sábado, 23 de junho de 2018

O menino que caiu no infinito

Por Nilza Monti Pires
Revisão: Jean e Nilza
Ilustrações: Paula Vanessa
Annina Ramona
Sabrina Paloma

Pedrinho era um menino alegre e muito curioso.

Morava numa cidadezinha cheia de pássaros, ruas arborizadas e flores por todo lado. Um lugar aprazível, encantador, quase mágico.

 

Todas as manhãs, logo cedinho, saía para empinar sua pipa. Era o que mais gostava de fazer.

Numa rodinha de amigos, um deles falou:

- Sabia que o céu não tem fim?

O outro respondeu:

- Não tem mesmo, o céu é infinito.

Pedrinho ficou intrigado e pensou:

“Como não tem fim? A minha pipa vai tão alto que chega até o fim. Vou provar a eles que o céu tem um fim”.

Naquele dia lá foi ele empinar a sua pipa, que foi tão alto que quase chegou nas nuvens, mas logo em seguida começou a perder força caindo rapidinho.

Pedrinho ficou aborrecido mas não desanimou.

No dia seguinte, saiu com a sua pipa mais otimista.

“Hoje vou conseguir. Vou exibir com orgulho como ela vai longe”.

Mal subiu, a pipa rasgou, começou a rodar, a rodar, descendo em zigue e zague, até cair. Desta vez, foi pior ainda!

Pedrinho ficou desolado novamente. Não teve sorte.

Voltou para casa imaginando como melhorar a sua pipa. Aí teve a seguinte ideia: colocar mais linha e aumentar a cauda de papel colorido, deixando uma rabiola bem bonita.

O dia amanheceu quente e ensolarado. O céu bem azul.

Pedrinho saiu confiante, cheio de esperança. Afinal, o tempo colaborava. Com certeza, hoje a pipa iria alcançar ao fim do infinito.



Saiu feliz da vida com sua linda pipa, com a rabiola colorida de fazer gosto!

Pedrinho subiu até na árvore para ficar mais alto.

E a sua pipa foi subindo, subindo, subindo... Subiu tão alto que ultrapassou as nuvens, até quase não se ver.

Pedrinho ficou tão ansioso que queria tocar no final do céu, saber o que tinha lá.

Amarrou a linha num galho de árvore e resolveu subir pela forte linha de sua pipa.

Estava fascinado com o desconhecido. Foi subindo até chegar pertinho da pipa, onde as nuvens passavam. Pedrinho tentava olhar o fim.

De repente, aconteceu o inesperado! O céu escureceu, ficando quase noite. Deu um grande estrondo, estremecendo o céu. Aí começou uma chuva torrencial, acompanhada de relâmpagos e trovões. Veio uma rajada de vento tão forte que cortou a linha da sua pipa, que começou a rodar, girar, serpentear, levando Pedrinho para bem longe daquele lugar.

Mas bem longe, pois não parava mais de rodar com vento.

Depois de muito tempo rodando, o vento foi diminuindo e a pipa começou a cair, cair, cair...

Por sorte, Pedrinho caiu suavemente numa grama bem macia, numa floresta azul escura. A lua erguia-se brilhando e as primeiras estrelas começaram a brilhar.

Pedrinho ficou pensativo, sentado olhando as estrelas quando ouviu um ruído na mata, um rumor, um farfalhar das folhagens, que balançavam. Viu que estava sendo observado. Viu também os rostos sobre as folhas de muitos anõezinhos que um por um apareceram em sua volta, ficando totalmente rodeado por eles.
Todos olhavam espantados.

- Quem são vocês? Perguntou Pedrinho.

- Nós moramos aqui - responderam um dos anõezinhos. E você quem é?

Pedrinho disse:

- Eu caí aqui. Que lugar é este?

- Aqui é a nossa casa - responderam-lhe.

- Vocês estão com medo de mim? Indagou o menino.

- Não! Você é do nosso tamanho e igual a gente - retrucou um dos anõezinhos.

- É porque ainda sou uma criança, por isso que ainda sou pequeno.

Um anãozinho questionou:

- Você mora perto daqui?

- Não - disse Pedrinho - moro muito longe.

- O que então veio fazer aqui, num lugar tão distante, se mora muito longe?

- Vim procurar o infinito – retrucou Pedrinho.

- O infinito!!! Exclamaram os anõezinhos e todos riram.

Um dos anõezinhos então falou:

- Pelo que sabemos, esta terra não tem fim. É a perder de vista. Mas nós não saímos daqui, não temos coragem.

- Eu preciso ir - disse Pedrinho. Minha pipa rasgou, preciso consertá-la. Por acaso, vocês têm um papel impermeável?

- Não temos - respondeu um dos anõezinhos. Vivemos na floresta e não precisamos de nada.

- Que pena! Então vou ter que ir embora. Vocês poderiam me indicar qual é o melhor caminho para sair daqui?

- O melhor caminho?! Qualquer caminho é muito extenso e perigoso - disse um dos anõezinhos.

- Perigoso?!!! Exclamou Pedrinho.

- Sim, qualquer direção ou caminho que você for, vai encontrar na floresta árvores gigantes, seres repugnantes, plantas pegajosas, cheias de espinhos, com folhas que soltam uma gosma grudenta que prendem você. Além disso, você vai ter que atravessar um lamaçal repleto de cobras venenosas e jacarés, onde um nevoeiro denso, envolto de trevas, onde mal se vê a um palmo do nariz.

- Não posso ficar aqui. Tenho que voltar para a casa. De qualquer maneira, antes preciso ir e encontrar o fim do infinito.

- O fim do infinito? Mas o infinito tem fim? Tem certeza? Se quiser pode ficar aqui. Gostamos de você – indagou um anãozinho.

- Agradeço, mas tenho que ir - enfatizou Pedrinho.

- É teimoso mesmo. Esse aí tem ideia fixa – resmungou um anãozinho.

- E teimoso mesmo - confirmou um outro.

- Se vocês querem vir comigo também - disse Pedrinho - a tarefa é divertida.

- Ficamos aqui mesmo - responderam.

- Então, adeus meus amigos. Obrigado por tudo e pelo conselho também.

Dizendo isso, Pedrinho se despediu.

- Adeus e boa sorte! Disseram os anõezinhos.

