pena da Rainha Onça Pintada I. Ela anda muito aborrecida.

- Aborrecida, por quê?

- Porque ela está cansada de muitas lutas, está ficando velha e quer descansar. Também quer passar o seu reino para o seu filho. Ela falou que a selva não pode ficar sem um reinado que governe todos os animais.

- Mas se o filho vai governar... Oras, a Rainha Onça Pintada I não precisa ficar aborrecida!

- O pior de tudo é que seu filho não quer ser rei. Ele está desanimado e indiferente, sei lá, ele é muito cabeçudo.

- E por que eu tenho que tocar na festa?

- Porque a música faz milagre e, como você toca em sua flautinha encantada maravilhosas melodias, o filho da rainha vai ouvir e vai sentir um grande estímulo. Garanto que ele vai se animar e vai deixar de ser teimoso e irredutível, e não vai ter mais desculpas ardilosas para não reinar.

- Mas eu acho arriscado, estou sem coragem, disse Aninha.

- Sei que é difícil, porém, eu combinei com a rainha que você iria e ela preparou uma grande festança, com deliciosos quitutes, uvas, amoras, açaí, um verdadeiro banquete.

- Tá certo, disse Aninha. Quando vai ser a festa?

- É hoje à noite. Vamos embora quando escurecer. Vai ser uma jornada e tanto e você vai virar um ratinho.

- De que jeito vou virar um ratinho?

- É muito simples, vou usar o meu raciocínio lógico, um número atômico, subtrair em frações matemáticas e transmitir esses sinais por ondas magnéticas para o seu cérebro.

- Puxa, que complicado esses números e sinais abstratos. Será que vai dar certo? Por que eu não posso ir como eu sou?

- Infelizmente não vai poder, porque você é muito grande e vamos ter que passar num caminho que tem uma grade quadrada muito pequena e com buracos bem miudinhos.

- Mas e a minha gatinha Gigi? Ela é bem gordinha, não quero deixar meu bichano aqui.

- Ela também vai. Não é, Gigi?



- Sim, também vou, respondeu a Gigi. Não precisa ficar encucada nem preocupada, vou passar tranquila pela grade, meus bigodes indicam o tamanho certo do buraco a ser atravessado. Ainda bem que nunca foram cortados, senão eu não teria noção espacial! Pode deixar que eu vou atravessar com tanta precisão, enquanto estou correndo eu faço os cálculos, e vou passar de forma astuta em segundos. Viu só?

- Eu não entendo nada desta lógica dialética, disse Aninha, só quero que vocês usem o bom senso e sejam menos vaidosos.

Quando anoiteceu o Hamster chamou Aninha e falou baixinho:

- Eu e a Gigi já estamos prontos e já podemos ir. O vovô já está dormindo.

- Estou preocupada. E se eu não voltar a ser gente novamente? disse Aninha.

- Não precisa se preocupar, meu cérebro já programou tudo, o encanto vai acabar quando chegarmos à festa, e você vai ter que virar gente para tocar a flauta.

- Está certo, então vamos! disse Aninha.

- Preparada para virar um rato?

- Sim, estou preparada.

- Agora vou falar os números atômicos.

- Que números são esses? perguntou a Gigi.

- É segredo. São números exatos, precisos e é isso. Então, concentre-se já, Aninha. Lá vai: XXX-005-ZÁS-XXX-004-TRÁS Três, Dois, Um, Já!!!


Houve uma explosão e uma grande fumaça cinzenta invadiu toda a sala e a Aninha virou um ratinho junto com a sua pequena flauta.

- Deu certo, gritou o Hamster radiante, meus cálculos deram certo!!!


- Nossa! exclamou a Gigi, parecia uma explosão nuclear! Que cálculo certeiro, inacreditável!

- Agora temos que ir, disse o Hamster, quero ser pontual como é do meu costume.

E aí os três correram rápido demais, passando velozmente pela pequena grade quadrada que estava no meio do caminho. Ofegantes, pararam numa fonte de água doce para beber um pouco d'água.

