A obra-prima de João Guimarães Rosa, Grande Sertão: Veredas, não é apenas um épico sobre jagunços e o sertão brasileiro; é um mergulho profundo nas questões metafísicas e morais que atormentam a humanidade. No coração deste vasto e labiríntico romance, reside o tema central do dualismo, a incessante luta entre o Bem e o Mal. Através da voz filosófica do ex-jagunço Riobaldo, o leitor é conduzido por uma interrogação existencial sobre a pureza das ações, a natureza do Diabo e o amor que transcende todas as definições. Este artigo explora como Rosa desmantela a noção de pureza moral, revelando o Bem e o Mal como forças entrelaçadas na complexidade da condição humana no sertão.
Introdução: O Pacto, o Sertão e a Alma de Riobaldo
Publicado em 1956, Grande Sertão: Veredas revolucionou a literatura brasileira e mundial. Narrado em primeira pessoa por Riobaldo, que conta suas memórias a um interlocutor silencioso, o livro é uma torrente de pensamento, prosa poética e filosofia. O foco da narrativa, mais do que as batalhas de jagunços, é a jornada interior de Riobaldo, marcada por duas obsessões que definem o dualismo da obra:
A dúvida sobre ter feito um pacto com o Diabo.
A tentativa incessante de decifrar a natureza de seu companheiro de armas, Reinaldo, mais tarde conhecido como Diadorim, anjo ou demônio.
A obra questiona se o Bem e o Mal podem existir em estados puros, ou se são apenas facetas de uma mesma força, manifestadas no sertão — um espaço que é, ao mesmo tempo, "o mundo" e o palco da alma humana.
⚖️ A Luta entre o Bem e o Mal: O Dualismo Ontológico
A luta entre o Bem e o Mal em Grande Sertão: Veredas não é uma alegoria simplista; é um princípio ontológico, uma forma de questionar a própria existência.
O Diabo: Uma Força, Não uma Pessoa
A obsessão de Riobaldo com o pacto satânico é o motor da trama e o ponto de partida para a reflexão moral. Ele passa a vida tentando provar que o Diabo existe para poder atribuir a ele a responsabilidade por seus atos violentos e questionáveis.
A Negação da Pureza: Rosa subverte a imagem tradicional do Diabo. O Diabo, para Riobaldo, não é uma figura com chifres, mas sim a ausência de ordem, o caos, a tentação do mal que reside em cada um.
O "Não Ser": O famoso aforismo do livro, "O diabo não há, é o que não existe," sugere que o Mal não é uma entidade externa, mas a própria negação da plenitude, a falha moral inerente ao ser. A existência do Diabo é, na verdade, a existência da dúvida e da responsabilidade humana.
A Ambiguidade Moral e a Condição Jagunça
O universo dos jagunços é o laboratório onde o dualismo é testado. O jagunço, por natureza, vive à margem da lei, cometendo atos de violência e justiça particular.
O Código de Honra: Apesar da violência inerente, os jagunços vivem sob um rigoroso código de honra. Eles podem ser cruéis em batalha, mas leais aos seus chefes e amigos, e frequentemente demonstram piedade ou atos de generosidade.
Zé Bebelo vs. Hermógenes: A dicotomia dos personagens chefes reflete essa ambiguidade. Zé Bebelo representa a faceta da lei e da ordem (o Bem institucionalizado), mas muitas vezes é fraco ou ineficaz. Hermógenes é a crueldade pura e calculista (o Mal encarnado), mas sua existência é essencial para a definição de Bem. O próprio Riobaldo transita entre esses polos, sendo, ao mesmo tempo, assassino e filósofo.
💖 Diadorim: O Anjo e o Demônio
A figura de Diadorim é o ponto nevrálgico onde o dualismo se torna mais doloroso e complexo. Riobaldo vive obcecado em definir se o jagunço Reinaldo (Diadorim) é anjo ou demônio.