Pedrinho andou pela escuridão durante muito tempo. Lá pelas tantas, sentiu um perfume agradável. No caminho, lindas flores, um gramado muito verde, atraente e convidativo.
Pedrinho continuou caminhando, parecia tudo tranquilo. E aí começou um som metálico infernal e uma terrível ventania. As folhas das árvores começaram a voar, a floresta inteira se mexia e as folhas pegajosas se moviam para lá e para cá.

E, num instante, as folhas agarraram Pedrinho, grudando-o da cabeça aos pés.

- Me solta! Me solta! Gritava Pedrinho, desesperadamente. Estou ficando sufocado, sem ar. Me solta!

Pedrinho, quase já se fôlego, com voz abafada e sem força para gritar, ainda tentava desesperadamente se soltar. Já não aguentava mais e murmurou:

- Por favor, solte-me, preciso encontrar o infinito!

Assim que ele falou “infinito”, a floresta parou de se mexer, as folhas grudentas abriram-se, o vento se acalmou e voltou tudo como era antes.

Livre, Pedrinho sentiu-se aliviado e pôde continuar sua jornada. Sorte dele!

Pedrinho pensou:

“Por que será que a floresta voltou ao normal quando falei infinito?”

Mesmo assim, Pedrinho queria sair daquele lugar o mais depressa possível.

Depois de andar ainda no escuro, muito cansado e com fome adormeceu ali mesmo.

Quando acordou, já estava claro e o sol bem forte. Pedrinho deparou-se, bem na sua frente, com um castelo.



- Que sorte! - exclamou Pedrinho - Um castelo! Estou faminto, vou até lá. Quem sabe alguém bondoso me dá alguma coisa pra comer?

Chegando em frente do portão do castelo, Pedrinho tentou tocar a campainha, mas não tinha nem sino nem nada. Bateu na porta e ninguém atendeu. Resolveu entrar devagarinho, sem fazer barulho. A princípio, ficou escondido. Achou estranho o silêncio e aí viu sentado num trono um rei, com longas barbas brancas e com uma cara amarrada. De vez em quando, o rei bocejava, fazendo um forte barulho, entediado.



Pedrinho ficou com receio de chamar o rei. O castelo era mal iluminado, sombrio, esquisito, nada generoso. Achou melhor ir embora. Ao sair, Pedrinho esbarrou numa mesinha deixando cair um vaso de metal que fez um barulho ensurdecedor.

- Quem está aí? Perguntou o rei enfezado, gritando com raiva.

- Quem está aí? Perguntou novamente o rei irritado.

- Sou eu, majestade, me chamo Pedrinho. Desculpe por ter deixado cair o seu vaso, foi um acidente.

- Como entrou aqui, sem bater na porta? Falou o rei com uma voz áspera, soltando gritos de cólera - Você é muito ousado e atrevido!!!

- Majestade, o senhor me interpretou mal. Andei pela floresta à noite inteira e sem querer vim parar aqui. Estou cansado e com fome.

- Ah! desculpa ardilosa, que petulância! Você veio aqui para tirar a minha paz. É cheio de astúcias. Sei que está interessado é neste castelo. Isto é uma emboscada!

- Vossa Alteza, o senhor me interpretou mal outra vez. Não estou interessado no seu castelo. Só vim procurar o fim do infinito.

- O fim do infinito? Está zombando de mim? Infinitooo... Lá vem você com essa ladainha! Você é um charlatão. Esta terra não tem limites, não tem fim, é toda minha. Você é um impostor, veio aqui para me insultar. Guardas! Guardas! Prendam este bisbilhoteiro atrevido. Prendam-no numa jaula, dê umas chicotadas e, se ele reagir, pode feri-lo com farpas.

Pedrinho ficou tão apavorado que reuniu todas as suas forças para fugir. Fugiu numa velocidade incrível e desapareceu rapidinho, com sua pipa a balançar. Nem deu tempo para os guardas pegá-lo.

Pedrinho correu, correu, correu, até não poder mais. Cansado e com fome, sentou-se embaixo de uma árvore frondosa para descansar. Nesse momento, o sol já sumia do horizonte e Pedrinho adormeceu profundamente e só acordou com a claridade do dia seguinte. Estava aborrecido e parecia que nada dava certo. Recordou-se então no que se passou no castelo.

- Queria me explicar, mas não consegui. Que rei mais intolerante, peçonhento, que língua solta!

Na brisa daquele dia, o ar exalava um cheiro agradável, saboroso, que invadia a floresta.

Pedrinho pensou de onde vinha aquele aroma tão delicioso e tão doce e foi seguindo-o, levado pelo cheiro. Ficou surpreso com o que viu. Um vilarejo isolado, várias pessoas, mulheres, homens e crianças, todos bem gordinhos, andando pra lá e pra cá, com as mãos cheias de doces. Um lugar agradável onde havia uma mesa ao ar livre repleta de atraentes guloseimas, como sonhos de chocolate, tortas de morango, suspiros e confeitos coloridos colocados sobre bolos de vários sabores.

- Hum, que delícia! Murmurou Pedrinho, com água na boca. Tenho medo de me aproximar. E se tiver aí também um rei excêntrico e antissocial?

Pedrinho estava distraído pensando quando foi surpreendido por duas meninas que logo avisaram a mãe.
Pedrinho ficou sobressaltado e apavorado e foi logo dizendo:

- Já estava indo embora, só estava de passagem. Não sou intrometido - disse Pedrinho.

- Tenha calma, garoto - disse a mãe das meninas - ninguém vai te fazer mal. Fica tranquilo, somos da paz.

- O que você está fazendo aqui? Perguntou uma das meninas.

Elas nem quiseram saber a resposta. A mãe já foi logo dizendo:

- Nossa, como você é magrinho! Deve estar com fome.

- Sim, estou com muita fome - retrucou Pedrinho.

- Então vem com a gente, que também vamos comer.

Pedrinho estava com tanta fome que se esqueceu de tudo o que passou e foi logo avançando em todos os quitutes até não aguentar mais de tanto comer.

Passaram o dia comendo, cada minuto vinha um doce diferente e no fim do dia um belo sorvete de creme com cobertura de marshmallow.

Pois Pedrinho comeu tanto que deu tanto sono que dormiu ali mesmo, no pé da árvore.

No dia seguinte, aquele cheirinho de café! Pedrinho se levantou e viu uma mesa repleta de deliciosos pãezinhos e bolos recheados.

