Quem
não saía da SEX era Steve Jones. Steve, então um marginal proletário, andava
numa de roubar carro. Com seu companheiro inseparável, Paul Cook (que também
frequentava a loja de Malcolm desde 1971, quando tinha 15 anos), Steve conta
como a dupla roubava uma bateria completa e como essa bateria fora carregada
numa camioneta (também roubada). Sem contar os amplificadores que a dupla
roubou. Uma vez, quando David Bowie estava fazendo um show apoteótico tipo despedida
de carreira, a dupla Cook & Jones roubou simplesmente 13 microfones, 16
guitarras e o amplificador Sun de
Mick Ronson (o guitarrista de Bowie). Encurtando: essa dupla tanto roubou que,
como “honra ao mérito”, em 78 Paul Cook e Steve Jones voariam até o Rio de
Janeiro para um encontro com Ronald Biggs, o ladrão mais famoso da Inglaterra,
lendário assaltante do trem pagador inglês e que escapara sensacionalmente da
prisão, fugira da Inglaterra e agora vivia no Rio, casado com uma mulata
ex-passista de escola de samba.
Mas,
voltando ao começo e à formação da primeira banda punk. Bem equipados, Steve Jones & Paul Cook – guitarra o
primeiro e bateria o segundo – trataram de
arranjar um baixista: Glen Matlock, que trabalhava como vendedor na SEX. O trio
ensaiava músicas dos anos 60, especialmente material do The Who e do Small
Faces. Malcolm McLaren é convidado e aceita empresariar o trio. E todos ficam
conhecendo John Lydon, que aparece na SEX. Steve Jones leva John até um
toca-disco-caça-níquel, põe uma moeda e manda John acompanhar a música. Aprovado
no teste, dali mesmo vão para o ensaio. John leva um choque com o som de sua
voz amplificada. Nunca tinha pensado em cantar numa banda.
E
o quarteto continua ensaiando. A banda já tem nome: SEX PISTOLS. Por causa dos
dentes estragados, John Lydon passa a ser tratado por Johnny Rotten e assume. A
essa altura Malcolm McLaren já está encorajando a banda no sentido de que os
garotos escrevam músicas sobre suas atitudes e outras coisas que lhes digam
respeito. Musicalmente, Matlock é omais criativo; e Rotten é o poeta que começa
a escrever letras abrasivas.
A
primeira apresentação da banda acontece em novembro de 1975. O resultado é amador
mas Malcolm começa a criar um culto em torno de seus “protegidos”. E a banda
vai melhorando. Em pouco tempo, onde quer que se apresentem, os Pistols vão
causando surpresas e abrindo cabeças. 1975 vai chegando ao fim. Nesta noite a
banda está se apresentando no velho Nashville
– uma cervejaria que em sua fase áurea só apresentava música country &
western (uma espécie de música sertaneja americana). Hoje, o público presente
não tem nada de “caipira”. A maioria está no Nashville para ver os Sex Pistols.
O grupo divide o programa com outra banda, a “101”. Assistindo à apresentação dos
Pistols, Joe Strummer, guitarrista da “101”, decide deixar esta banda e formar
seu próprio grupo: The Clash.
E
vão crescendo esses grupos. Outras bandas punks começam a se formar. Malcolm McLaren
é bem relacionado com a vanguarda de Londres e particularmente com o artista
colunável Andrew Logan, cujo baile-competição “Miss Mundo Alternativa”
proporciona anualmente um dos eventos mais hilariantes da cidade – um cabaré
pirado para artistas, pseudos e a ala decadente chique: gente fascinada por
qualquer tipo de acontecimento sub-Warhol.
Nessa
noite, em fevereiro de 76, em vez do tradicional concurso de travestis, a
atração maior da festa de Andrew Logan é um grupo adolescente, excitante e
diferente: os Sex Pistols. Os convidados ficam fascinados com a agressividade da
banda e intrigados com o nome do cantor, Johnny Rotten. E como tem muita gente
da imprensa na festa, no dia seguinte os Sex Pistols lá são notícias.
Anarquia no Reino Unido
Glen
Matlock, por causa de sua educação pequeno-burguesa, continua tretando com Johnny
Rotten; Glen é contrário ao idealismo do grupo e sai da banda. Sai Glen e em
seu lugar, como baixista, entra Sid Vicious. Sid, o melhor amigo de Johnny. Assim
o grupo parece perfeito. Duas duplas: Cook & Jones e Rotten & Vicious.
A
banda assina com a VIRGIN. E lança God
Save The Queen às beiras do Jubileu da Rainha, em 15 de junho de 77. A música é uma feroz
agressão e uma grande provocação. E a voz de Johnny Rotten passa, melhor que
nunca, a mensagem punk, arrepiando a Inglaterra inteira. A letra da música
começa assim: “Deus salve a Rainha/ e seu regime fascista”. E continua “Deus
salve a Rainha/ Ela não é um ser humano” e “Não há futura na Inglaterra”.
É
a política do confronto em plena semana comemorativa. Não pode ser mais
shakespeareano, não pode ser mais teatral. A rainha é a estrela máxima do
Império nesta semana em que celebra seus 25 anos de reinado. E a outra
figura-estrela nesta mesma semana é Johnny Rotten. Faltam dois dias para o
Jubileu. God Save The Queen, ocompacto, está em segundo lugar no hit parade. No dia do Jubileu os Sex
Pistols chutam fora Rod Stewart e se ocupam do primeiríssimo lugar. E a realeza
não tem como evitar a evidência da revolta da ralé. E ao contrário do conto de
fada, no qual o anão fazia vênia à rainha, aqui o Joãozinho Podre mandou uma
cusparada na imagem da soberana e os punks ainda espetam um alfinete de fraldas
no sorriso dela. Perfeito.
(BIVAR,
Antonio. “O que é punk” in:Coleção Primeiros Passos, Editora
Brasiliense: São Paulo, 1982, pp. 43-46 e pp. 62-64).
O povo, afirma Tolstói em seus primeiros ensaios educacionais, é autossubsistente, não só no plano material, como também no espiritual. A canção folclórica, a Ilíada, a Bíblia nascem dele e, portanto, são inteligíveis para todos os homens, em todos os lugares, o que não é o caso do maravilhoso poema Silentium, da autoria de Tiuttchev, de Don Giovanni ou da Nona Sinfonia. Se existe um ideal do homem, ele não se situa no futuro, mas no passado. Outrora existiu o Jardim do Éden e nele habitava a criatura humana ainda não corrompida, como a Bíblia e Rousseau concebiam. Houve então a queda, a corrupção, o sofrimento, a falsificação. (Isaiah Berlin, Tolstói e o Iluminismo).