- É só dar um gole, disse o Hamster, não podemos perder tempo.

Mais adiante, no caminho, tinha uma moita cheia de espinhos, ao passar Aninha sente uma picadinha.

- Ai!!! gritou Aninha, senti um espinho me espetando. Por que você não me avisou dessa touceira? falou indignada.

- Ué, você não tem espírito de aventura? É só um pequeno trecho!

Assim que passaram dos espinheiros, Aninha parou e pensou... E aí se deu conta e falou:

- Ei, Hamster, você disse que iríamos à festa da Rainha Onça Pintada I.

- Sim, a Rainha Onça Pintada I é muito minha amiga. Sempre vou lá. Mas o que tem a festa?

- A festa é na Amazônia! indagou Aninha.

- E é para lá que vamos.

- Você está doido, lembra que temos que atravessar o rio Amazonas, e é muito longe, estamos há quilômetros de distância, e o rio Amazonas é enorme, e vai levar dias para chegar lá.

- Fica tranquila, o maior peixe do mundo de água doce, o Pirarucu, vem nos buscar e levar até lá.

- Aonde vamos nos segurar, ele não é um Transatlântico!

- Pode deixar que ele tem suas habilidades. Vamos entrar na boca dele e suas guelras vão nos segurar... Um transatlântico é chinfrim perto dele!

- Mas mesmo assim vai demorar muito para chegar lá.

- Ele é muito ágil e sabe de um atalho que chega rapidinho. Ele é meu amigão e sempre me leva lá.

- Só quero ver, disse Aninha.

Quando chegaram perto do rio, lá estava um enorme peixe os aguardando.



A Gigi ficou espantada com um peixe tão grande, pois o peixe era sua comida preferida.

- Que bom que já está aqui amigão, disse o Hamster.

- Sim, como combinamos, amigo. Podem entrar na minha boca que levarei vocês com segurança. Sou vigoroso e adoro ir até Amazônia, pois lá é a minha casa.

Todos entram na boca do peixe, que numa rapidez pegou um atalho pela corrente fria de um afluente do rio Amazonas, cheio de curvas, num zigue-zague só, nas ondas da poderosa pororoca, o Pirarucu, com sua façanha e proeza, chega pontualmente.

Aninha ficou surpresa, pois chegaram muito rápido e, quando desceram, era só alegria e satisfação.

- Oi, amigão, disse o Hamster, para o peixe Pirarucu, não quer ir à festa com a gente?

- Não, prefiro ficar por aqui, adoro essas bandas. Não esqueça, antes do amanhecer, voltarei para levar vocês de volta.

- Obrigado, amigão, estaremos de volta antes do sol nascer.

- Onde é a festa? perguntou Aninha.

- É bem no topo da montanha. Temos que escalar. As onças pintadas adoram as montanhas e a festa é lá bem no alto.

E assim subiram a montanha escorregadia.

Aninha já estava cansada.

- Poxa, não chega nunca, disse Aninha, ainda se eu fosse gente, subiria num instante, mas como rato tenho as perninhas muito curtas.

- Aninha para de reclamar, disse o Hamster. Veja, já chegamos!

- Nossa, os vaga-lumes estão iluminando a festa, disse a Gigi.

- Que lindo e engraçado, é um inseto que tem luz... Ei, Hamster, chegamos à festa e ainda sou um rato. Eu não iria virar gente?

- Calma, Aninha, ainda não é hora, tenha paciência.

A festa estava muito animada e cada vez chegava mais convidados de todos os cantos da terra.

Lá avistaram a Rainha Onça Pintada I, sentada no trono acenando para que todos entrassem. Os portões começaram a se abrir.



- Pode entrar o primeiro convidado, disse a Rainha Onça Pintada I, e se apresentar.

- Eu sou o escaravelho, Majestade, sou um besouro sagrado egípcio, dou muita sorte, pois sou considerado o símbolo da sorte.