Pedrinho não resistiu e não parou mais de comer. Ficara muito tempo na floresta sem comer e, agora, com todos aqueles doces Irresistíveis, todas aquelas delícias, ainda mais na companhia de pessoas tão amáveis!

No dia seguinte, a mesma coisa. Milk de chocolate e manjar de calda caramelada, na hora do café da manhã. Ao meio dia, no almoço, mais alimentos de toda sorte. No lanche da tarde, bolos e quindins. E a noite, lá vêm mais iguarias! 

Todo o vilarejo vivia dançando, cantando, e fazendo seus quitutes, felizes, sempre alegres. Pedrinho até se esqueceu do infinito. A todo instante vinha uma coisa gostosa. Pedrinho já estava se acomodando.

- Quem bom, Pedrinho, agora está mais gordinho - disse a mãe das meninas - todos aqui tem muita afeição por você. Se quiser, pode ficar morando aqui.

Pedrinho agradeceu muito e parou e pensou.

Aí Pedrinho se deu conta que ia comer tanto e ficar tão pesado que a sua pipa não iria aguentar seu peso e, assim, não poderia voltar mais para a sua casa.

Quando estava de noitinha, como sempre, trouxeram mais comida, justamente o bolo que mais gostava: chocolate com castanhas e confeitos coloridos.

Pedrinho pensou na mãe e no pai e no irmãozinho. Como estariam sentindo a falta dele!

- Como esse bolo é atraente, mas tenho que ir! Preciso ir embora. Mas como vou falar isso para as irmãs, tão bondosas? Vão ficar chateadas. Não quero magoá-las. Aqui é tão aconchegante, mas tenho que ir embora... Já sei o que vou fazer!

Quando elas dormiram serenamente, Pedrinho saiu de mansinho. Pegou uns confeitos, pôs no bolso, e pegou também sua pipa. Ante de ir, deixou uma mensagem por escrito num papel:

“Sinto muito deixar vocês, mas tenho que ir embora. Meus pais devem estar preocupados comigo. Agradeço de coração! Seus doces maravilhosos são os melhores que já comi. Deixo esta flor como gratidão. Obrigado, vocês são maravilhosas”.

Pedrinho então refletiu consigo mesmo:

- Só quando elas acordarem vão ler este bilhete. Vão ficar triste, mas entenderão.

Novamente na floresta, não se via nada, era uma escuridão! Mesmo assim Pedrinho continuou andando à noite inteira. Sonolento, dormiu ali mesmo, na grama.

Só acordou com os raios de sol muito forte do meio dia.

Levantou sossegado, pois passou uma noite tranquila. Tirou os confeitos que tinha no bolso, comeu e continuou até que chegou à margem de um rio assustador. Era um rio imenso, com muita turbulência e uma cachoeira gigantesca, que impedia qualquer pessoa de chegar do outro lado.

Pedrinho pensou em voltar. Mas passar por toda a floresta outra vez?

- Como vou atravessar este rio?

Pedrinho começou a chorar tão alto quando ouviu um sussurro, de uma voz suave:

- Ei, não chores, que vou te ajudar.

Pedrinho ficou espantado, perplexo e confuso. Quando viu uma linda sereia; metade mulher, metade peixe, de cabelos aloirados e com rabo azulado.



- Você é uma sereia? Perguntou Pedrinho.

- Sim. Ouvi o teu choro e vim te ajudar.

- Preciso atravessar este rio, mas não vou conseguir. Ele é muito grande e tem uma correnteza muito forte.

- Mas o que vai fazer do outro lado? Perguntou a sereia.

- Estou procurando o fim do infinito.

- O fim do infinito? A seria ficou quieta, não comentou nada, apenas disse: - Vamos que vou te ajudar atravessar o rio.

No começo, Pedrinho ficou com medo de cair na água, mas não havia outra saída e resolveu tentar.

- Segure bem firme e não tenha medo.

E assim Pedrinho o fez e numa rapidez incrível a sereia levou Pedrinho para o outro lado da margem do rio.

Assim que atravessou aquele rio tão violento, sentiu Pedrinho um grande alívio e ficou tão satisfeito que agradeceu tanto a linda e gentil dando-lhe um forte abraço de despedida.

- Você está bem? Perguntou a seria.

- Estou ótimo. Obrigado.

- Adeus – disse a sereia – tome cuidado.

Pedrinho de longe ainda ouviu o canto suave e melodioso da bela sereia.

Já era bem de tardinha, já estava escurecendo, e Pedrinho andava com sua inseparável pipa oscilando ao vento.

Anoiteceu.

A noite estava bem escura, um nevoeiro só, e no meio da mata, de longe, Pedrinho viu uma luzinha acesa e uma fumaça saindo de uma chaminé de uma cabana.

Pedrinho pensou: “Quem estaria a estas horas da madrugada acordado?

Lembrou-se do rei extravagante, caprichoso e grosseiro. Também lembrou daqueles bolos recheados... Hum! Que delícia!

Não seria melhor esperar amanhecer para ver quem é?

E cansado não tardou muito para dormir. Acordou só então com o dia claro.

Levantou com fome. Comeu os últimos e poucos confeitos que restaram.

Curioso foi olhar de onde vinha aquela luz na madrugada e, para seu espanto, era uma casinha que ainda saía fumaça pela chaminé.

- Desta vez não vou entrar. Vou dar uma espiadela pela janela. Por via das dúvidas, vou bem devagarinho e aí olhar pelo vidro da janela.

Pedrinho se assustou com o que viu. Um caldeirão de água fervendo, uma bagunça para todo o lado, ratos, moscas esverdeadas e, no centro da sala, sentada numa cadeira de balanço, uma velha encurvada, com um nariz bem cumprido, unhas enormes e um corvo no ombro dela. Por toda a casa, uma enorme quantidade de aranhas pretas, outras com listas vermelhas, amarelas, azuis, e teias que iam de uma parede à outra, cobrindo todo o teto. Era uma bruxa.



- Ih! Vou ter que sair daqui o quanto antes. Na certa é uma bruxa, vou virar comida.

Pedrinho agachou e foi saindo silenciosamente. Ah! Pedrinho nem percebeu a bruxa atrás dele.

- Peguei o danado! Disse a bruxa, com os olhos vidrados e concentrados, boca salivando, às gargalhadas. Segurava Pedrinho com suas unhas enormes. Ha! Ha! Ha! Ha! Hoje vou dar boa comida para meus adoráveis bichinhos.