AULA
Apesar do livro se chamar
Anna Karenina, o que nos induz a pensar numa narrativa que verse sobre uma
personagem feminina tão somente, há, no livro, outra história paralela, que se
desenrola em um nível mais profundo, com alguns pontos de intersecção com o
enredo central situado na superfície, e que é tão importante ou mais que a
história da personagem que intitula a obra. Trata-se da vida de Nicolai
Dmitrievitch Lievin. De fato, seu nome poderia ser um subtítulo ou até mesmo o
título oculto do livro e, à medida que avançamos a leitura do romance, tal
personagem masculino vai ganhando relevo, assim como, em termos metafóricos,
gravuras planas e abstratas que vão adquirindo profundidade e forma conforme a
vista vai perdendo a perspectiva. Na lógica interna do romance, Lievin é a
sombra de Anna e sua presença aparece como o negativo dela, para intestinamente
emergir e desconstruir a temática que transita em primeiro plano, fato que nos
faz questionar se não é ele o verdadeiro protagonista do romance. Pode ser até
um pouco arriscado o que eu vou dizer. Mas Lievin poderia ser perfeitamente bem
o alter-ego do próprio autor, Leon Tolstói. Como eu disse, Lievin é o
contraponto de Anna Karenina. Sua antítese. Suas trajetórias partem de pontos
opostos, cruzam-se, e se distanciam em direções contrárias. De passado
dissoluto, Lievin se regenera; enquanto Anna, uma mulher casada, ao contrário,
se degenera. Este é o mote do romance. Normalmente, lemos as epígrafes dos
livros quase como um adorno, um capricho do autor. Peço a vocês,
encarecidamente, para não cometer esse equívoco. A epígrafe de “Anna Karenina”
nos é bem reveladora, quase uma profecia. Escreve Tolstói (deixa eu ler aqui
para vocês): “Minha é a vingança, e a recompensa” (Deuteronômio, XXVII, 35). Ou
seja, esta sentença terrível pode resumir toda a minha arguição. Também não é
por mero acaso a citação extraída dos textos bíblicos. Há um panorama religioso
de fundo pelo qual darei ensejo à minha interpretação. Anna Karenina é casada,
mas Tolstói não esconde o quanto o conde Alexei Alexandrovich Karenin, esposo
de Anna, é um homem terrível, frio, insensível, indiferente, egoísta,
orgulhoso, péssimo pai, mais preocupado com a honra e carreira do que qualquer
outra coisa etc., etc., etc. Todavia, a princípio, Anna fez um voto sagrado com
este homem, o do matrimônio, e como tal deve se manter virtuosa. Virtude, sim,
do latim uir ou vir, daí viril, homem, o que implica dizer: privar-se da
feminilidade. Pois, na tradição religiosa, judaico-cristã, patriarcal, a mulher
carrega em seu âmago o germe da transgressão ao desobedecer à única interdição
no Gênesis: o conhecimento. De certo modo, conhecer é amadurecer, emancipar e,
principalmente, libido. Segundo a tradição, é a mulher quem toma a iniciativa e
conspira contra a ordem divina no Éden. Ou seja, a liberdade feminina é um
perigoso fator desestruturante das relações hierárquicas. Nas sociedades
arcaicas, a função da mulher se restringe à procriação, e daí um sistema de
controle e vigilância sobre sua conduta que constitui o núcleo de toda uma
política de estabilização social em torno do pátrio poder. As mulheres são
arroladas entre os bens do clã patrilinear, enquanto propriedade, e devem
reconhecer de modo irrestrito a autoridade paterna. O que supõe a menoridade da
mulher, suscitada pelo hábito no qual se idealiza uma essência feminina
associada a instintos sexuais e, portanto, irracionais, legitimando assim uma
cultura repressiva e de heteronomia sobre suas ações, isto é, quando a vontade
é regulada por normas exteriores e definida por terceiros. Evidentemente, este
ideário não tem nenhum fundamento empírico, mas é tão somente o reflexo de um
tipo de organização social e de relações de poder. Aqui saímos do campo da
sociologia para entrar na metafísica, pois a substância masculina é
identificada diretamente com o ser divino. Deus é pai, não mãe. Em
contrapartida, a mulher é mãe de todas as revoluções. A emancipação da mulher,
ou melhor, o protagonismo feminino é um fenômeno típico das sociedades moderna
e urbana ocidentais. O casamento de Anna e Karenin, por convenção e contaminado
pelos valores da civilização, insere-se nesse contexto moderno, ao qual
poderíamos chamar, fazendo uma analogia à ciência jurídica de seiva cristã, de
teoria do princípio dos frutos da árvore envenenada. Isto é, os valores morais
intoxicados pela civilização ocidental se tornam paulatinamente universais e
irreversíveis. Portanto, nem Anna nem Karenin representam o ideal de indivíduo
proposto por Tolstói, que é o da simplicidade natural, digamos, rousseauniana.
O cenário dos salões, festas e das reuniões em sociedade, que permeiam todo o
romance, é a manifestação de uma era afeminada que se vislumbra no horizonte,
no sentido de que o feminino é desagregador das origens. A feminilidade ameaça
o status quo através de uma guerra pela autonomia sobre o amor. Deste modo, a
paixão é a própria maçã da árvore do conhecimento que, inexplicável e
maliciosamente, está localizada no meio do Paraíso para induzir inevitavelmente
ao erro, à tentação. E, assim como toda a sociedade moderna, Anna também se
deixa seduzir pelos valores infectados, exógenos, antinaturais, porque tudo em
sua vida pregressa é artificial, leviano e falso. Neste sentido, o corolário da
civilização burguesa é a hipocrisia e, por conseguinte, a paixão de Anna,
eivada por todas as mazelas desse universo cultural, paixão por um rapaz jovem
e bonito, que também a ama verdadeiramente, não pode escapar do destino e do
castigo daqueles que se desviam das supostas leis naturais e divinas. Não vou
contar o final da história, porque sei que muitos de vocês ainda não terminaram
de ler, mas não pensem vocês que o Conde Alexei Kirillovich Vronsky, o jovem
galanteador, por quem Anna se apaixona perdidamente, é um cafajeste que em
algum momento pensa em abandoná-la. Tosltói não nos dá esse gostinho para
aplacar nossa ânsia por justificações. Gente, acreditem em mim, Vronsky é o
sonho de qualquer mulher! Portanto, não é a rejeição de Vronsky que leva Anna à
ruína; mas, sim, a culpa que a domina em seu íntimo, até tomá-la por inteira.
Culpa que não apenas advém do adultério, por se separar do marido, por violar
as leis do matrimônio, ainda que sem amor, mas, sim, pelos erros de toda uma
geração. Culpa que a arrasta em uma correnteza invencível às raias da loucura.
Eis a vingança! Agora, vamos à recompensa. Lievin, ao contrário, é um homem
pertencente à aristocracia rural, tem 32 anos, é bastante vivido e maduro –
tendo por base os padrões da época – e de juventude libertina na cidade, como
todos os homens, mas que se redime através do retorno à vida do campo e no
casamento com uma mocinha, a princesa Ekaterina Alexandrovna Shcherbatskaya, a
Kitty, muito mais jovem do que ele, uma carola. Por fim, Lievin, antes ateu,
convence-se, no final do livro, da existência de Deus; fato que lhe enche a
vida de sentido. Curiosamente, a futura esposa de Lievin, a Kitty, no início do
livro, era caidinha pelo amante de Anna, o Vronsky. Claro, né, gente! Lievin
não suporta isso. Mas, claro, como eles são do “bem” (entre aspas), Kitty acaba
por descobrir um grande amor pelo marido em sua convivência com ele – gente,
ponham um entre aspas enfático nesse amor também, porque eu não me convenci:
apesar de ter só 18 anos, pasmem, Kitty tem pavor de ficar para titia, tendo em
vista os padrões morais da época. Enfim, Kitty acaba por amar um esposo que não
escolheu e que não é fruto de uma paixão à primeira vista! Portanto, Kitty tem
algo em comum com Lievin. Ela também se regenera. (Gente, ressaltando, ela só
tem 18 anos!). Ela também era leviana, contagiada pelos ares sensuais da
civilização urbana. Ao ser preterida por Vronsky, Kitty adoece e é internada em
um sanatório, onde trava contato com uma devota, algo que a faz mudar
completamente de vida. Mas a sua transformação só se dará efetivamente com o
casamento com Lievin. Do nada ela se revela. Torna-se uma mulher forte,
determinada, resoluta, apaixonada, fiel, leal, amiga, companheira, boa esposa, submissa [sublinhem este “submissa”]...
