📜 Introdução: A Essência do Mistério Machadiano
Dom Casmurro, publicado em 1899, é a obra-prima incontestável de Machado de Assis e um marco da literatura brasileira. O romance é um relato memorialístico de Bentinho (Benedito Santiago), que, já idoso, tenta amarrar as duas pontas da vida – a infância em Engenho Novo e a velhice solitária – para provar a si mesmo e ao leitor a traição de sua esposa, Capitu.
No centro desse turbilhão de ciúme, memória e dúvida reside um dos símbolos mais poderosos e debatidos da literatura mundial: o "olho de ressaca" de Capitu. Essa metáfora não é apenas uma descrição poética, mas o locus de toda a ambiguidade da obra e a chave para entender a ironia e a genialidade narrativa de Dom Casmurro. Vamos mergulhar no significado multifacetado dessa imagem e como ela define o eterno enigma da personagem.
🔎 A Gênese do Símbolo: O Olhar Segundo Bentinho
Para o narrador de Dom Casmurro, Bentinho, o "olho de ressaca" é a evidência máxima do caráter dissimulado e perigoso de Capitu. Ele cunha a metáfora em um momento de intenso ciúme e admiração perturbada, associando a profundidade do olhar da amada à força destrutiva do mar.
A Descrição da Perdição
A famosa passagem, quando Bentinho descreve o olhar de Capitu, é fundamental para a construção do símbolo:
"Retirei a mão, e não achei melhor modo de sair do embaraço do que o de dizer a minha mãe que ia ver o meu cavalo, se já tinha chegado, o que era mentira. Foi então que os olhos de Capitu se me fizeram assim: olhos de ressaca. Traziam a vaga e levavam-na; queriam sair do mar, mas voltavam; eram a onda que se retira e a que fica... Negro, líquido, inquieto, fundo."
A Interpretação de Bentinho: Traição e Engano
Na ótica do narrador, o "olho de ressaca" simboliza:
A Atração Fatal: A ressaca é irresistível; arrasta quem se aproxima para o fundo. O olhar de Capitu o arrastou para o casamento, para o ciúme e, finalmente, para a tragédia. É a prova de que ele foi vítima de uma força superior e traiçoeira.
A Duplicidade (Dissimulação): O movimento de "trazer a vaga e levá-la" sugere um duplo movimento, uma inconstância e a capacidade de esconder emoções verdadeiras. Para ele, esses olhos "vazios e profundos" eram capazes de guardar segredos e planejar a traição com Escobar.
A Prova Retroativa: Bentinho, ao reescrever suas memórias, usa a metáfora para justificar sua ruína. O símbolo se torna a prova a posteriori da natureza traiçoeira de Capitu. Ele olha para o passado através do filtro de sua dor presente.
🧐 A Leitura do Leitor: Poesia e Ambiguidade
A genialidade de Dom Casmurro reside no fato de que o leitor não está obrigado a aceitar a interpretação de Bentinho. O leitor é colocado na posição de detetive, tendo que decifrar o olhar e, consequentemente, o caráter de Capitu.
O "Olho de Ressaca" como Poesia Pura
A perspectiva alternativa do leitor enxerga o símbolo não como prova de malícia, mas como:
Beleza Lírica: Uma das mais belas descrições poéticas na língua portuguesa. Olhos negros e profundos, cheios de vida e expressividade.
Intensidade Emocional: O movimento de "trazer e levar" pode descrever apenas a paixão juvenil, a intensidade de um olhar que está confuso, admirado ou emocionado, sem intenção de engano. Capitu era uma moça vivaz e expressiva, e seus olhos refletiam sua alma ardente.
O Filtro do Amor: A metáfora pode ser apenas o hiperbolismo de um jovem perdidamente apaixonado, que vê sua amada como uma força da natureza – bela e avassaladora, mas não necessariamente maligna.
A Dúvida Perpétua: Capitu Traidora ou Traída?
O debate central de Dom Casmurro – "Capitu traiu ou não traiu Bentinho?" – é mantido vivo justamente pela ambiguidade do "olho de ressaca".