Pedrinho ficou aterrorizado, desesperado. Pensou que ia virar almoço de aranha. Havia aranha por todo lugar, dentro e fora da casa. Até as árvores estavam cobertas de teias de aranha.

- Me largue! Me largue! Gritou Pedrinho, se esforçando para sair.

Para a sorte dele, a ponta da sua pipa espetou a bruxa. Espetou com tanta força que ela deu um grito horrível, soltando Pedrinho.

Pedrinho saiu correndo e, com a ponta de sua pipa, desvencilhou-se das teias, arrebentando-as todas.

Correu por uma longa distância, o dia todo até chegar noite.

Já estava tão escuro quando Pedrinho tropeçou numa cobra.

- Ai! Ai! Exclamou a cobra. Veja aonde pisa.

- Você é uma cobra?! E você fala?

- Sim, eu falo. Sou uma cascavel.

- Desculpe por ter pisado em você. Estava escuro e eu não vi.

Os primeiros raios de sol surgiam. O dia já clareava e já se sentia aquele ar de alfazema da manhã.

- Quem é você? Disse a cobra.

- Sou Pedrinho.

- O que está fazendo aqui?

- Eu vim procurar o fim do infinito.

- O infinito tem fim? Disse a cobra. Mas o infinito não tem fim.

- Tem sim! Exclamou Pedrinho.

- Eu sou o infinito - disse a cobra.

- Infinito!!! Exclamou Pedrinho. Você é apenas uma cobra. 

Ao dizer isso, o menino deu uma risadinha.

- Você está rindo? Eu sou mesmo o infinito - indagou a cobra.

Nesse momento chegou o sapo, o macaco, a tartaruga, o cavalo e os demais animais da floresta.

- Como estava dizendo, veja como sou o infinito. Coloco minha cabeça no meu rabo e aí viro uma roda. E se você entrar nessa roda, vai andar, vai andar, vai andar, vai andar... e nunca vai parar, nunca vai encontrar um fim. Portanto, sou o infinito.



- Você é uma cobra, como posso acreditar?

- Pode acreditar - disse o sapo - a cobra está certa. Se entrar na roda, nunca vai encontrar um fim. Vai correr, vai correr... E quanto mais longe você for, vai sempre chegar ao mesmo lugar.

- Ah! mas se você dobrar - indagou Pedrinho - aí vai ter um fim.

- Se eu dobrar – disse a cobra – também nunca vai encontrar o fim. Olha só: você começa e termina no mesmo lugar. Roda que nem pião e assim por diante e, portanto, você pode voltar para casa, pois encontrou o infinito.



O gato, a coruja, a tartaruga, todos os bichos presentes concordaram com a cobra.

- Pode acreditar - novamente falou o sapo - isto é aritmética. São cálculos.

Passou um elefante, com seu filhotinho, e cumprimentou os animais e Pedrinho:

- Bom dia, meus amigos!

Pedrinho, fascinado, perguntou:

- Todos os animais aqui falam?

- Sim, todos nós falamos.

- E se eu fosse um pouquinho mais adiante na floresta? Indagou Pedrinho.

- Vai acabar chegando na aldeia dos anõezinhos – disse o sapo.

- Dos anõezinhos!!! Exclamou Pedrinho.

Ai Pedrinho pensou: “É então verdade, vou ficar rodando, rodando, rodando e nunca chegar num fim. Vou encontrar o fim e aí recomeço tudo outra vez”.

Aí Pedrinho falou para a cobra.

- Cobra, você tem razão, preciso voltar para a casa, mas como vou voltar se a minha pipa está quebrada?

Então Pedrinho pediu para o cavalo levá-lo, porque ele corre bastante.

- Não posso - respondeu o cavalo - é longe e perigoso.

O burro falou:

- Não olhe para mim. Eu nem pensar.

A tartaruga falou:

- E eu ando muito devagar.

O macaco falou:

- É preciso ter muito espírito de aventura para ir.

- E agora - Pedrinho falou - não tenho saída.

Pedrinho começou a chorar, e não parava mais. Chorou tão alto que chamou a atenção de umas gaivotas que ali passavam.

As gaivotas ouviram o choro e desceram.

- Que choro é este? Perguntaram.

- O que está fazendo aqui, menino? Como veio parar neste lugar?

- Vim procurar o infinito.

- Onde é sua casa? Perguntou a cobra, que tinha subido no galho de uma árvore, com seu chocalho na cauda.
- Nem sei mais onde fica - disse Pedrinho chorando.

O sapo falou:

- Veio procurar o infinito e agora não sabe mais voltar?!!! Agora, não adianta se lamentar.

- Mas nós sabemos – responderam as gaivotas – sempre voamos por cima casa dele. Ele está sempre empinando a sua pipa. Pare de chorar que vamos te levar.

Pedrinho ficou feliz de saber que ia voltar para sua casa.

- Vamos reunir todas as gaivotas e juntas puxaremos você pelo ar até a sua casa. Pegue sua pipa e aí vamos.

- Obrigado – disse Pedrinho aos bichos. Você é a melhor cobra que já conheci.

Pedrinho aparentava muito cansado.

E assim voaram, levando Pedrinho amarrado à rabiola da pipa até a sua casa. 

Pedrinho estava tão cansado, fatigado, que adormeceu. As gaivotas o deixaram dormindo em baixo da árvore e voaram felizes.

- Pedrinho, acorda – disse sua mãe – está na hora do banho. Você dormiu embaixo da árvore.

- Puxa, dormi?

Olhou para o céu e viu as gaivotas ainda voando entre as nuvens.

- Mãe! Estas gaivotas me salvaram. Caí no infinito, era outro lugar bem longe, não conseguia mais sair de lá e elas me trouxeram até aqui. Elas sabiam onde eu morava. Também a cobra foi muito gentil. Falou que ela era o infinito, demonstrou-me isso matematicamente, e eu acreditei. Outra coisa: todos os animais no infinito falam.

- De onde tirou essa ideia, meu filho, se eu vi você dormir o tempo todo embaixo desta árvore? Você sonhou. Criou tudo na sua imaginação.