Gente, dá até raiva! Ela, que é uma adolescente, aparece muito mais “madura”
(aspas aí!) do que Anna, que, apesar de aparentar uns 20, devia estar perto dos
trinta, pois seu filho único tem oito anos. No fundo, para mim, Tolstói condena
o único amor verdadeiro do romance, fruto de espontânea e verdadeira paixão,
que é o amor de Anna e Vronsky. Porque Anna e Vronsky estão mais para Romeu e
Julieta do que qualquer outro casal da história. Ambos desafiam as convenções
sociais por amor, renunciam tudo e tem de superar os obstáculos de um amor
proibido. Inclusive, por isso, Anna, ao resolver assumir seu romance com
Vronsky, é banida dos círculos aristocráticos. Mas, muito cuidado, gente, não é
o amor romântico. É o amor que existe na vida real, que pode acontecer com
qualquer um de nós, afinal, trata-se da escola realista. Quanto aos outros
casais, diga-se, de passagem, todos os relacionamentos são marcados pela hipocrisia
e traições. E apesar da hipocrisia causar um terrível mal estar em Tolstói, que
é um crítico ferrenho da sociedade de sua época, todos os hipócritas passam
impunes no romance. Somente Anna e Vronsky pagam por se amarem verdadeiramente.
Pagam porque ainda tem um pingo de dignidade que falta aos outros personagens.
Portanto, Tolstói é profundamente severo e moralista. A crítica que ele faz da
sociedade moderna é contrabalanceada pelas comunidades arcaicas russas, tidas
como ideal: um idílio, o paraíso perdido. E daí um projeto nacional, agrário,
de cunho eslavista, oriental, antiliberal, representado por Lievin, e que
permeia todo o livro em passagens extremamente monótonas e enfadonhas que faz a
gente gritar: onde estão Anna e Vronsky!Ai, gente, vocês me desculpem pelo que eu vou falar agora. Lievin até é
um personagem interessante no início, mas depois vai se tornando um chato.
Consegue ser mais maçante que Karenin. Sabem aquele cara pedante, cheio dos
não-me-toque, que fica do alto de um pedestal medindo com uma régua o que é
certo e o que é errado, como se o mundo girasse em torno dele? Bom, esse é o
Lievin. Mas, é exatamente isto, Anna e Vronsky representam o mundo ocidental, a
modernidade volátil, superficial, instável, sensual, movediça e vazia. Ambos se
corromperam por causa dela. Por afastarem-se do ideal de caráter e da essência
do povo russo. Neste ponto, apesar do conservadorismo, Tolstói pode ser
enquadrado como um revolucionário, se o pensarmos como um representante de uma
vertente aristocrática e conservadora do populismo russo, e não raro ele é
considerado, com muitas reservas, um anarquista, ou melhor, um
anarco-cristão...
Florisa: Professora!
Professora: Sim.
Florisa: A gente pode dizer
que Anna Karenina se apaixona por Vronsky porque Karenin é um homem mais velho
e por isso...
Professora: Não, não é só
isso. Como eu disse, Tolstói é um crítico da sociedade ocidental burguesa.
Certamente, ele detesta Alexei. Alexei é o nobre que abdica dos ideais de
nobreza para se tornar um burocrata a serviço de um Estado absolutista
abominável, que é o czarismo. Tolstói é contra o Estado de um modo geral.
Certamente, não nutre simpatia por Karenin. Mas, sem dúvida, Alexei é um
personagem extremamente complexo, muito bem construído; ele é vazio por dentro,
totalmente desumanizado. Gente, é impagável a reação de Karenin quando recebe a
notícia da boca da própria Anna de que está sendo traído por ela. Ele explode
por dentro, mas não mexe um músculo da face. Sua primeira atitude é de não
tornar público o adultério. Depois chega a permitir, após meditações muito
ponderadas, que Anna e Vronsky mantenham o relacionamento, desde que escondido.
Ou seja, ele está mais preocupado com a fachada de seu casamento, pensando na
carreira, na sua posição social. Continua trabalhando normalmente, ambicioso
que é. Há momentos em que ele é extremamente sádico, pois cabe a ele conceder a
separação a Anna. Não. Alexei não pode ser um autêntico russo, abjeto que é.
Não para Tolstói. Não é uma pessoa; é uma coisa, uma função. Russo é Lievin.
Este, sim, é o grande herói do livro. Anna se apaixona por Vronsky, porque, em
primeiro lugar, ele é apaixonável, assim como as ilusões do mundo moderno, e,
em segundo, porque está ligada a um homem detestável, embora um cumpridor das
leis e dos valores religiosos. E, como nele tudo é falso, Ana quer quebrar as
leis. Quer ser livre. Quer amar. Ana é uma rebelde, em sua interioridade, em
seu íntimo, aos moldes de uma personagem feminina de um romance francês, de
Balzac, por exemplo. Na crítica romântica de Balzac, pré-realista, é o dinheiro
que está por trás de tudo. Para o realismo de Tolstói, é toda a civilização
ocidental. Por isso, Alexei é um burocrata detestável, mas tem uma carreira
regular e ascendente. Ontem, como hoje, seria um bom partido para muitas
alpinistas sociais. Gente, desculpem-me o eufemismo. Então, não é porque ele é
mais velho. É porque, para Tolstói, tudo está errado na sociedade russa, que
corrompe a sua origem – cristã ortodoxa (ainda que Tolstói pense num
cristianismo mais puro e acabe rompendo com a igreja ortodoxa). Anna e Vronsly
também são curvas fora da reta. Mas, para o desespero de Tolstói, foi Anna que
se consagrou e não Lievin. O modelo vencedor foi o de Anna. Para terminar, no
nosso mundo contemporâneo, depois de toda a revolução sexual, do comportamento,
da liberdade e igualdade de gênero, talvez, para nós, principalmente nós
mulheres, seja muito difícil simpatizar com o moralismo de Tolstói. Porém, não
podemos esquecer que “Anna Karenina” é uma obra-prima da literatura universal,
leitura indispensável. Esteticamente, o livro é perfeito. Gente, para a próxima
aula, terminem a leitura, por favor, para entrarmos no tema seguinte que já
deixei na pasta do xerox. Obrigada e boa noite!