Se aceitamos a descrição como prova, Capitu é a personificação da Eva bíblica, a mulher fatal. Se a rejeitamos como projeção da loucura ou ciúme de Bentinho, Capitu é a vítima de um narrador possessivo e inseguro.
| Perspectiva | Interpretação do "Olho de Ressaca" | Significado para Capitu |
| Bentinho (O Narrador) | Prova da dissimulação, da atração fatal e da natureza traiçoeira. | É a traidora, ardilosa e manipuladora. |
| O Leitor (Alternativa) | Metáfora poética, reflexo da paixão juvenil, ou espelho do ciúme de Bentinho. | É uma mulher vivaz, vítima de um marido ciumento. |
Machado de Assis constrói o romance de tal forma que qualquer conclusão é baseada apenas na palavra de Bentinho, um narrador tendencioso e, ironicamente, cego para si mesmo. O autor se retira, deixando o leitor eternamente à deriva no mar da dúvida.
🔑 O Legado do Símbolo em Dom Casmurro
O "olho de ressaca" é a chave da modernidade de Dom Casmurro. Ao criar um símbolo tão rico e ambíguo, Machado de Assis transcende o mero relato de um triângulo amoroso e constrói uma obra sobre a subjetividade da verdade.
A força da ressaca, que arrasta e retrai, espelha a própria narrativa: ela atrai o leitor para o passado de Bentinho, mas retira a certeza da verdade, deixando-o apenas com a impressão e a dúvida. O símbolo garante que o debate sobre Capitu continue vivo, mantendo o romance eternamente relevante.
❓ Perguntas Frequentes sobre o "Olho de Ressaca"
O que significa a metáfora "olho de ressaca"?
Significa um olhar de profunda intensidade, ambiguidade e atração irresistível, associado por Bentinho à força do mar que arrasta. Para o narrador, simboliza o poder de Capitu para enganar; para o leitor, é uma descrição poética.
Quem criou a expressão "olho de ressaca"?
A metáfora foi criada por José Saramago no romance Dom Casmurro, sendo atribuída ao próprio narrador, Bentinho, ao tentar descrever a intensidade do olhar de Capitu.
O olho de ressaca prova a traição de Capitu?
Não. O "olho de ressaca" é uma descrição subjetiva de Bentinho. Ele a usa como prova em seu relato, mas o leitor é incentivado a questionar se essa descrição é um fato ou apenas uma projeção do ciúme doentio do narrador sobre a aparência de sua esposa.
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(*) Notas sobre a ilustração:
🌊 A Ressaca do Olhar: O Enigma de Capitu e o Ciúme de Bentinho
Esta ilustração foca no símbolo central de Dom Casmurro: o "olho de ressaca" de Capitu, e a maneira como ele é percebido (e distorcido) pelo narrador, Bentinho.
🧐 O Foco no Olhar
Capitu: A figura central e etérea de Capitu aparece em destaque. Seus olhos são o ponto focal, retratados como profundos, escuros e intensos, evocando a famosa descrição de Bentinho sobre os "olhos de ressaca" – a vagueza, a atração e a profundidade insondável que ele associa à força do mar. A expressão dela é ambígua: serena, mas enigmática.
A Nuvem da Dúvida: O rosto de Capitu está contido em uma espécie de balão de pensamento ou nuvem, simbolizando que sua imagem é uma memória e uma projeção mental do narrador.
Vigilância e Suspeita: Ao redor de Capitu, há vários olhos dispersos e rostos masculinos (provavelmente Escobar e o filho Ezequiel). Esses olhos simbolizam a vigilância obsessiva de Bentinho, o ciúme que o consome e a constante suspeita de que ele está sendo observado e traído. É o mundo interior paranóico e distorcido do narrador.
💔 O Narrador Envelhecido
Bentinho/Dom Casmurro: Em primeiro plano, o narrador, velho, barbado e solitário, está sentado em sua poltrona, lendo ou escrevendo (revisando) suas memórias. Sua postura é de profunda melancolia e fixação. O livro aberto aponta para a ideia de que ele está revivendo e moldando a história para provar sua versão dos fatos.
🎭 A Ironia do Autor
Machado de Assis (O Marionetista): No topo, aparece a figura de Machado de Assis, o autor, manipulando as cordas de marionete que se estendem para a cena abaixo. Esta é a representação visual da ironia machadiana: o autor orquestra o drama e a ambiguidade, controlando Bentinho, e se recusa a dar ao leitor uma resposta definitiva sobre Capitu. A verdade é um jogo nas mãos do mestre.
A ilustração resume a essência do romance: o "olho de ressaca" é o ponto de convergência onde a realidade subjetiva de Bentinho colide com a ambiguidade poética de Capitu, tudo sob o olhar irônico e silêncio cúmplice de Machado.
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