A Pureza e a Fatalidade
Para Riobaldo, Diadorim representa a pureza inatingível. Ele é a beleza, a coragem serena e a lealdade absoluta. Riobaldo o vê como uma força protetora, quase divina (um anjo), que o guia e o salva. Esse amor, no entanto, é tingido pela melancolia, pois Riobaldo o reprime, convencido de que o amor entre homens é proibido ou "perigoso".
| Aspecto | Interpretação de Riobaldo | Significado Dualista |
| Aparência | Beleza imaculada, pureza | O Ideal (Bem) |
| Combate | Fúria controlada, eficácia fatal | A Destruição (Mal necessário) |
| Amor | Amor fraternal reprimido | O Proibido/Incompreendido |
| Segredo | Ocultação da identidade feminina | O Mistério Inextricável |
A Revelação e a Unidade
A tragédia do romance culmina com a morte de Diadorim e a revelação de sua verdadeira identidade: ele era, na verdade, uma mulher. Essa descoberta é o golpe final na estrutura dualista de Riobaldo.
A Ruptura das Categorias: A revelação dissolve as categorias rígidas de Riobaldo: o amor que ele sentia não era proibido, mas sim a forma mais pura de paixão. Diadorim era o Bem e o Mal coexistindo: o guerreiro implacável (Mal) e o amor redentor (Bem), e, mais crucialmente, o homem (Reinaldo) e a mulher (Diadorim).
O Fim da Busca: A morte de Diadorim e a verdade sobre sua identidade fazem Riobaldo perceber que o Bem e o Mal não são opostos lutando, mas sim faces inseparáveis da mesma moeda humana. A beleza estava na mistura.
🗣️ Estilo, Linguagem e a Inflexão Filosófica
O estilo de Guimarães Rosa é intrinsecamente ligado ao dualismo da obra. A linguagem é um sertão verbal onde o arcaico e o moderno, o regional e o universal, se fundem.
Neologismos e Ritmo
O uso de neologismos, a inversão sintática e o ritmo oral da narração (marcado pelo discurso direto e pela constante interpelação ao interlocutor) criam uma atmosfera de fluxo de consciência. Essa linguagem labiríntica obriga o leitor a participar ativamente da busca por significado, espelhando a dificuldade de Riobaldo em definir a verdade. O texto é, ele próprio, uma manifestação do dualismo: a simplicidade aparente do falar sertanejo versus a profundidade metafísica das reflexões.
O Sertão: Cenário e Símbolo
O sertão é mais do que um pano de fundo; é um personagem dual. É o lugar da liberdade e da beleza (Bem) e, ao mesmo tempo, o palco da seca, da violência e da morte (Mal).
“O sertão é do tamanho do mundo. Ou maior.”
Esta frase encapsula a ideia de que o sertão é o microcosmo da experiência humana, onde todas as contradições do mundo se manifestam.
💬 Perguntas Comuns sobre o Dualismo
1. Riobaldo fez o pacto com o Diabo?
O livro nunca dá uma resposta definitiva. O pacto é, em última análise, simbólico. O que importa não é se a entidade Diabo existe, mas sim a crença de Riobaldo em ter feito o pacto, que o leva a agir com a força e a determinação que ele atribui à influência satânica. O pacto é a metáfora para a aceitação da sua natureza ambígua e, finalmente, para a assunção da responsabilidade pelos seus atos.
2. Qual é a mensagem final do livro sobre o Bem e o Mal?
A mensagem não é de que o Bem vence o Mal, mas sim que eles coexistem. A obra Grande Sertão: Veredas questiona a existência pura do bem e do mal. Eles estão "misturados". O Mal é, muitas vezes, a sombra da ignorância ou da falta de amor. O Bem é a capacidade de amar e de buscar a luz, mesmo em meio à violência. A sabedoria de Riobaldo está em reconhecer essa inseparabilidade.