Nota 1: Lievin é o
personagem mais autobiográfico de Liev Tolstói.
Nota 2: Este monólogo é
parte da peça Des-tino(2016), de Jean Pires de Azevedo Gonçalves.
Embora o autor seja leitor da literatura russa e conheça bem a história da mãe Rússia,
a interpretação é livre.
O objetivo deste breve
artigo não é questionar os méritos literários indubitáveis de um escritor como
Mia Couto, mas, sim, questionar até que ponto é legítimo considerar escritores
brancos como representantes de uma africanidade e, num sentido mais amplo, se a
literatura é uma expressão genuína da cultura africana ou se é mais uma
manifestação da tutela intelectual imposta pela cultura europeia, ainda tão
presente no continente africano, e cujas raízes remontam ao processo de
colonização da África.
Esta questão é um tabu e
desafia a hipocrisia reinante. Até mesmo na universidade, supostamente espaço
da crítica e do livre pensamento, o silêncio é ensurdecedor. Professores de
literatura africana, geralmente brancos, nunca tocam no problema da negritude
dos autores africanos, como se as letras não tivessem cor e a arte e a ciência
pairassem incólumes sobre as picuinhas humanas. Paralelamente, multiplicam-se
pesquisas em torno de temas referentes ao negro, como hip-pop, grafite,
pichação, funk, periferia etc. Porém, a chancela teórica destes trabalhos é
toda importada da Europa, principalmente, Alemanha e França. Autores da moda
como Theodor Adorno, Max Horkheimer, Walter Benjamin, Pierre Bourdieu e até Nietzsche
avalizam estudos e, supostamente, elucidam temáticas como, por exemplo, a os
quilombolas no interior da Bahia. Simplesmente, bizarro!
Em que pese as
circunstâncias em que dificilmente um professor universitário, de pele branca,
sofra algum tipo de discriminação social, o fato é que, bem abaixo do castelo
construído sobre nuvens, que se tornou a universidade, o mundo real é muito mais
tumultuado do que as brilhantes abstrações e engenhosas sacadas de filósofos
alemães. Produzir teses e mais teses para não serem lidas é um completo absurdo
e só mostra o grau de alienação em que se encontra a universidade no Brasil. Somente
a crítica e autocrítica poderiam romper este estado de coisas, algo que parece
impossível na impermeável corporação universitária.
Se a literatura realmente
serviu aos propósitos do nacionalismo europeu, principalmente, com o
romantismo, também serviu aos propósitos da dominação colonialista. Na
literatura brasileira, o marco é, obviamente, o romance O Guarani, de José de Alencar, escritor branco e defensor ferrenho
da escravidão. O seu personagem Peri, arquétipo romântico das inconvenientes
origens de uma “nacionalidade brasileira”, não passa de um Hércules da servidão
voluntária. Solitário em seu mundo, Peri é, com todas as letras, a encarnação do
bom selvagem, “vagando nas florestas,
sem indústria, sem palavra, sem domicílio, sem guerra, (...) sujeito a poucas
paixões e bastando-se a si mesmo” (Rousseau). Imaculado dos pecados da
sociedade, Peri devota uma lealdade canina a Cecília, mulher branca, filha de colonos
portugueses, para quem dirigir um tímido olhar voluptuoso seria por si só sacrilégio,
já que este ídolo sagrado de seu amor ascético, personificação da imagem de
Nossa Senhora (em que pese a ambiguidade do “senhora”), é, para ele, prova
intuitiva da cultura superior detentora da fé verdadeira que lhe inspira.
Somente por força da maldade do mundo, esse jesuíta disfarçado de índio é
expulso do Paraíso e levado involuntariamente a ceder à tentação do fruto
proibido, tão longa e amargamente reprimida, algo que nunca é dito, somente
subtendido, em um epílogo apoteótico, quando as cortinas se fecham e as luzes
se apagam. Diante das exigências do romantismo, José de Alencar criou um
eufemismo para o mito fundador brasileiro para lá de idealizado, mas, apesar de
todas as concessões, o literato antiabolicionista não reconheceu o elemento
africano como formador da identidade nacional.
De fato, o romantismo no
Brasil levou às últimas consequências o simulacro do “índio”, enquanto instrumento
ideológico de dominação transfigurado pela tradição cultural invasora em
símbolo nacional, oco e vazio. O índio de verdade, de carne e osso, este foi
praticamente dizimado pela guerra de extermínio colonial, restando aos poucos
indivíduos que sobreviveram a humilhante situação de bater na porta das corruptas
instituições brasileiras forjadas pelo torno europeu e implorar migalhas e
favores.
Na África, não foi
diferente. Toda a riquíssima cultura africana, transmitida, diga-se de
passagem, pela tradição oral, só pôde ganhar estatuto de cidadania sob o
beneplácito do jugo do colonizador. Ou seja, somente pela metamorfose da essência
nativa em figurino europeu, os povos nãoeuropeus puderam aspirar ao status
jurídico de “cidadão livres e iguais”.
Assim sendo, a literatura é
reflexo, tanto aqui, como lá, da segregação social, político e econômico,
entranhada até a medula na sociedade pós-colonial de mentalidade escravocrata.
Índios e africanos, das mais diversas etnias, foram escravizados, roubados,
sequestrados, violentados, estuprados, espoliados, assassinados, desumanizados
e, por fim, descartados, jogados no lixo. Lá, como aqui, a elite branca, de
origem europeia, ocupou todas as posições de prestígio – seja artístico, político,
econômico etc. –, apoderou-se de todos os espaços do topo da hierarquia social
e relegou à maioria negra, indígena e mestiça o papel coadjuvante de fornecedores
de serviços e mão de obra barata, cada vez mais sem direitos.
Historicamente, nos termos da
divisão internacional de trabalho, o continente africano abasteceu a economia
mercantilista com trabalho escravo. A partir do momento em que a escravidão se
tornou um empecilho para o desenvolvimento do capitalismo industrial, navios
negreiros eram afundados pela poderosa esquadra naval inglesa, que pouco se
importava com as centenas de vítimas acorrentadas nos porões das embarcações
levadas a pique e que, talvez, teriam melhor sorte se fossem vendidos como
reles mercadoria no leilão de escravos – pelo menos prolongaria suas vidas por
mais uns cinco anos, tempo de vida útil de um escravo. Durante a corrida
neocolonialista do século XIX, a África foi esquartejada, dividida, fragmentada,
territórios foram desenhados ao bel prazer do imperialista europeu, que
expropriou recursos naturais e explorou a preço vil a força de trabalho da
população nativa. Com o movimento de descolonização em meados do século XX, os
novos países africanos foram obrigados a aceitar as divisões artificiais
legadas pela geopolítica europeia e introduzir em seu repertório cultural
noções estranhas à sua tradição, como o conceito de Estado-nação, o que gerou
ódio e conflitos catastróficos entre as diversas etnias por décadas e mais
décadas.
Assim, como ler a literatura
africana sem críticas? Se já não fosse demasiado humilhante a um artista negro
africano acatar as imposições culturais do povo opressor, o que dirá então de
um escritor branco ser alçado à condição de arauto do povo que foi vilipendiado
justamente por esse mesmo invasor branco?