- Ótimo, pode entrar e seja bem-vindo.

A Rainha Onça Pintada I acenou a cabeça para o outro convidado entrar.

- Majestade, eu também sou um besouro, um besouro-rinoceronte, o inseto considerado o mais forte do mundo. Vim prestigiar a festa.

- Agradeço sua presença, falou a Rainha Onça Pintada I. Pode entrar o próximo.

- Eu sou bicho-preguiça, durmo o dia todo, desci da minha árvore preferida, a Umbaúba, para ver a coroação de seu filho, o futuro Rei.

Logo em seguida entrou o outro convidado.

- Eu sou a cobra surucucu, estou muito curiosa para ver a coroação do novo rei, moro numa floresta densa e vim me arrastando até aqui.



- Obrigada, disse a rainha. Gritou: O próximo!

- Agora somos nós, disse o Hamster.

Neste momento a Aninha começou a crescer, crescer, até virar gente.

A Gigi miou feliz de ver a Aninha gente outra vez.

- Eu falei que meu raciocínio lógico não falha, falou entusiasmado o Hamster. Sou um gênio, sempre acerto!

- Próximo! gritou novamente a rainha.

Mas a rainha quando viu o Hamster abriu um grande sorriso.

- Eu sabia que você viria, meu grande amigo!

- Vossa Majestade, é com grande prazer que estou aqui. Como prometi trouxe a flautista e a sua inseparável gatinha Gigi.

- Que alegria, meus caros, sejam bem-vindos.

A rainha chamou o Hamster de lado e foi conversar com ele.

- Vou confessar, disse a rainha, estou muito triste, magoada, desanimada, fiz esta linda festa como você sugeriu e meu filho não quer sair do seu aposento, está apático, insatisfeito e recusa ser Rei. Está muito teimoso.

- E agora? disse o Hamster. E esses convidados importantes, que vieram de longe para ver a coroação do seu filho?

- É isso que está me preocupando, o que vou dizer a eles, que estou velha cansada, não consigo mais lutar... Isso vai ser um grande desgosto para mim.

- Sim, realmente, é constrangedor dizer que o filho da rainha não quer ser rei. Mas como eu prometi, trouxe a flautista com sua flauta mágica.

- Nem sei como agradecer, meu amigo.

E assim a rainha continuou recebendo os convidados.

A festa estava um sucesso, animada com muita fartura, sobremesas finas, tudo excelente.

Mas faltava o filho da rainha.

- Ei, Aninha, pode tocar sua flauta doce, disse o Hamster.

Aninha pegou sua pequena flauta e começou a tocar uma linda música. De repente, surpreendentemente, apareceu o filho da rainha, elegante com seu traje esmerado. Queria ver quem estava tocando tão bela melodia.

- Não resisti, disse o filho da rainha, senti tão disposto e animado que vim ver quem tocava essa agradável melodia. Estou feliz por conhecer uma menina cheia de talento e simpatia.

A Rainha Onça Pintada I, quando viu o seu filho aparecer na festa, sua felicidade foi imensa e deu um grande suspiro de alívio.

De repente no meio da festa, ouviram um barulho de bater de dentes muito forte e constante. Eram queixadas bem nervosas, que batiam os dentes sem parar, cada vez mais forte. Eram muitas, centenas, com seus dentes afiadíssimos, com seus olhos assustadores e fixos para atacar todos que estavam na festa.


Todos os convidados pararam de dançar, apavorados e desesperados, corriam para todos os lados, atropelando um aos outros.

Quando as selvagens queixadas iam dar o golpe final e atacar, o jovem Príncipe Jaguar, filho da Rainha Onça Pintada I, arrojado, audaz, estufou o peito e deu um tamanho rugido, tão alto, terrível e poderoso, que a terra estremeceu com muita intensidade.


E aí formou um vendaval, uma ventania, um assovio agudo do vento muito forte, as árvores balançavam quase até o chão, as folhas voavam se espalhando pelos ares.

