quinta-feira, 6 de novembro de 2025

🎭 A Comédia Setecentista em Signos: A Força Irreverente de Guerras de Alecrim e Manjerona

Esta ilustração em estilo satírico e detalhado, evocando gravuras do século XVIII, procura sintetizar os temas centrais e as figuras típicas da peça "Guerras de Alecrim e Manjerona" de António José da Silva.  1. O Pano de Fundo da Intriga (Fundo e Cenário) O Castelo da Nobreza Decadente: No centro, domina uma torre ou castelo que está claramente em ruínas, corroído e abandonado. Este castelo simboliza a decadência da fidalguia e da honra do século XVIII, que a peça satiriza. O poder é frágil e a glória é obsoleta.  As Espadas e o Conflito: Várias espadas estão enterradas na estrutura da torre ou jogadas no chão. Elas representam as "guerras" do título (os conflitos de honra e a rivalidade entre os ranchos Alecrim e Manjerona), mas o facto de estarem abandonadas ou quebras sugere que o conflito é inútil ou de natureza cómica, e não épica.  O Abismo da Avareza: Na base da cena, há uma linha de água escura, quase um abismo, onde rostos de figuras sofrendo ou grotescas se afogam. Isso pode simbolizar o destino das almas presas pela avareza e pelo vício (como D. Lançarote). A moralidade e a justiça (os valores que Lançarote ignora) estão a ser engolidas.  2. A Comédia e a Graça (Esquerda) O Cavaleiro (D. Fuas ou D. Gilvaz): A figura central na esquerda, vestida com uma armadura (símbolo de fidalguia) mas a tocar um alaúde, representa os jovens galantes. O alaúde associa a figura à música e ao amor cortês, elementos centrais da ópera joco-séria. A sua postura é mais calma, representando a busca pelo afeto.  O Criado Astuto e a Criada (Semicúpio e Sevadilha): As figuras atrás e ao lado do cavaleiro podem ser interpretadas como os criados, especialmente Semicúpio, o "gracioso", peça-chave nos estratagemas. Eles estão a apoiar o galante, sugerindo o papel dos criados em manipular a situação para garantir o final feliz.  As Flores (Alecrim e Manjerona): O arbusto de rosas (e a sua folhagem) crescendo à esquerda simboliza o amor e a natureza. Embora sejam rosas, servem para representar o ambiente floral da peça, indicando a presença dos símbolos do Alecrim e da Manjerona que identificam as damas e dão nome ao conflito.  3. A Sátira Social e a Cegueira (Direita) O Avarento Cego (D. Lançarote): A figura na direita, também com trajes que sugerem nobreza ou riqueza, mas com os olhos vendados, representa a cegueira moral causada pela avareza e pela obsessão com a riqueza. Esta figura caminha perigosamente à beira do abismo (o rio/inferno moral), ilustrando a crítica de António José da Silva àqueles que desprezam a honra e o amor em favor do dinheiro.  Os Pássaros Agourentos: As figuras de pássaros escuros no céu, sob uma meia-lua, adicionam um elemento de presságio trágico, aludindo ao destino final do próprio autor (António José da Silva, "O Judeu"), executado pela Inquisição pouco depois de escrever a peça. Este elemento insere o tom sério na ópera joco-séria.  Em resumo, a ilustração capta o contraste entre a leveza da intriga amorosa e a dura crítica social e moral (a corrupção e a avareza) que António José da Silva habilmente escondeu por trás da música e da comédia de Guerras de Alecrim e Manjerona.

No turbulento cenário cultural do século XVIII português, onde o domínio da ópera italiana e as sombras da Inquisição se cruzavam, emerge a obra-prima satírica de António José da Silva, "O Judeu": Guerras de Alecrim e Manjerona. Estreada em 1737, esta peça, classificada como uma "ópera joco-séria", transcende a simples comédia de costumes. É um vibrante afresco social que utiliza o humor, a música e a intriga para tecer uma crítica mordaz à fidalguia decadente, à avareza burguesa e às hipocrisias da sociedade lisboeta da época.

Para quem busca compreender a transição cultural e a vitalidade do teatro português pré-romântico, mergulhar nas Guerras de Alecrim e Manjerona é fundamental. É aqui que o autor, com sua genialidade tragicomicamente interrompida pela intolerância religiosa, consolida o seu estilo inconfundível.

🇵🇹 António José da Silva: O Gênio por Trás da Guerras de Alecrim e Manjerona

António José da Silva, conhecido historicamente como "O Judeu" devido à sua ascendência cristã-nova e sua trágica condenação pela Inquisição, foi um dos dramaturgos mais populares e inovadores do seu tempo. As suas obras, feitas para o popular Teatro do Bairro Alto, em Lisboa, diferiam da ópera séria italiana por serem cantadas em português e usarem figuras de fantoches (bonecos) em algumas encenações, misturando o erudito com o popular.

