A obra Grande Sertão: Veredas, de João Guimarães Rosa, publicada em 1956, transcende a categoria de romance regionalista para se firmar como um monumento da literatura universal. Mais do que a história de jagunços e batalhas no sertão mineiro, este livro colossal é uma profunda meditação filosófica sobre a natureza humana, o bem e o mal, o amor e, fundamentalmente, a busca implacável pela identidade e pelo autoconhecimento.
A Urgência da Fala: A Estrutura de Grande Sertão: Veredas (Introdução)
O romance Grande Sertão: Veredas apresenta-se integralmente como um monólogo ininterrupto. O narrador é Riobaldo, um ex-jagunço que agora vive como um respeitável fazendeiro, dirigindo-se a um interlocutor silêncio — um “Doutor” urbano, letrado e desconhecido do sertão.
A estrutura é a chave para a compreensão da obra. A fala de Riobaldo não é um simples relato de memória, mas um ato desesperado e urgente de autoconhecimento. Ao narrar sua vida, ele tenta organizar o caos de suas experiências passadas e, principalmente, responder a duas grandes questões que o atormentam:
A questão do Diabo: Ele realmente fez um pacto com o Diabo para vencer o bando e conquistar Diadorim? O Diabo existe, afinal, ou é uma invenção da fraqueza humana?
A questão de Diadorim: Quem era Diadorim? Seu amigo-irmão, companheiro de armas, ou a mulher que ele amou, cuja revelação final reescreve toda a sua vida e sentimentos?
A narrativa é, portanto, um processo de cura, onde o ato de contar é a única maneira de Riobaldo decifrar e validar sua própria existência e suas escolhas morais.
🔍 A Busca Identitária de Riobaldo: Do Menino ao Jagunço
A jornada física de Riobaldo pelo sertão é inseparável de sua jornada interior. Suas metamorfoses são marcadas por diferentes nomes e papéis, refletindo sua busca incessante por um lugar no mundo e um sentido para sua vida.
Nomes e Fases da Identidade
A identidade de Riobaldo não é fixa; ela se fragmenta e se reconstrói ao longo da narrativa:
Riobaldo: O nome de batismo, ligado à infância e à inocência.
Reis-de-Pau: O nome no início da vida jagunça, simbolizando sua fragilidade e inexperiência.
Tatarana: O nome assumido após entrar para o bando de Joca Ramiro. A tatarana (lagarta urticante) sugere a natureza perigosa e ainda imatura.
Urutu-Branco: O nome mais significativo e temido. Adotado após o suposto pacto com o Diabo, representa sua ascensão ao poder e sua aceitação da violência e da liderança. É o ápice de sua identidade como jagunço, mas também o ponto de maior conflito moral.
O Conflicto Interior e a Ambiguidade Moral
O conflito central de Riobaldo reside na dicotomia entre o homem de bem que ele deseja ser e o jagunço violento que ele se torna por necessidade e ambição.
O Bem vs. o Mal: O sertanejo, temendo o Diabo, tenta racionalizar cada ato de violência. A existência ou não do Diabo é, na verdade, uma projeção do seu próprio conflito moral. Se o Diabo existe, ele pode terceirizar a culpa; se não existe, todos os atos são pura responsabilidade humana.
A Solidão e o Sentido: O sertão, infinito e implacável, é o espelho da solidão existencial de Riobaldo. Sua busca por sentido o leva a se apegar a figuras de autoridade (Joca Ramiro, Zé Bebelo) e, acima de tudo, a Diadorim.
❤️ Diadorim: O Enigma da Ambiguidade e do Amor
A figura de Diadorim é o ponto nodal da ambiguidade e o catalisador da busca identitária de Riobaldo.
O Amor que Reconfigura a Vida
Riobaldo ama Diadorim com uma intensidade avassaladora, mas o percebe como um amor proibido – um amor homoafetivo entre dois jagunços, algo que o perturba profundamente, mas ao qual ele não consegue resistir.
O "Amor Ambíguo": O amor entre eles é a prova de que o sentimento transcende as categorias sociais e de gênero. A revelação final, de que Diadorim era, na verdade, uma mulher disfarçada, revalida retroativamente o amor de Riobaldo perante a sociedade, mas não altera a verdade do sentimento que ele viveu.
O Impacto da Revelação: A morte de Diadorim e a subsequente descoberta de sua identidade feminina (Maria Deodorina) é o evento que força o fim da vida jagunça de Riobaldo e o impele à fala-narrativa. Ele precisa contar a história para entender se o amor que sentiu por um "homem" era pecaminoso, e se ele, como homem, era "torto" por sentir tal afeto.
🗣️ A Narrativa como Autoconhecimento e Redenção
O monólogo de Riobaldo não é apenas uma forma literária; é a essência do seu processo psicológico e existencial.