Ora, quais os limites do
escárnio, da ofensa, da perversidade? Para cada branco medíocre prestigiado,
mil negros talentosos são preteridos, esquecidos, marginalizados. Apagar ou
atenuar os efeitos maléficos do apartheid social e econômico, hoje velado, mas
vigorando a todo vapor na África negra, em nome de uma suposta meritocracia, é
estimular as redes clientelísticas que envolvem as classes privilegiadas
brancas crioulas e esquecer da abominável segregação social e racial, do estado de
miséria no qual os negros subexistem, acometidos pela fome e epidemias,
confinados em guetos, favelas, musseques.
Num certo sentido, é lamentável
que Mia Couto seja o escritor africano mais lido e reconhecido no Brasil, um
país que, assim como o continente africano, sofreu e sofre as mazelas da
escravidão. Mia Couto não é um autor africano. Mia Couto é a herança do tão
nefasto colonialismo – colonialismo português que, se não o mais cruel, na
medida em que é cabível tal comparação, ainda sob a sombra da ditadura
salazarista, o mais persistente. O fato de Mia Couto ter nascido na África não
o faz um africano. Mia Couto continua sendo um escritor branco, português,
europeu, que escreve em uma língua europeia, a língua do invasor.
Portanto, não é motivo
nenhum de orgulho para o negro africano suplicar a generosa aprovação de
entidades e instituições europeias, como realçou, pasmem, a Revista Raça
(versão digital), que, em artigo publicado, enaltece, em comparação com os latinos
americanos, a maior quantidade de africanos laureados com o Nobel, premiação
concedida pela loiríssima e nórdica Academia Sueca, em colaboração com seus
irmãos vikings noruegueses. Afinal, quem estabelece os critérios sobre o mérito
de qualquer coisa? Por que são sempre os de cima, os brancos, “civilizados”,
ocidentais, que dizem o que é certo ou errado, o que é bom ou ruim, bonito ou
feio etc., cabendo a nós apenas abaixar a cabeça e dizer: “Sim, senhor,
obrigado”? (Em que pese novamente a ambiguidade do senhor).
Fico pensando se o Nobel
teria tanta importância se sua sede ficasse em Djibuti – sim, país africano que
você provavelmente nunca ouviu falar e que, com quase 100% de certeza, não será
o destino de sua próxima viajem de férias para o exterior.
A propósito, não deixa de ser coisa de branco que, ironias à
parte, o mais aclamado prêmio da paz tenha sido uma ideia do homem que inventou
a dinamite. Barack Obama, negro e prêmio Nobel da Paz, assim como Mandela, foi
o único presidente dos EUA a completar oito anos de mandato em guerra
permanente e ininterrupta – no Iraque, no Afeganistão e na Líbia.
Bomba! Eis a missão
civilizatória do Nobel da Paz!
A verdade é que as maiores
tragédias de guerra, em todos os tempos, foram provocadas pela sanha
sanguinolenta das nações europeias em sua busca eterna por poder, lucro e
riqueza. Mas os países do terceiro mundo devem se comportar muito bem e fazer
direitinho o seu dever de casa, sempre procurando a paz e da amizade entre as
nações!
Aliás, o Premio Nobel da Paz
deve ser uma espécie de cota de inclusão para negros e nãoeuropeus ou mesmo um
prêmio tal como o “funcionário do mês”, distinção concedida por lanchonetes
fast-food e hipermercados que superexploram seus trabalhadores.
O Nobel da Paz é um prêmio
político, homenageia homens práticos. Mas o trabalho intelectual, em que pese a
política evolvida na escolha dos laureados, segue a antiga divisão do trabalho.
Dos quatro prêmios de literatura e cinco de medicina e química, apenas o poeta
Wole Soyinka é negro, todos os outros homenageados são, no mínimo, digamos
assim, caucasianos.
Esperar de joelhos o
reconhecimento e a anuência daqueles que exploraram toda a riqueza do
continente africano (e latino-americano), cometeram genocídio e pouco
ofereceram aos habitantes que penaram em sua mão de ferro é uma atitude vil e
que só reforça um caráter subserviente, assim como Peri, que lutava e matava
outros índios.
Que me desculpem o desabafo,
mas a literatura africana merecia mais Limas Barretos e menos Mias Coutos.
(A receita vale também para
a literatura brasileira: mais Lima Barreto, menos Machado de Assis).
Nota: O
artigo da Revista Raça é tão chapa branca que erra o nome do prêmio Nobel Aaron
Klug, chamando-o por duas vezes de “Aaron Klub”, e do Nobel Ahmed Zewail, chamando-o "Ahmad Zuail". (Tirei print).
Para finalizar, hoje é dia
da Consciência Negra e para não fugir da polêmica, aí vai a relação dos
vencedores africanos do Nobel de literatura, medicina e química, tão festejados
pela Revista Raça. Só que, lamentavelmente, Soyinka foi barrado pelos algoritmos
cibernéticos e não foi permitida sua entrada na lista.
Desde os protestos históricos contra a OMC, no final do último milênio, e do A-20, no começo deste, o anarquismo, como uma teoria revolucionária, tem despertado interesse em um número crescente de pessoas como nunca antes na memória recente. No entanto, permanece o fato inegável de que a composição do movimento anarquista nas duas últimas décadas tem sido bastante homogênea, isto é, predominantemente branca e de classe média. Ocorre também que a grande maioria das pessoas que se identificam com o anarquismo hoje está de alguma forma envolvida em movimentos de subculturas do rock, como o punk e gêneros afins.
Sendo eu negro e anarquista, com raízes no punk rock, ultimamente tenho estado muito preocupado com a quase ausência do debate sobre a identidade do negro e afrodescendente no movimento punk e anarquista. Curiosamente, embora haja muitos punks da raça negra no Brasil, a questão da negritude raramente é um tema importante no imaginário simbólico da cultura punk.
Certa vez, numa conversa com
um amigo, que já fora punk e hoje curte rap e recentemente defendeu uma
dissertação de mestrado sobre a população negra nas periferias das grandes
cidades, citei “a questão do negro no movimento punk e anarquista” como um tema
importante. Meu interlocutor se demonstrou bastante cético e reagiu com
profundo pessimismo: “as letras punks não falam do negro”. Retruquei, de
imediato, e citei “Liberdade é negra!”, letra da Fecaloma, uma das minhas
bandas punks prediletas (vídeo no final do texto). Ele me respondeu com
sarcasmo: “Fecaloma não é punk; os punks não gostam de Fecaloma; Fecaloma é
muito bom para ser punk”. Absurdo, repliquei, o Fecaloma nunca deixou de se
reputar uma banda punk e os punks curtem Fecaloma, sim! Depois de manifestar
indignação, para tentar refutar a afirmação do meu amigo, tentei me lembrar,
sem êxito, de outras canções de outras bandas punks que tocassem a fundo na
questão do negro. Não me veio à mente nada mais do que reminiscências aqui e
ali de alguma ou outra letra que cantasse a união e igualdade entre negros e
brancos, que é muito bonito no discurso, mas, sendo falsa na prática, bastante
demagógico.