O Estilo Joco-Sério e a Paródia Musical

As obras de António José da Silva são definidas como óperas joco-sérias — um género que equilibra o humor e a sátira (joco) com a seriedade temática ou a complexidade musical (séria).

  • Música e Ironia: A música, muitas vezes de autoria de compositores contemporâneos como Francisco António de Almeida, era usada para parodiar as convenções da ópera italiana. Árias de afeto, repletas de coloratura (ornamentação vocal), eram aplicadas a situações ridículas ou personagens cômicos, criando um contraste irónico que realçava a sátira.

  • O Popular e o Culto: O autor fundia a tradição vicentina da comédia de costumes (representada pelas figuras de criados astutos e fidalgos avarentos) com o aparato e a estrutura musical da ópera erudita.

🌿 O Enredo: Intrigas, Amores e o Conflito dos Ranchos

A peça Guerras de Alecrim e Manjerona baseia-se na rivalidade cómica entre dois grupos ou "ranchos" de Carnaval, batizados com o nome das ervas aromáticas que usavam como insígnias: Alecrim e Manjerona. Este conflito é o pano de fundo para uma intriga amorosa e social cheia de enganos.

Personagens e Relações Centrais

A trama principal gira em torno de quatro jovens e um casal de criados astutos:

  • As Damas: D. Nise e D. Clóris, sobrinhas do avarento Lançarote. Elas são ligadas, respetivamente, aos ranchos do Alecrim e da Manjerona.

  • Os Galantes: D. Fuas e D. Gilvaz, fidalgos pobres, mas apaixonados, que cortejam as jovens.

  • O Avarento: D. Lançarote, o tio que impede o casamento das sobrinhas por avareza, planejando casá-las com o rico D. Tibúrcio, primo delas.

  • Os Criados: Semicúpio (o gracioso, cheio de "genica" e responsável por grande parte dos estratagemas) e Sevadilha (criada de Clóris, alvo dos galanteios de Semicúpio).

O Motor da Comédia

O enredo avança através de uma série de disfarces e equívocos:

  1. Disfarces para o Encontro: D. Fuas e D. Gilvaz disfarçam-se para entrar na casa de D. Lançarote e cortejar as amadas. As jovens são reconhecidas pelos ramos de alecrim e manjerona que trazem consigo.

  2. Sátira ao Avarento: A avareza de D. Lançarote é o obstáculo central. Ele chega ao ponto de desejar o suicídio por uma falsa desonra do sobrinho, mas a avareza triunfa rapidamente sobre a honra, especialmente quando lhe roubam um capote, desencadeando fúrias cômicas.

  3. A Sátira Social e a Medicina: O criado Semicúpio, disfarçado de médico, protagoniza uma das cenas mais satíricas, ridicularizando a retórica vazia e a ignorância dos médicos da época, que pouco sabiam de medicina e muito de "verborreia".

No final, com a ajuda dos criados, os equívocos são desfeitos, os casais são formados (Fuas e Nise, Gilvaz e Clóris), e Semicúpio casa-se com Sevadilha, cumprindo a tradição da comédia com um final feliz.

🔎 Temas Centrais e Crítica Social

Guerras de Alecrim e Manjerona é um importante documento da cultura setecentista, pois oferece uma visão crítica e irónica dos males sociais da época:

Crítica à Decadência Fidalga e à Avidez Burguesa

  • Avareza (Don Lançarote): O personagem de D. Lançarote é uma caricatura do burguês avarento, que valoriza o dinheiro acima do amor e da honra. Esta figura tipológica é central na comédia de costumes.

  • A Pobreza Honrada (D. Fuas e D. Gilvaz): Os pretendentes representam a fidalguia empobrecida, que precisa recorrer a estratagemas para vencer a barreira social imposta pela riqueza.

  • A Astúcia dos Criados: Semicúpio e Sevadilha são herdeiros da tradição do "gracioso" (o zanni da Commedia dell'arte), que usam a inteligência e a agilidade para manipular os patrões e garantir a felicidade dos casais jovens, simbolizando uma crítica social que vem de baixo.

O Uso Simbólico do Alecrim e da Manjerona

As duas ervas aromáticas remetem a costumes carnavalescos e ranchos populares, mas também carregam simbolismos:

  • Rivalidade Cómica: O conflito entre os dois "ranchos" (Alecrim vs. Manjerona) serve para introduzir a intriga de forma ligeira e popular.

  • Amor e Sorte: Tradicionalmente, o alecrim e a manjerona são associados a superstições e rituais de amor e boa sorte, elementos essenciais para a concretização dos casamentos na peça.

❓ Perguntas Frequentes sobre a Obra

O que significa o título Guerras de Alecrim e Manjerona?