Conclusão: O Sertão e o Infinito
Grande Sertão: Veredas não oferece respostas fáceis sobre a luta entre o Bem e o Mal. Guimarães Rosa, através da voz inesquecível de Riobaldo, convida o leitor a desconfiar das categorias morais rígidas. A grande lição do sertão é que a condição humana é definida pelo dualismo, pela constante oscilação entre a luz e a sombra. O amor por Diadorim e a busca pelo Diabo são, em última instância, a mesma busca: a do autoconhecimento e da aceitação da própria complexidade moral.
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🖼️ Descrição da Ilustração: A Luta entre o Bem e o Mal em Grande Sertão: Veredas
A ilustração é uma representação visual poderosa e dualista do conflito moral e existencial que permeia o romance Grande Sertão: Veredas. O quadro é dividido verticalmente em duas metades contrastantes, simbolizando a inseparabilidade do Bem e do Mal na jornada de Riobaldo.
🌓 Metade Esquerda (O Mal/O Caos)
Esta seção retrata o aspecto sombrio e violento do sertão e da alma humana, associado à dúvida do pacto com o Diabo e à vida jagunça:
Paleta de Cores: Dominada por tons de vermelho escuro, cinza e preto, evocando fogo, sangue, destruição e o calor da seca.
Elementos Sombrios: No topo, uma figura demoníaca, espectral e gigantesca, paira sobre a paisagem, com olhos vermelhos e garras afiadas, personificando o Mal e a incerteza do Diabo. Raios e fogo irrompem ao redor, sugerindo fúria e caos.
Cenário: O chão é árido e rachado, com árvores secas e retorcidas.
Ação: Cavalos e jagunços em silhueta, armados, avançam em um terreno de conflito, representando a violência inerente à vida no sertão. Lobos ou cães selvagens (cachorros do Diabo) correm pela terra seca.
☀️ Metade Direita (O Bem/A Pureza)
Esta seção representa a esperança, a beleza da Natureza e a figura de Diadorim, o anjo e a pureza que Riobaldo tanto busca:
Paleta de Cores: Clara e viva, com tons de verde luxuriante, azul do céu e amarelo do sol.
Elementos Luminosos: O sol brilha intensamente no horizonte, simbolizando a verdade, a clareza e o conhecimento que Riobaldo tenta alcançar. O céu está adornado com nuvens suaves.
Cenário: A paisagem é verde e fértil, com colinas suaves e riachos sinuosos (as "veredas").
Vida: Rebanhos de gado e árvores frondosas pontuam a paisagem, representando a vida, a paz e a Natureza como a única realidade objetiva e pura.
🧍 Figuras Centrais (O Dualismo Humano)
No centro da divisão, em primeiro plano, estão os dois protagonistas que personificam o conflito interno de Riobaldo:
Riobaldo: O ex-jagunço está no centro da composição, visualmente dividido entre os dois mundos. Seu rosto tem uma expressão grave e pensativa, com traços marcados pela experiência e pela dúvida. Ele segura seu rifle, símbolo de sua vida de violência, mas seu corpo está ligeiramente voltado para o lado da luz, indicando sua busca pela moralidade.
Diadorim: Posicionado à direita de Riobaldo, no lado da luz. Ele/Ela está vestido(a) com roupas claras, quase angelicais, e possui uma auréola sutil (halo de santidade) sobre a cabeça, representando o ideal de pureza e o "anjo" que Riobaldo via. Sua expressão é serena e enigmática, refletindo o segredo de sua identidade e o amor que redime Riobaldo.
🖋️ Inscrição
A base da imagem leva a inscrição: "GRANDE SERTÃO: VEREDAS — A LUTA ENTRE O BEM E O MAL —", que resume o tema central da obra e do próprio dualismo visual da ilustração.
A composição, ao fundir os opostos em uma única imagem, ilustra perfeitamente a tese do romance: o Bem e o Mal não são entidades separadas, mas forças coexistentes e entrelaçadas na complexidade do sertão e da alma de Riobaldo.
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