Peço perdão à minha memória musical
se por acaso estiver cometendo alguma injustiça e, se assim for, peço para ser
corrigido. Mas, pelo fato de ser negro e me lembrar de tão poucas menções ao
negro no punk, eu me pego a perguntar como um movimento no início tão vibrante,
que fez tanto barulho, assombrou e tremeu os alicerces da carcomida ordem
burguesa e parecia que ia mudar o mundo, se tornou uma cena tão medíocre, tão
insossa, de meros aficionados por um gênero musical? O que teria acontecido com
a ousadia das primeiras bandas punks, com suas letras irreverentes, criativas e
ao mesmo tempo provocantes, ácidas, questionadoras? Realmente, toda a potência
crítica original do punk se esvaziou em clichês que são repetidos a exaustão,
tornando a letra reles adereço da composição musical, que também copia antigas
fórmulas.
Dos inúmeros slogans
situacionistas que inspiravam as letras das primeiras bandas gringas à
proliferação de bandas anarco-punk, como Crass e Conflict, no começo dos anos
80, o punk rock, como uma subcultura do rock, teve uma história singular na
música pop ao estreitar laços com a ideologia anarquista e, por conseguinte,
anticapitalista. Mas, a despeito da tão sonhada descentralização do poder e da
crítica à hierarquia, somos forçados a admitir, nos termos de uma microfísica do
poder de Michel Foucault, que sempre um ou mais indivíduos acabam por catalisar
as expectativas do grupo, sendo essas verdadeiras ou falsas, e representar o
movimento por meio de uma liderança personalista. No caso do anarquismo, a
situação é ainda pior, pois, dado a maior complexidade do anarquismo enquanto
teoria política e histórica, uma liderança se impõe pela necessidade de uma
formação intelectual mais qualificada, o que implica num recorte de classe
circunscrito a um perfil social majoritariamente constituído por brancos, do
sexo masculino e oriundo da classe média – quando não da classe alta!
Isso também se deve em
grande parte a uma identificação exclusiva do anarquismo e do movimento punk
com suas raízes europeias. Identidade essa que se realiza, sobretudo, pelo
consumo desbragado de enlatados da indústria do entretenimento e da cultura
yankee. A classe média endinheirada, malhada nas escolinhas de inglês e viagens
ao exterior nutre de verdadeira repulsa a tudo o que é brasileiro, povão
(negros, índios e mestiços) ou “terceiro mundo”, buscando suas referências na
cultura dos países desenvolvidos, principalmente, anglo-saxônicos.
Claro, nem tudo é tão
alienado assim. Houve nos últimos tempos inovações muito bem-vindas e que
revigoraram o movimento punk e anarquista, apesar de também terem sido importadas,
como a introdução mais do que oportuna de temas do feminismo e veganismo.
Porém, no dia a dia, de shows e ensaios, sempre ocorre alguns deslizes aqui e
ali e o machismo latente aflora nos pequenos lapsos e recantos profundos do
inconsciente. Ainda assim, a inclusão das pautas universais do feminismo e dos
direitos dos animais já é uma contribuição por demais significativa. Mas quanto
ao negro, infelizmente, ainda sequer lhe é reservado o pequeno espaço das
famigeradas cotas.
Minha longa experiência com
o movimento demonstrou que o assunto da negritude é um tabu entre os
anarquistas e punks. É sempre uma questão menor, secundária. Sempre quando eu
propunha um debate sério sobre o tema, recebia reações muito negativas ou,
quando muito, alguém manifestava um complexo de culpa por não ter pedido para
nascer “branco”. Outros, numa tentativa de diluir as diferenças, até
enfatizavam uma origem pobre, de parentes ligados à classe operária italiana na
São Paulo do início do século XX etc. Claro, e sempre há aquelas situações
embaraçosas em que alguém solta frases do tipo: "eu sou seu amigo, logo,
não sou racista; ou, eu já namorei uma mina negra" e coisas assim. O
sentimento de uma pessoa negra diante de concessões absurdas como essas é
altamente doloroso e só reforça mais o preconceito e a humilhação.
Eu também já listei, nas
minhas discussões com anarquistas brancos, o argumento daqueles que insistem em
que, como o conceito de raça é uma construção social, não se deve reconhecer identidades
raciais, porque tais categorias no fundo não existem. Com certeza, deve ser
muito conveniente para uma pessoa branca tomar a questão de raça como uma
abstração metafísica e fingir que as diferenças não são reais de fato, algo que
me lembra em muito as campanhas reacionárias de conteúdo meritocrático contra
ações afirmativas, tão disseminadas em tempos recentes de redes sociais.
Ironias à parte, numa sociedade em que é perversamente vantajoso ser acometido
por um "daltonismo racial", é bastante cômodo acreditar em um mundo
onde “as oportunidades são iguais para todos". Quem larga na frente, se
não tropeçar, chegará provavelmente na frente. Admitir, porém, que a vitória
não foi justa, é uma vergonha que não cabe no princípio em que os fins
justificam os meios.
Na verdade, tal situação é
muito boa para o ego inflado daqueles que, pelas circunstâncias sociais
privilegiadas, não terão dificuldades em encontrar um bom emprego e manter seu
estilo de vida caprichosamente alternativo dentro de seus condomínios fechados.
No fundo, o que subjaz disso tudo é que o atual anarquismo se distanciou
completamente de suas origens proletárias e não é à toa que, lamentavelmente,
de uns vinte anos para cá surgiu um neologismo que é em si mesmo uma
contradição entre termos: o anarcocapitalismo (sintomaticamente, a primeira
sugestão de pesquisa do Google quando se digita “anarco”).
Mesmo nas circunstancias em
que os anarquistas têm clareza de que o anarquismo é um movimento de esquerda
surgido no seio do movimento socialista do século XIX, a ideologia anarquista tem
atraído, como já se disse, principalmente rapazes brancos heterossexuais.
Estes, imbuídos de um auto-sentimento divino e superior ante o resto do
mundo, de vez em quando, e de fachada, abrem algumas concessões para as ditas
“minorias”, principalmente, o movimento feminista e LGBT. Mas isso é o máximo a
que eles se permitem.
Além disso, o movimento
anarquista elencou uma série de reivindicações em torno de problemas da vida
privada que podem ser classificados como um “luxo das classes privilegiadas”. Isso
diz respeito, em contrapartida à inerente repugnância ao trabalho manual que é habitualmente manifesto, na melhor das
hipóteses, a uma perspectiva de realização profissional dentro de uma carreira acadêmica. Neste
espaço restrito, toda e qualquer militância se reduz a ideias e teorias na
clausura da caverna, pelas quais se invoca como tarefa áurea resgatar a
“grande” contribuição positivista do anarquismo para a ciência. Entretanto,
esta produção acadêmica redunda, como não poderia deixa de ser, em pesquisas
medíocres, que, limitadas teoricamente, não podem ir além de uma consciência
ingênua, na busca de aprovação social, através do exemplo concreto das inúmeras e pequenas coletividades anarquistas, que, apesar de todas fracassadas,
demonstraram a extrema bondade do ser humano, transformando assim sentimentalismo
barato em um apelo moralista de pseudociência. Raramente, ou melhor, jamais uma
aproximação com movimentos sociais ou mesmo com a classe trabalhadora é ao menos esboçada ou cogitada.