- Então eu sonhei, mãe? Mas e os anõezinhos, a floresta pegajosa, o rei mal humorado, as irmãs e suas guloseimas, a linda sereia e sua voz melodiosa, a bruxa e suas aranhas famintas, a sábia cobra e seu amigos animais, as gaivotas que me trouxeram...???

- Tem perguntas que não têm respostas, Pedrinho.

- Mãe, de onde vem este cheiro de bolo saindo do forno?

- Então, justamente por isso que vim te acordar. Eu fiz aquele bolo de chocolate com castanhas de caju e confeitos coloridas que você tanto gosta.


E Pedrinho e sua mãe foram para casa.


sexta-feira, 15 de junho de 2018

O fim dos dias dos namorados - Fecaloma punk

A pós-modernidade liquidou o amor. Para que haja amor, é preciso relações constantes e relativamente estáveis. Perante a fragmentação de todas as relações sociais, o amor à primeira vista é, na pós-modernidade, impossível. Ama-se a cada encontro, uma pessoa diferente de cada vez; depois, a separação sem volta. Histórias como Romeu e Julieta são interditadas na pós-modernidade, pois aqui o que importa são as sensações imediatas e voláteis. O amor, ao contrário, é um sentimento duradouro, quase religioso, metafísico. É possível amar para sempre e nunca ser correspondido, mas não na pós-modernidade. No mundo de hoje, as relações são efêmeras e não duram mais que uma noite. É o fim do dia dos namorados.

A canção da banda Fecaloma “Fins de semana de solidão” parece traduzir bem o espírito das relações amorosas na pós-modernidade.


Fins de semana de solidão
Por acaso eu te encontro
Longe de mim
Às vezes, me olha
Fica na sua
E me provoca
Mas nas horas que se vão
Não há tempo pros nossos sonhos
Eu chego junto
E você foge
Desentendida
Me mata de vontade

Porque só temos essa noite
Amanhã te perderei nas multidões

Fins de semana de solidão
Por acaso eu te encontro
Me desespero
Você disfarça
Eu imploro
Você acha graça
E Nas horas que se vão
Não há tempo pros nossos sonhos
Mais um pouco
Não sei se te vejo
Me dê uma chance
Ou te roubo um beijo

sexta-feira, 1 de junho de 2018

Schopenhauer por Thomas Mann - parte (3)

(conclusão) A bondade é positiva. Faz obra de amor. Age, assim, por uma razão que sente profundamente: se não o fizesse, julgar-se-ia semelhante a um homem que jejuasse hoje a fim de ter amanhã mais do que pode consumir. É exatamente assim que pensaria o "homem de bem", se deixasse os outros na indigência, enquanto ele próprio vivesse na abastança. Para ele, o véu de Maia tornou-se transparente; desapareceu a grande ilusão que dá à vontade dispersa nos fenômenos a aparência de gozar aqui e sofrer ali, quando é sempre a mesma vontade e o mesmo tormento que ela causa e sofre ao mesmo tempo. O amor e a bondade são compaixão, nascida do conhecimento do "Tat twan asi", do "Isto, és tu", do gesto que levanta o véu de Maia. Já o dissera Spinoza: "Benevolentia nihil aliud est, quam cupiditas ex commiseratio orta", "a bondade não é mais que o amor nascido da compaixão". Mas daí resulta claramente que, se a justiça se ergue até à vontade, pode esta por sua vez se alçar ainda, não somente até ao amor mais desinteressado e ao mais generoso sacrifício, mas na verdade, até à santidade. Porque, quando um homem chegou a tal conhecimento do amor, considera o sofrimento de tudo que vive como o seu e se apropria da dor do mundo inteiro. Vê o Todo a vida, contradição interna da vontade e sofrimento que não cessa a humanidade sofredora, a animalidade sofredora, e o conhecimento da coisa em si torna-se para ele um alívio do querer. Nele, a vontade se desviara da vida, porque, já que a sua compaixão refletida o obriga a negá-la, como poderia aprovar ainda compreendendo aí a si próprio, o querer viver, de que a vida é a obra, a expressão e o espelho? A resolução que chegado a tal compreensão, toma um homem é a da renúncia, da resignação, da suprema impassibilidade. Nele se realiza a passagem da virtude para o nobre paradoxo da ascese, um grande paradoxo, na verdade; porque acontece então que uma individuação da vontade renega o ser que nela aparece e que se exprime por seu corpo, que seus atos desmentem sua aparência e entram em luta aberta com ela. O asceta recusa-se a satisfazer a libido: sua castidade é o signo de que, com a vida desse corpo, a vontade, de que ele é a manifestação, igualmente se anula.  Como definir o santo? Aquele que não faz nada de tudo que deseja e faz tudo que não deseja. Ora, a castidade ascética, tornada regra geral, acarretaria o fim da espécie humana. Mas, dada a estreita ligação de todas as manifestações da vontade, a mais alta de todas, o homem, em sua queda, arrastará também seu débil reflexo, a animalidade, e, como assim todo conhecimento se suprimiria, o mundo inteiro - pois sem sujeito não há objeto - por si mesmo cairia no Nada. O homem é, em potência, o salvador da natureza. É por isso que Angelus Silesius, o místico, exclama Homem! Todas as coisas te amam e correm para ti: Tudo corre para ti para chegar a Deus.

Por paradoxal que possa parecer, malgrado toda a sua misantropia e todas as suas palavras e queixas sobre o estado de corrupção da vida em geral, como sobre o caráter grotesco do gênio humano em particular, apesar do desespero que o acabrunha quando vê a miserável companhia em que caímos pelo fato de termos nascido homens, Schopenhauer tem, no entanto, e culto do homem, tal como o concebe. Enche-se de altiva veneração humana em presença deste "coroamento da criação" que, para ele, como para o autor da Gênese, significa o homem, a mais alta e a mais adiantada objetivação da vontade. Esta mais importante forma de seu humanismo caminha inteiramente a par com seu ceticismo político, sua oposição à Revolução, e tacitamente concorda com eles. Para ele, o homem é venerável, porque é o ser capaz de conhecer. Certo, todo conhecimento, em princípio, se submete à vontade, pois dela emerge, como a cabeça do tronco. Nos animais jamais se pode suprimir esta sujeição da inteligência. Veja-se, porém, somente a diferença entre o homem e o animal, no que respeita à situação da cabeça em relação ao tronco. Nos animais inferiores, ambos se fundem e, em tortos, a cabeça se volta para a terra, onde se encontrará os objetos do querer; nos próprios animais superiores, a cabeça e o tronco são ainda muito mais unidos que no homem, em quem a cabaça (aqui Schopenhauer diz o "chefe" e não a cabeça aparece superposta livremente a ele e trazida por ele, sem estar a seu serviço. “‘O Apelo’ de Belvedere representa no mais alto grau esta superioridade do homem: a cabeça do Deus das Musas, cujo olhar vai longe, ergue-se tão livremente sobre os ombros que parece ter-se escapado do corpo e ter-se libertado do cuidado de servi-lo".