O título refere-se à rivalidade cómica entre dois grupos de foliões do Carnaval de Lisboa no século XVIII (os "ranchos") que usavam o alecrim e a manjerona como seus símbolos de identificação.

Por que António José da Silva era chamado de "O Judeu"?

António José da Silva era de ascendência judaica (cristão-novo). O apelido "O Judeu" foi-lhe atribuído devido aos seus processos e eventual condenação e morte pela Inquisição portuguesa, que o perseguiu por prática judaizante.

Qual é a importância da peça no teatro português?

A obra é vital por ser uma das primeiras e mais bem-sucedidas óperas joco-sérias escritas e cantadas em português, marcando a transição do teatro clássico para uma forma mais popular, satírica e musical, precursora do que viria a ser o teatro romântico português.

Conclusão: Um Espelho do Setecentos

Guerras de Alecrim e Manjerona permanece uma das comédias mais vivas e relevantes do teatro português. Através do engenho e da música de António José da Silva, o público do século XVIII podia rir das suas próprias misérias, da avareza dos ricos e da vaidade dos poderosos. A sua capacidade de satirizar costumes e a sua estrutura inovadora garantem que o legado das Guerras de Alecrim e Manjerona continue a ressoar, um testemunho da genialidade do "Judeu" e um marco indelével na literatura lusófona.

🎭 Descrição da Ilustração: Guerras de Alecrim e Manjerona (Ópera Joco-Séria)

Esta ilustração em estilo satírico e detalhado, evocando gravuras do século XVIII, procura sintetizar os temas centrais e as figuras típicas da peça "Guerras de Alecrim e Manjerona" de António José da Silva.

1. O Pano de Fundo da Intriga (Fundo e Cenário)

  • O Castelo da Nobreza Decadente: No centro, domina uma torre ou castelo que está claramente em ruínas, corroído e abandonado. Este castelo simboliza a decadência da fidalguia e da honra do século XVIII, que a peça satiriza. O poder é frágil e a glória é obsoleta.

  • As Espadas e o Conflito: Várias espadas estão enterradas na estrutura da torre ou jogadas no chão. Elas representam as "guerras" do título (os conflitos de honra e a rivalidade entre os ranchos Alecrim e Manjerona), mas o facto de estarem abandonadas ou quebras sugere que o conflito é inútil ou de natureza cómica, e não épica.

  • O Abismo da Avareza: Na base da cena, há uma linha de água escura, quase um abismo, onde rostos de figuras sofrendo ou grotescas se afogam. Isso pode simbolizar o destino das almas presas pela avareza e pelo vício (como D. Lançarote). A moralidade e a justiça (os valores que Lançarote ignora) estão a ser engolidas.

2. A Comédia e a Graça (Esquerda)

  • O Cavaleiro (D. Fuas ou D. Gilvaz): A figura central na esquerda, vestida com uma armadura (símbolo de fidalguia) mas a tocar um alaúde, representa os jovens galantes. O alaúde associa a figura à música e ao amor cortês, elementos centrais da ópera joco-séria. A sua postura é mais calma, representando a busca pelo afeto.

  • O Criado Astuto e a Criada (Semicúpio e Sevadilha): As figuras atrás e ao lado do cavaleiro podem ser interpretadas como os criados, especialmente Semicúpio, o "gracioso", peça-chave nos estratagemas. Eles estão a apoiar o galante, sugerindo o papel dos criados em manipular a situação para garantir o final feliz.

  • As Flores (Alecrim e Manjerona): O arbusto de rosas (e a sua folhagem) crescendo à esquerda simboliza o amor e a natureza. Embora sejam rosas, servem para representar o ambiente floral da peça, indicando a presença dos símbolos do Alecrim e da Manjerona que identificam as damas e dão nome ao conflito.

3. A Sátira Social e a Cegueira (Direita)

  • O Avarento Cego (D. Lançarote): A figura na direita, também com trajes que sugerem nobreza ou riqueza, mas com os olhos vendados, representa a cegueira moral causada pela avareza e pela obsessão com a riqueza. Esta figura caminha perigosamente à beira do abismo (o rio/inferno moral), ilustrando a crítica de António José da Silva àqueles que desprezam a honra e o amor em favor do dinheiro.

  • Os Pássaros Agourentos: As figuras de pássaros escuros no céu, sob uma meia-lua, adicionam um elemento de presságio trágico, aludindo ao destino final do próprio autor (António José da Silva, "O Judeu"), executado pela Inquisição pouco depois de escrever a peça. Este elemento insere o tom sério na ópera joco-séria.

Em resumo, a ilustração capta o contraste entre a leveza da intriga amorosa e a dura crítica social e moral (a corrupção e a avareza) que António José da Silva habilmente escondeu por trás da música e da comédia de Guerras de Alecrim e Manjerona.

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