Esta elitização do movimento
anarquista atual, que abandona escandalosamente a classe trabalhadora para se
instalar nas bibliotecas universitárias, e a recusa dos punks em encarar frente
a frente uma das questões mais cruciais da modernidade, o negro e a escravidão, é extremamente prejudicial para a
consistência crítica tanto do movimento punk, enquanto jovens pobres e negros
da periferia, como da própria ideologia anarquista, capitaneada por uma
mentalidade burguesa. Sem dúvida, nos tornamos liberais, encerrados em nossa
pequena concha, preocupados apenas com o estilo de vida de cada um e a
liberdade dos gostos individuais.
Para o movimento anarquista
atual, portanto, a agenda do negro não cabe no debate da emancipação humana
porque esta, segundo a concepção reinante destes anarquistas, já inclui por
tabela o negro. Na verdade, esta “emancipação humana”, longe de arrebentar os
grilhões que prendem em diferentes níveis as categorias sociais em sua complexa
diversidade, é extremamente mesquinha e reduzida ao plano das liberdades
individuais, escamoteando, sorrateiramente, o princípio inaugural do anarquismo
do século XIX para escanteio, a saber: “a propriedade é um roubo”.
Realmente, o atual movimento
anarquista se afastou paulatinamente da classe trabalhadora porque suas
aspirações não são as mesmas. No fundo, não faz sentido, para estes novos
anarquistas, abrir mão da qualidade de proprietários que são para lutar pelo
fim da única garantia que lhes confere privilégios, inclusive, o de se darem ao
luxo de se dizerem anarquistas e libertários. Por isso, a falsa radicalidade de
seu discurso vazio e cheio de frases de efeitos retóricos, pelo qual, por um
lado, nunca se chega à essência da exploração humana, que revelaria a questão
do negro, e, por outro, dissimula o profundo racismo deste anarquismo de
gabinete. Desvelar o segredo do trabalho em toda a sua amplitude e exploração é
reconhecer o papel do africano e afrodescendente na origem da acumulação primitiva
capitalista e da instituição da propriedade privada moderna.
Não é coincidência,
portanto, que os trabalhadores de baixa qualificação e mal remunerados
reflitam a população afrodescendente, como mostram as estatísticas, pelas quais
o negro aparece recebendo piores salários que mulheres brancas e a mulher
negra, superexplorada, geralmente empregada doméstica ou babá de alguma perua
branca que sequer empurra o carrinho de bebê, constitui a base da pirâmide,
recebendo os piores salários de toda a sociedade.
Por isso, tais defensivas,
por parte daqueles anarquistas e, muitas vezes, punks, indicam, no mínimo, o
quão pouco sabem do que é sentir na pele o preconceito racial, já que
necessariamente suas consciências operam numa zona de conforto inerente à sua
própria condição social. O que eles não conseguem perceber, entretanto, é o
tratamento desigual dispensado ao negro em todos os âmbitos sociais. Por
exemplo, entre muitas outras coisas, é muito diferente quando um negro vai a um
shopping center e um branco, mesmo este sendo pobre. Aqui o exemplo não é fortuito,
já que o conceito de liberdade moderna esta subordinado ao consumo de
mercadoria. Mesmo detendo de poder aquisitivo, o negro sempre carregará o
estigma de suspeito e atrairá os olhos da vigilância, tendo assim sua liberdade
restringida.
É claro que nem todos os
anarquistas brancos ignoram as relações raciais e de classe. Certa vez, um
amigo branco, punk e anarquista, me fez uma confissão comovente: “Somos sem
querer herdeiros da ordem mundial capitalista, patriarcal e branca, detentora
do poder político e econômico. Nós, brancos, somos os representantes
involuntários do colonialismo, ocupamos por si só uma posição privilegiada. Mas,
como punks, temos a obrigação e o dever de rejeitar nossas posições herdadas de
raça ou classe, e, se não tocarmos nas questões fundamentais, como a do negro,
tudo não será mais que hipocrisia”. No entanto, não importa o quão bem-intencionado
algumas pessoas possam ser. Na prática, se este tipo de mea culpa não ultrapassar os gestos simbólicos de uma solidariedade
artificial, tais como visitar a sede de algum grupo revolucionário negro e
ficar tempo suficiente para tirar selfies com o punho fechado apontado para o
ar, seu efeito é nulo.
Sem dúvida, nestes moldes, o
máximo de atuação possível de uma militância anarquista hoje é justamente o
ápice de sua decadência. Dentre outras coisas, daí sua fragilidade teórica e
completa inexpressividade social, restrita aos pequenos espaços reservados ao
comércio de livros ou lanches vegetarianos, como feirinhas alternativas. Absorvidos
completamente pela lógica fetichista do lucro, os mercadores anarquistas negociam
grandes ideais a vil metal. Nada poderia ser mais abjeto! O que diria Mikail
Bakunin a estes vendilhões do templo? Quanta diferença do anarquismo combativo
dos anos de 1930! Diante de tão abominável baixeza, só me resta lembrar, como
objeto de consolo, uma passagem da obra de Abel Paz Povos em Armas, em que Buenaventura Durruti e Francisco Ascaso se
vingam do capataz que torturava trabalhadores quase escravizados no pelourinho
de um latifúndio nas Antilhas, durante a passagem épica e vingadora dos dois
anarquistas pelas Américas – se me lembro bem, esse episódio se deu em Cuba.
Vingavam trabalhadores negros!
Claro está que o problema da
falta de representatividade de raça-classe proletária dentro do movimento
anarquista existirá enquanto este permanecer dentro dos limites eurocêntricos
das raízes do anarquismo e do punk e não realizar uma autocrítica devastadora
sobre suas atuais bases. Portanto, seria extremamente importante reconhecer
como as potências da cultura dominante, colonialista e escravagista puderam
alienar tão poderosamente aqueles que se contrapuseram, no início e em seus
fundamentos originais, às injustiças e desigualdade produzidas por este mesmo
sistema de dominação. Só assim, o anarquismo desceria para as suas verdadeiras
bases: o proletariado explorado.
Ao mesmo tempo, relegar as
demandas das ditas minorias para um segundo plano em nome da luta de classes,
da soberania ou outras pautas da esquerda proletária é reproduzir as desigualdades
em benefício da luta revolucionária que será conduzida necessariamente por uma
vanguarda composta invariavelmente por brancos bem nascidos, que tiveram uma
boa educação, curso superior etc. Um bom exemplo disso é o Partido dos
Trabalhadores. Com exceção do nome da legenda do partido, do Lula e do
Vicentinho, nenhum político do PT se parece com o povão trabalhador, negro ou
nordestino, que entopem como judeus a caminho da câmara de gás o transporte público
das metrópoles quando, de madrugada, saem para a labuta. É só olhar os Haddad,
os Suplicy, os Paulo Pimenta, as Gleisi Hoffman, os Ruy Pimenta, os José Dirceu,
os Paulo Teixeira e muitos outros dirigentes do partido. Todos ricos e brancos.
Mas, por outro lado, não
estou defendendo uma setorização dos movimentos em grupos identitários lutando
cada um por si e por sua causa. Tampouco um movimento punk e anarquista
constituído só por negros.