Podem-se fazer mais humanas associações de ideias? Não é em vão que Schopenhauer vê a dignidade do homem na estátua do Deus das Musas. É uma visão profunda e particular, unindo a arte, o conhecimento e a “dignidade do sofrimento” humano, que se revela nesta imagem; é um “humanismo pessimista” que, pois o humanismo tem essencialmente a colaboração de um otimismo de retórica, representa qualquer coisa inteiramente nova e, ouso afirmá-lo, uma visão de futuro fecunda no domínio das convicções. No homem, suprema objetivação da vontade, este humanismo é iluminado pelo conhecimento; mas, à medida que o conhecimento atinge maior nitidez, que a consciência se eleva, também o sofrimento cresce e este, por sua vez, em graus diferentes segundo os indivíduos; é no homem de gênio que se eleva mais alto. "O que determina a hierarquia é a aptidão para sofrer profundamente" - escreveu Nietzsche, seguindo sem reserva e até o fim o aristocratismo do sofrimento de Schopenhauer, doutrina segundo a qual a vocação do homem e do gênio, sua mais alta distinção e seu enobrecimento, é o sofrimento. Resultam desta vocação as duas grandes possibilidades que o humanismo de Schopenhauer consigna ao homem; chamam-se arte e santidade. Puramente humana é a possibilidade do estado estético, contemplação das Ideias libertada da vontade; humana e unicamente humana é a possibilidade de uma redenção definitiva, quando a vontade de viver se nega a si mesma para se elevar mais alto que o artista, até à santidade ascética. Ao homem é outorgada a possibilidade da correção, que anula o grande erro e engano do ser: intuição suprema, que lhe ocorre quando chama a si todo o sofrimento do mundo e quando pode conduzi-lo à resignação é à inversão da vontade. Assim, o homem é a esperança secreta do mundo e de todas as criaturas; é para ele que, por assim dizer, todos os seres correm, cheio, de confiança; é para ele que todos levam os olhares, como para o seu possível redentor e salvador.

Concepção de grande beleza mística, em que se exprime um respeito humano pela, missão do homem, prevalece sobre a misantropia de Schopenhauer, sobre todo o seu desgosto dos homens, e os retifica. É o que me importa: a união do pessimismo e do humanismo, a experiência espiritual, que revela a Schopenhauer que se pode admitir a um sem excluir ao outro e que se pode ser pessimista sem necessidade de ser bem falante ou um lisonjeador da humanidade.

O que nos põe em guarda, quando tentados a tomar ao pé da letra o humanismo de Schopenhauer é sua concepção apolínea e clássica da vontade; o que, antes, no seu caso, como em tantos outros, nos força a estabelecer distinção entre a opinião e o ser, a não confundir o homem com seus juízos, é seu "extremismo", a grotesca dualidade, a contradição interna de sua natureza, que se deve chamar romântica, no sentido mais pitoresco da palavra, e que da esfera de Goethe o afasta muito mais do que podaria ele ter consciência disso.

Raramente haverá título mais expressivo, mais exaustivo que o de sua obra-prima, sua obra única no fundo, pois desenvolve seu único pensamento: porque tudo o mais, tudo o que ele escreveu durante os setenta e dois anos de sua vida, não foram mais que peças de confirmação obstinadamente reunidas, arrimos de reforço. "O mundo como vontade e representação": não é somente este pensamento, condensado na fórmula mais curta; é também o homem, o ser humano, a pessoa, a vida, o sofrimento. Nele, os impulsos da vontade, sobretudo     os     da     voluptuosidade, devem       ter         sido  particularmente  fortes         e perigosos, torturantes como as imagens mitológicas de que se serve para pintar a escravidão da vontade; sem dúvida, corresponderam elas à sua violenta necessidade de conhecimento, à sua espiritualidade clara e poderosa, mas opondo-se-lhes de maneira tal que o resultado, caricatural em alto grau, foram a dualidade radical e terrível e o despedaçamento da experiência, o mais profundo desejo de salvação, a negação espiritual da própria vida, a acusação contra seu Eu, mau, errado e culpado. Para Schopenhauer, a libido é o "foco da vontade'", em sua objetivação corporal o polo oposto ao cérebro, que representa o conhecimento. Se, visivelmente, tivessem as duas esferas um poder que de muito ultrapassasse o médio, os únicos beneficiados seriam a plenitude e a força de sua natureza considerada no totalidade; o que precisamente faz dele um pessimista e um negador do mundo são unicamente as relações entre as duas esferas, sua total oposição, que vai até à hostilidade, que tende à exclusão de uma delas e traz o sofrimento; essa relações, além disso, não impedem que se chame ao seu pessimismo o produto espiritual da plenitude e da força, mal compreendida. A dualidade de sua natureza, sensível aos antagonismos e aos conflitos, atormentada e violenta, fá-lo sentir o mundo a um tempo como instinto e espírito, paixão e conhecimento, "vontade" e "representação". Como não descobriu ele em sua arte, em seu gênio, a unidade deste mundo? Por que não compreendeu ele que o gênio não é de maneira alguma o silêncio da sensualidade e a ostentação da vontade, de que a arte seria a objetivação pelo espírito, mas a união e a interpenetração das duas esferas, união que encanta mais que, isoladamente, a cópula ou o espírito? O estado de artista, de criador será, nele mesmo, mais que a sensualidade espiritualizada e o espírito tornado genial da libido? Goethe viu e viveu tudo isso muito diferentemente que o pessimista Schopenhauer: de maneira mais feliz, mais sã, mais serena, "mais clássica", menos patológica - tomada a palavra não no sentido clínico, mas no espiritual - quero dizer, pois, menos romântica. Para ele, volúpia e espírito, "a ideia e o amor" constituíam o mais poderoso e o mais nobre encanto da vida, e escrevia: "Porque a vida é o amor, e a vida da vida, é o espírito". Em Schopenhauer, ao contrário, o crescimento genial de ambas as esferas termina no ascetismo. Para ele, a volúpia perturba diabolicamente a contemplação pura e o conhecimento renega a volúpia, ordenando-lhe: "Se teu olho te escandaliza, arranca-o". Conceber o conhecimento como a "paz de espírito", a arte como o apaziguamento, como o estado de contemplação "pura", que salva o homem, salvando-se pelo aniquilamento da vontade, e o artista como o esboço do santo, que definitivamente se alforriou da vontade, tal é a ideia de Schopenhauer. Repitamo-lo ainda: na medida em que tende para uma objetividade apolínea, esta concepção do espírito e da arte se encontra com a de Goethe, apresenta caráter clássico. Mas seu extremismo e seu ascetismo são nitidamente românticos, tomada esta palavra em sentido oposto ao do gosto de Goethe, que conhecemos melhor por suas atitudes a respeito de Heinrich von Kleist; é com sentimentos semelhantes que ele deve ter lido “O mundo como vontade e representação”: concordando com alguns resultados e reagindo “hipocondriacamente” – e, assim, abanando a cabeça, ele o colocou de lado; sabemos que ele, depois de ímpeto inicial de interesse e curiosidade, não chegou a ler o livro até o final.