Quando as queixadas perceberam a ira e a força do jovem Príncipe Jaguar, ficaram apavoradas e suplicaram pedindo clemência.

O jovem Príncipe Jaguar mostrou sua nobreza, sua descendência ilustre, das classes dos Nobres, e perdoou as arruaceiras queixadas.

As queixadas agradeceram e reverenciaram que ali tinha um novo rei e fugiram num só fôlego.

Aí voltou a paz e a tranquilidade. E a festa continuou animada.

A Rainha Onça Pintada I, enaltecendo a coragem de seu filho, nomeou-o como o novo Rei Jaguar II e todos brindaram felizes.

- Viva o novo Rei! gritaram.

Em certo momento da festa, a gatinha Gigi chama a Aninha, que ainda tocava sua flauta animada, e fala baixinho:

- Estou preocupada, Aninha, já está quase clareando o dia, precisamos ir embora o mais rápido possível.

- É verdade temos que ir já, vamos chamar o Hamster.

- Ei, Hamster, cutucou Aninha, você está dormindo, precisamos ir embora, esqueceu que temos que voltar antes do dia clarear.

- É mesmo! Comi exageradamente, falou o Hamster ainda sonolento, acabei pegando no sono.


Aí o Hamster lembrou:

- Nossa, temos que ir embora! Vamos nos despedir da nossa amiga rainha.

Encontraram o jovem novo rei rodeado pelos convidados, que faziam fila para cumprimentá-lo, pela coragem de enfrentar tão grande perigo e pela vitória sobre as queixadas.

Aí o Hamster falou:

- Temos que ir embora. Se ficarmos na fila para cumprimentar o Rei Jaguar II, não vai dar tempo. Já já vai clarear o dia. Vamos nos despedir apenas da nossa velha amiga, a Rainha Onça Pintada I.

Assim que viram a rainha, o Hamster disse para ela:

- Estamos indo embora. Ficamos muito felizes por seu filho valente e destemido. É um rei digno de Vossa Majestade.

- Eu agradeço a vocês três, disse a rainha, agora estou muito contente e satisfeita. Você tinha razão, a Aninha com sua flauta mágica fez meu filho o meu sucessor. Estou velha, cansada e nunca enfrentaria aquelas queixadas baderneiras. Quero presentear Aninha com este raminho de pequenas florzinhas azuis.



- São lindas, obrigado, adorei, disse Aninha.

- Adeus, minha amiga rainha, disse o Hamster, assim que pudermos, voltaremos. Manda nossos comprimentos para o seu filho.

E assim foram embora.                                                 

E no meio do caminho Aninha disse:

- Ei, Hamster, esqueceu que eu tenho que virar um ratinho.

- É mesmo, estava tentando lembrar que eu tinha uma coisa para ser feita... Mas, Aninha, não estou conseguindo lembrar os números atômicos...

- Como assim não consegue lembrar?

- Acho que estou ficando velho.

- Tenta lembrar, disse Aninha aflita.

- Estou tentando mas os números aritméticos estão incorretos!

- Usa o seu raciocínio lógico, disse Aninha apreensiva, já está clareando o dia.

- Dá mais um tempo, Aninha, acho que eu dormi demais.

Aí a gatinha Gigi vendo a angústia de Aninha falou:

- Hamster, esses números atômicos não seriam por acaso XXX-005-ZÁS-XXX-004-TRÁS Três, Dois, Um, Já?!!!


Ao falar isso houve uma explosão, uma grande fumaceira e Aninha virou um ratinho.

- Como você descobriu minha fórmula secreta? questionou o Hamster, desconfiado e curioso.

- É simples, usei o bom senso e solucionei o problema com facilidade.

A alegria da Aninha foi imensa:

- Obrigada, agradeceu beijando a Gigi com carinho. Que alívio, você foi muito espertinha!

- Agora temos que ir embora bem rapidinho, disse o Hamster.