O Fluxo da Consciência e a Língua do Sertão
A linguagem de Guimarães Rosa, densa, poética e cheia de neologismos (como "o correr da vida embrulha tudo, a vida é assim: esquenta e esfria, aperta e afrouxa, sossega e depois desinquieta") reflete o fluxo caótico e sinuoso do pensamento de Riobaldo.
Oralidade: O texto imita a oralidade do sertanejo, usando frases longas, repetições e digressões.
Dialética: A narração é uma dialética constante entre o passado (a vida jagunça) e o presente (o fazendeiro que tenta ser respeitável).
O Doutor como Testemunha: A presença do interlocutor "Doutor" serve para ancorar a narrativa. Riobaldo precisa de um ouvinte que o valide, que o absolva ou o condene. Ele precisa de uma mente externa para organizar a confusão interna, transformando o vivido em compreendido.
Conclusão: A Grande Vereda da Existência
Grande Sertão: Veredas não oferece respostas fáceis, mas sim a certeza da ambiguidade da vida. Riobaldo conclui que as grandes questões (Diabo, Diadorim, identidade) residem menos em fatos externos e mais na interpretação e na coragem de encarar a própria alma.
A busca identitária se encerra na própria narrativa. Ao final, o ex-jagunço atinge uma forma de paz, compreendendo que "Viver é um descuido prosseguido". A Odisseia de Ulisses era sobre o retorno a um lar físico; a Odisseia de Riobaldo é sobre o retorno e o entendimento de si mesmo, o verdadeiro Grande Sertão: Veredas a ser percorrido.
Perguntas Comuns sobre Grande Sertão: Veredas
Qual a principal temática do livro?
A temática central é a busca identitária de Riobaldo, sua luta com a moralidade e a existência do mal (o Diabo), e o enigma do amor ambíguo por Diadorim.
O que significa o título "Grande Sertão: Veredas"?
Grande Sertão: Representa a vastidão, o perigo, a vida jagunça e o mundo interior (o "grande sertão" da alma humana).
Veredas: São os caminhos de água e vegetação que cortam o sertão. Simbolizam os caminhos da vida, as escolhas, o destino e as alternativas que Riobaldo teve que trilhar.
Quem é Diadorim?
Diadorim é o amigo e companheiro de armas de Riobaldo, por quem ele nutre um amor profundo e perturbador. Ao final do livro, revela-se que Diadorim era, na verdade, uma mulher (Maria Deodorina) disfarçada.
🎄 Promoção Natalina da Livraria Online Ariadne 🎁
📌 Anote isso!
Se quiser garantir os downloads gratuitos, o ideal é olhar a Amazon entre 05h01 do dia 19/12 e 04h59 do dia 24/12 (horário de Brasília).
(*) Notas sobre a ilustração de Grande Sertão: Veredas:
A ilustração inspirada em Grande Sertão: Veredas, de João Guimarães Rosa, apresenta uma composição simbólica e poética que traduz visualmente os grandes temas do romance: a travessia, a linguagem, o sertão e o autoconhecimento.
No centro da imagem, uma vereda sinuosa em forma de rio corta o sertão árido, funcionando como metáfora do próprio percurso narrativo e existencial. Esse caminho líquido, repleto de palavras e fragmentos escritos, sugere que a história se constrói pela linguagem, elemento fundamental da obra de Guimarães Rosa. O rio-vereda conduz o olhar até uma árvore solitária, iluminada por uma lua ou sol nascente, símbolo do destino, do sentido buscado e do eixo espiritual da narrativa.
À esquerda, vê-se um homem sentado, em atitude reflexiva, de onde parecem brotar as palavras que alimentam o curso da vereda. Ele representa o narrador, Riobaldo, que conta sua história como quem organiza a própria memória, transformando experiência em discurso. O gesto de narrar aparece como um ato de criação e de compreensão do mundo.
À direita, surge um jagunço montado a cavalo, armado com arco, figura que remete à vida de luta, violência e códigos do sertão. Ao seu redor, formas etéreas femininas emergem como espectros ou lembranças, evocando Diadorim, personagem central e ambígua, cuja presença atravessa toda a narrativa como amor, mistério e conflito interior.
O sertão ao redor — com cactos, pedras e vastidão — não aparece apenas como espaço geográfico, mas como um estado da alma, fiel à célebre ideia do romance de que “o sertão é dentro da gente”. O céu estrelado e os raios de luz reforçam a dimensão metafísica da obra, onde o bem e o mal, Deus e o diabo, dúvida e fé se entrelaçam.
O título no topo, “Grande Sertão: Veredas”, e a inscrição inferior, “A narrativa como autoconhecimento”, orientam a leitura da imagem: trata-se de uma representação visual do romance como uma longa travessia interior, em que contar a própria história é o meio pelo qual o sujeito tenta compreender a si mesmo e o mundo que o cerca.
Nenhum comentário:
Postar um comentário