O estranhamento de um grande homem em relação a outro, que é egoísmo necessário, não deve nos desorientar. Goethe também unificava em si, de uma maneira mais venturosa, o clássico e o romântico – e essa é até uma das formulas com que se pode exprimir a grandeza. Com Schopenhauer, não é diferente: a unificação dessas duas direções do espírito também deve ser contabilizada mais como saldo do que como prejuízo para sua grandeza – já que, de fato, a grandeza unifica, condensa, resume uma época. Schopenhauer condensa muita coisa, sua doutrina abriga muitos elementos: idealistas, da filosofia da natureza e até do panteísmo; e que sua personalidade seja forte o bastante para amarrar esses elementos, como também o clássico e o romântico, fundindo-os em algo totalmente novo e único, de modo que não se possa falar nem de longe de ecletismo, eis o que é decisivo. 

No fundo, é certo, os termos de uma alternativa como "clássico" e "romântico", não calham a Schopenhauer: nem um nem outro exprime toda sua alma, que não é contemporânea dos homens para os quais esses conceitos opostos representavam ainda um papel. Está muito mais perto de nós que os espíritos que se preocupavam com esta diferença e se classificavam segundo ela; a forma de espírito de Schopenhauer, a sensibilidade e o ardor excessivos de seu gênio, cujo dualismo é caricatural, são menos românticos que modernos; desejaria dizer muito com esta designação, mas relacionando-a totalmente com uma alma moderna, cujo calvário só é bastante visível neste século entre Goethe e Nietzsche. Desse ponto de vista, Schopenhauer toma lugar entre um e outro: mais moderno, mais doloroso, mais complicado que Goethe, mas muito mais "clássicos", mais robusto, mais sadio que Nietzsche, ele operou a transição; pode-se, pois, deduzir daí que o otimismo e o pessimismo, a afirmação ou a negação da vida nada têm a ver com a saúde e a doença. A saúde e a doença, se as considerarmos como juízo de valor, só com muita precaução podem ser aplicadas à espiritualidade humana, porque são conceitos biológicos e a natureza do homem não se reduz ao biológico.

Schopenhauer, psicólogo da vontade, é o pai de toda a psicologia moderna, dele se vai, pelo radicalismo psicológico de Nietzsche, em linha reta a Freud, assim como àqueles que concluíram sua psicologia do inconsciente e a aplicaram às ciências do espírito. O anti-intelectualismo e o antissocratismo de Nietzsche não são mais que a afirmação filosófica e a glorificação do primado da vontade, descoberta por Schopenhauer e da intuição pessimista que o fez designar um lugar secundário à inteligência, serva da vontade. Esta intuição, esta verificação - que não é precisamente humana no sentido clássico - de que a inteligência está simplesmente às ordens da vontade, para provê-la de motivos, frequentemente muito pouco fundados e falaciosos para racionalizar os instintos, contém uma psicologia cética e pessimista, uma ciência da alma impiedosamente lúcida que não somente preparou os caminhos ao que chamamos psicanálise, como já é esta própria psicanálise. No fundo, toda psicologia desmascara; é o olhar penetrante, irônico do naturalista, que penetra as relações enganadoras do espírito e do instinto. Isso corresponde per- feitamente à conivência mística da natureza nas “Afinidades eletivas”, em que Goethe faz Eduardo dizer, já enamorado, após seu primeiro encontro com Odila: "Ela tem muito espírito", e sua mulher lhe responde: "Muito espírito? Mas ela não abriu a boca!" Schopenhauer por certo gostou desta passagem. É uma amável ilustração, ainda classicamente serena, da frase em que declara que a gente não quer uma coisa porque a reconhece boa, mas que se julga boa porque se quer.

Ele mesmo afirma, por exemplo: “No entanto, é preciso notar que, para nos enganarmos a nós mesmos, nós cometemos aparentes precipitações, que na verdade são secretamente ações refletidas. Pois não enganamos e bajulamos ninguém com artimanhas mais finas do que a nós mesmos.” Nessa observação incidental estão contidos “in nuce” capítulos inteiros e até volumes da psicologia analítica do desmascaramento – da mesma maneira que, posteriormente, muitos conhecimentos e descobertas freudianas são com frequência antecipados como relâmpago nos aforismos de Nietzsche. Numa palestra em que fiz sobre Freud em Viena, observei que o reino sombrio da vontade schopenhaueriana é completamente idêntico àquilo que Freud chamou de “inconsciente”, de “isso” – assim como, por um lado, o “intelecto” de Schpenhauer corresponde inteiramente ao “eu” freudiano, a essa parte da psique voltada para o mundo externo.