E assim fizeram tudo de volta, desceram a montanha, o peixe Pirarucu já estava esperando, passaram pelo espinheiro, não viram a estátua, que não estava mais lá – no local de antes –, passaram pela grade e conseguiram chegar antes do sol nascer.

Estavam tão cansados, exaustos e ofegantes, que dormiram na sala quando Aninha foi acordada pelo seu avô.



- Acorda, Aninha, o dia já amanheceu.

Aninha acordou assustada, olhou para suas mãos, seus pés e ficou aliviada. Já não era mais um rato.

- Que bom te ver avozinho, levantou e abraçou ele com carinho.

- Que felicidade, Aninha, ontem eu saí e comprei um casaco vermelho para você, veio com um broche de bichinho, espero que goste.


- Que lindo, vou experimentar!

- Vou te ajudar, disse o vovô. Nossa um espinho na sua roupa! Espera, vou tirar.

- Um espinho, vovô? Obrigada por tirar. Eu também trouxe um presente para colocar no seu jardim.

- Que lindas flores, são miosótis. Sempre quis ter no meu jardim. Na primavera o meu jardim vai ficar lindo. Onde você as encontrou?

- É segredo, vovô.

Depois de regar as flores, o vovô chamou a Aninha.

- Aninha, no Jardim da Luz haverá uma grande festa, vamos até lá?

- Que festa é essa vô?

- Vão comemorar a inauguração de uma linda estátua que veio da França, estão fazendo suspense, gostaria de ver.

- Uma estátua que veio da França! Claro, vou pôr o meu casaco vermelho e vamos já, vovozinho.

Aninha deu uma piscada para o Hamster e a Gigi.

Assim, lá foram eles ver a estátua numa alegria só.

Quando chegaram tinha realmente uma grande festa.

Lá estava a estátua num pedestal.

A estátua ouviu o som da flauta e reconheceu logo a Aninha e deu um grande sorriso.

- Sabia que vocês viriam me ver, estou muito feliz, disse a estátua.

- Eu também, respondeu Aninha. E estou ainda mais contente, pois este jardim é o caminho da minha escola e aí vou poder te ver todos os dias.

- Que bom, disse a estátua sorrindo, mas da próxima vez me convida para a próxima aventura.

- Claro, que vou te convidar, disse Aninha.

Depois de algum tempo, todos estavam felizes, mas já anoitecia quando foram embora.

- Vozinho, perguntou a Aninha, você viu a estatua conversando comigo?

- Desculpe, minha netinha, eu estava distraído.

Aninha então sorriu para os seus dois amiguinhos e foi tocando sua flauta mágica pelo caminho entre as árvores gigantescas cheias de flores.



*****
Ilustrações: Sabrina Paloma (Aninha, Rainha Onça, Pirarucu, Queixada e Estátua), Annina Ramona (Gigi, HamsterMenina Rato); Paula Vanessa (Vovô, Escaravelho e casaco vermelho); e Jean (Jaguar).

Revisão: Nilza, Diego, Paula Vanessa e Jean.

Nota dos editores do blog: A Floresta Amazônica é um patrimônio da humanidade, vital para a sobrevivência do planeta, da fauna e da flora. Coube aos brasileiros a missão honrosa de cuidar e proteger a floresta, mas os recentes desastres ambientais e incêndios na Amazônia reacenderam um alerta de que não estamos fazendo direito nosso dever de casa. A data 29 de novembro é o Dia Internacional da Onça Pintada e durante todo o mês de novembro haverá homenagens ao maior felino das Américas para nos lembrar de que devemos preservar o meio ambiente e a fauna silvestre que está em risco de extinção.



Este bicho-preguiça (abaixo) foi visto em cima de um ponto de ônibus na cidade do Guarujá, São Paulo. Temos que respeitar a casa dos bichinhos e não invadir a área de proteção ambiental para fazermos as nossas cidades. Assim, todos ficam felizes!