Pode parecer paradoxal, mas
o que se reivindica aqui não é o “lugar de fala”, e, sim, a pluralidade na
unidade. O lugar de fala, isto é, a suposição de que só o negro pode falar
pelos negros, só a mulher, pelas mulheres, só o gay, pelos gays, só os pobres,
pelos pobres etc., é um dos maiores erros táticos dos movimentos de ação
afirmativa, porque nega o altruísmo, condição sine qua non para uma sociedade igualitária, solidária e justa. Não
é através de um monólogo que se alcançará o entendimento, que só é possível
pelo diálogo, pela troca de informação e experiência, pelo reconhecimento
necessário, sensível e doloroso do outro.
O que se propõe aqui é a
legitimidade da fala, isto é, a pertinência e validade procedente das teses
defendidas num discurso irradiado de certo lugar definido por variáveis de
elementos históricos, culturais, sociais, políticos, econômicos e, obviamente,
raciais. O que implica em interlocução e que o outro se coloque no meu lugar.
O lugar de fala,
inversamente, pressupõe o não ouvir, a ditadura do ditado, a interdição dos
pontos de contato e, sobretudo, o que é mais escandaloso, a desconstrução da
identidade, já que esta só se engendrada a partir de diferenças e semelhanças,
numa palavra, a partir do outro. Recusar a réplica, a opinião contrária ou a
refutação é, de antemão, censurar qualquer possibilidade de igualdade real por
meio de um consenso. Amarrar mordaças, calar a boca, coibir vozes dissonantes, não
é apenas autoritário e antidialético, é também criar barreiras, construir muros,
fomentar um apartheid de ideias. E, o que é ainda pior, no limite, o lugar de fala não
pode ir muito além da luta por inclusão, que não faz o menor sentido numa
sociedade inerentemente excludente.
Realmente, um negro pode enriquecer,
comprar um carro importado, uma mansão, se casar com uma loirinha de olhos
azuis e justificar sua trajetória de vida pela meritocracia. Conheço um rapper,
bastante atuante no movimento negro, de pele mais escura que a minha e um basto
cabelo dreadlock, que se orgulha de sua infância pobre de catador de material
reciclável e de ter conseguido passar numa boa universidade. Apesar dos
constantes convites a cantoras negras para se apresentar com seu grupo, eu
nunca vi esse camarada namorar uma mulher negra. É impressionante, mas o cara
só pega branquinha, de classe média, tipo patricinha. No último show que eu fui
do grupo dele, que devia ter umas cem pessoas, ele estava ficando com a mina mais
branca do pico, tipo uma dessas alemãezinhas de Santa Catarina. Fiquei imaginando
como ele encontrou um espécime tão
ariano no meio do movimento negro! Será que a ela é vedado também o direito de
falar?
Este assunto é bastante polêmico,
e sei que vou receber críticas, todavia é preciso tocar nessa ferida também. Não
tenho nada contra relacionamentos inter-raciais, confesso que eu mesmo já
namorei pessoas de outra cor e sou de opinião que o amor verdadeiro supera
todas as barreiras, inclusive e obviamente as raciais, mas a reincidência de
negros bem-sucedidos que se casam com mulheres brancas me causa um embaraço
constrangedor. Toda a questão da reafirmação do padrão de beleza da raça negra
contra a tirania estética europeizante é complemente deslegitimada por este
tipo de conduta obsessivamente reiterada pelos negros no Brasil.
Quando questionados, já me alegaram
que o ativismo em um movimento independe da vida intima de cada um. Este tipo
de distinção, entre a vida pública, na qual, em teoria, devemos ser
incorruptíveis, e a vida privada, de onde, se deduz, por oposição, tudo é
permitido, não passa de uma falácia monumental da moral burguesa. Na prática é
uma ficção. Vide o trabalho hercúleo dos tribunais para varrer para debaixo do
tapete a sujeira dos poderosos envolvidos em todo tipo de corrupção na vida
pública. Oprimir uma mulher, humilhá-la, agredi-la, trai-lá com amantes, porque
a vida privada não é de interesse público, é algo monstruoso e indigno de um
revolucionário. Aceitar esse tipo de premissa, para justificar atitudes incoerentes,
é reproduzir todos os vícios que estão na raiz de tudo aquilo que se diz
combater.
Sem dúvida, é sempre muito
fácil apontar o dedo para o outro. Só com agente é sempre diferente, não é:
somos perfeitos! Sempre tem uma desculpa, uma justificativa, uma
racionalização. Certa vez conheci um anarco-punk muito influente (sim, com
todas as letras, o cara era um líder) que tinha um histórico de violência
contra a mulher. Quando certa vez um grupo minoritário, inclusive eu, se revoltou
contra os constantes hematomas que a namorada carregava no rosto, a maioria
tomou partido em defesa dele dizendo que ele podia bater nela porque os “direitos eram
iguais”, ou seja, ela podia reagir ou agredir ele também. Pode parecer bizarro,
mas isso aconteceu de verdade, e é só um, dos muitos exemplos, de como o nosso
idiossincrasismo pode ser muito pior do que o alvo pelo qual dirigimos o nosso
ódio.
Diante de tudo isto, do que
expus, eu poderia ter simplesmente saído do movimento punk e anarquista e
procurado, como fez o meu amigo do início do texto, um outro movimento, com
maior representatividade do negro, como o rap, por exemplo. Todavia, não
acredito no monopólio do discurso, numa guerra de todos contra todos, mônadas
isoladas no mundo ou, como diz a música, cada um no seu quadrado.
Hoje a sociedade parece
estar dividida em incontáveis fãs clubes; existem fãs clubes para tudo, em
todos os níveis e instituições: na universidade, na igreja, nos partidos, no
movimento negro, feminista, LGBT, anarquista, punk, sertanejo, pagode etc. Tudo
é fã clube, com o seu culto cego a dogmas invioláveis, indiscutíveis, e ídolos
sagrados.
Uma fragmentação de tal tipo
é negação de toda e qualquer sociabilidade que só se efetiva de fato por meio
da troca de mercadorias. Isto é, o fetiche ou a reificação, única relação social possível: a das coisas.
É a destituição absoluta, a
implosão total, a aniquilação de tudo aquilo que torna a todos iguais – mulheres, LGBTs, negros, índios, brancos, mestiços, amarelos, idosos, crianças, deficientes físicos – enfim: a humanidade.
A comunicação é um fato
humano, um dos mais essenciais, miná-la é desumanizar ainda mais o ser humano,
já tão coisificado. Através da
comunicação é possível compreender os limites intransponíveis e insuperáveis de
realidades distintas, mas, ao mesmo tempo, construir laços possíveis e
inquebráveis de solidariedade perante as diferenças. Somente pelo debate, pelo
bate-boca, pela discussão acalorada, pela briga de botequim, por lavar roupa
suja, pelo acirramento, pelo conflito franco, aberto e direto, que será
possível recolocar a questão do negro numa perspectiva transformadora e, ao
mesmo tempo, conciliadora, por meio da justiça social. Somente assim, pelo
reconhecimento da diversidade, poderemos sonhar com uma sociedade com igualdade
de condições que vai além da perversa igualdade jurídica.