A verdadeira razão que nos faz hoje retomar Schopenhauer e examinar sua concepção do mundo, o motivo que nos leva a evocar sua fisionomia espiritual, com tudo que ela lembra, diante de uma geração que não sabe grande coisa dele, são as relações do pessimismo e da humanidade. É o desejo de transmitir aos homens do tempo presente, nos quais o sentimento de humanidade atravessa grave crise, a experiência pessoal da união particular contraída pela melancolia e pela altivez do humano nesta filosofia. O pessimismo de Schopenhauer é sua humanidade. Sua explicação do mundo pela vontade, sua intuição da onipotência dos instintos, o rebaixamento da razão outrora divina, do espírito, da inteligência, reduzida a não ser mais que o instrumento da vida que quer afirmar-se, tudo isso é anticlássico e, em essência, inumano. Mas sua humanidade, sua espiritualidade residem precisamente no matiz pessimista de sua doutrina, que o leva a renegar o mundo e a pregar um ideal ascético; no fato de que esse grande escritor, versado em sofrimento, cuja prosa é a da grande época de nossa civilização humanista, tirou o homem do elemento biológico e da natureza, fez de sua alma, que sente e conhece, o teatro da inversão do querer e viu nele o salvador possível de todas as criaturas.

Em seu primeiro terço, o século XIX foi uma reação total contra o racionalismo e o intelectualismo clássicos; comprovou-se numa admiração do inconsciente, numa glorificação de instinto, que julgava dever à "vida" e que somente preparou assaz, para os instintos maus dias felizes... Frequentemente o pessimismo consciente se mudou então em prazer de prejudicar, o reconhecimento de verdades amargas pelo espírita transformou-se em ódio e em desprezo do próprio espírito e, sem a menor generosidade a seu respeito, a gente se pôs do lado da vida, isto é, do lado do mais forte; porque, se uma coisa é certa e provada, é exatamente esse fato de nada ter a vida a temer do espírito, e do conhecimento e que, na terra, o espírito não a vida, tem o míni- mo de força e a maior necessidade de proteção.

Mas a própria anti-humanidade atual é, afinal, uma experiência humana, uma resposta unilateral aos eternos problemas da essência e destino do homem. Visivelmente ela precisa de um corretivo que restabeleça o equilíbrio, e eu creio que a filosofia evocada aqui pode hoje prestar bons serviços. Chamei Schopenhauer de “moderno"; deveria ter dito "futuro". Os elementos que compõem sua personalidade, sua harmonia claro-escura, a mistura de Voltaire e de Jacó Böhme, o paradoxo de sua prosa clássica e clara, que revela o mais profundo, o mais noturno abismo, sua altiva misantropia, que jamais renega seu respeito pela ideia do homem, em suma, o que eu chamei sua humanidade pessimista, aparece-me rico de futuro e promete talvez, à sua construção teórica, que esteve na moda e foi célebre, caindo depois em semiesquecimento, uma ação nova, profunda e fecunda, sobre os homens. Sua sensualidade espiritual, sua doutrina - que era vida - segundo a qual conhecimento, pensamento, filosofia não são apenas ocupação de cabeça, mas do homem inteiro - coração e sentidos, corpo e alma - em uma palavra, o que dele faz um artista, tudo isso pode ajudar a produzir-se uma humanidade que ultrapassa a aridez da razão e deificação do instinto. Porque sempre, companheiro do homem na jornada que penosamente o conduz a si mesmo, a arte atinge primeiro o objetivo.



Schopenauer por Thomas Mann – Parte 2

O nascimento da tragédia - resumo comentado

terça-feira, 15 de maio de 2018

The Cure - curiosidades

The Cure foi formado, em 1976, na cidade de Crawley, subúrbio de Londres, Inglaterra, por Robert Smith, voz e guitarra, Michael Dempsey, baixo, e Laurence “Lol” Tolhurst, bateria. A banda passou por diversas formações desde então, mas Robert Smith foi o único que permaneceu desde sua origem até os dias atuais.


A banda revelou pela primeira vez seus cabelos de espanadores e visual dark durante a turnê do álbum "Pornography", em 1982. No final da turnê, o baixista Simon Gallup saiu da banda. Ao se recordar do fato, Robert Smith faz uma autocrítica: “Eu era uma pessoa monstruosa naquela época”.

A canção "Lullaby" foi inspirada nas músicas de ninar bizarras que o pai de Robert Smith inventava quando Robert era uma criança e não conseguia dormir. Segundo o cantor: “Meu pai inventava essas canções e os finais eram sempre assustadores. Mais ou menos assim: ‘Durma agora, lindo bebê – ou amanhã você não vai acordar’".

Por um breve período, no ano de 1989, o Cure foi a maior banda do mundo. Naquele ano, a venda de ingressos em megaestádios se esgotava rapidamente e a banda se apresentava para públicos que somavam mais de 40 mil pessoas por show. Smith é sóbrio ao analisar aquele ano: "Nunca foi nossa intenção nos tornarmos tão grandes".

Em suas primeiras turnês, em 1979, o Cure abria os shows da banda Siouxsie And The Banshees. Devido a um desfalque na banda da musa do gótico, Robert Smith se ofereceu para ser um Banshee, sendo imediatamente aceito. Para Robert Smith, esta experiência mudou profundamente a sua atitude musical: “Foi muito diferente do que estávamos acostumados a fazer com o Cure. Antes disso, eu queria que fôssemos como os Buzzcocks ou Elvis Costello. Ser um Banshee realmente foi um divisor de águas para o Cure”.

Robert Smith é casado com Mary, sua namorada de infância, há mais de 30 anos. Mas o casal nunca teve filhos.

Durante a gravação do álbum mais vendido do The Cure, "Disintegration", de 1989, Robert Smith ficou sobrecarregado por pensamentos sombrios, causados por uma combinação de depressão e uso pesado de LSD. Aliás, a bebida foi um grande problema na vida do artista.

Em um show do Cure em Los Angeles no ano de 1986, um fã enlouquecido subiu no palco e começou a se cortar com uma faca. Robert Smith relata: "Foi muito sério, mas os fãs acharam que era um tipo de performance artística e ficaram enlouquecidos".

Na turnê de lançamento de Pornography, álbum mais sombrio do The Cure, a banda usava maquiagem de olhos vermelhos, de modo que, quando suavam sob as luzes, parecia que os integrantes da banda estavam chorando sangue.


terça-feira, 8 de maio de 2018

Des-Tino - teatro

Florisa é uma jovem mulher casada com um empresário bem sucedido. Sua vida é monótona e por isso ela resolve voltar a estudar. Na faculdade, conhece pessoas diferentes que irão mudar a sua vida para sempre. “Des-Tino” é uma história de amor composta para a dramaturgia. Confira o texto completo no site: