Introdução: O Poeta que Sonhou uma Nação
Fernando Pessoa é frequentemente celebrado pela complexidade de seus heterônimos, como Álvaro de Campos ou Ricardo Reis. No entanto, existe uma faceta do poeta que mergulha profundamente nas raízes da alma lusitana: o seu lado ortônimo, místico e nacionalista. Em sua obra-prima "Mensagem" (1934), o único livro em português publicado em vida, Pessoa não apenas reconta a história de Portugal, mas projeta um futuro transcendental.
Através do Saudosismo e do mito do Sebastianismo, Pessoa estabelece um diálogo direto com a tradição literária, especialmente com Luís de Camões, para anunciar o nascimento de um Quinto Império — não de armas ou territórios, mas de cultura, espírito e língua.
Fernando Pessoa e a Herança de Luís de Camões
Para compreender o pensamento de Fernando Pessoa sobre o destino de Portugal, é preciso olhar para trás, especificamente para o século XVI. Pessoa via-se como o herdeiro espiritual de Luís de Camões, o autor de Os Lusíadas.
O Super-Camões
Pessoa chegou a afirmar que Portugal precisava de um "Super-Camões". Enquanto Camões cantou as glórias materiais das Descobertas e o império físico, Pessoa propunha cantar a "viagem interior" e o império da alma.
Camões: Celebra o passado e a conquista dos mares.
Pessoa: Celebra o futuro e a conquista do "Mar Interior" (o autoconhecimento e a espiritualidade).
Esta relação não é de oposição, mas de continuidade. Pessoa acreditava que a missão iniciada pelos navegadores portugueses ainda não estava concluída; ela apenas mudaria de natureza.
O Saudosismo e a Essência da Alma Portuguesa
O Saudosismo foi um movimento estético e filosófico, liderado inicialmente por Teixeira de Pascoaes, que Pessoa integrou e adaptou. Diferente da "saudade" comum, o Saudosismo pessoano é uma força ativa.
Saudade do Futuro: É o desejo por algo que ainda não aconteceu, mas que está latente na alma do povo.
A Dor de Portugal: Pessoa via o Portugal de sua época como uma nação "adormecida", vivendo de glórias passadas. O saudosismo servia como o combustível para despertar a vontade de ser "tudo de todas as maneiras".
O Mito Sebastianista: O Regresso do Rei Desejado
O Sebastianismo é o mito fundador da esperança messiânica portuguesa. Baseia-se na crença de que o Rei D. Sebastião, desaparecido na Batalha de Alcácer-Quibir em 1578, retornaria em uma manhã de nevoeiro para restaurar a glória de Portugal.
O "Desejado" em Mensagem
Na obra Mensagem, D. Sebastião é tratado não como uma figura histórica de carne e osso, mas como um símbolo do "Eterno Retorno" e da loucura necessária para grandes feitos.
"O que é a loucura? É o que o mundo não compreende."
Para Pessoa, o regresso de D. Sebastião simboliza o despertar da consciência nacional. É o momento em que o povo português deixa de ser um "cadáver adiado" para se tornar novamente um agente da história universal.
O Quinto Império: Uma Hegemonia Espiritual
A ideia do Quinto Império é o ápice do misticismo pessoano. Baseado nas profecias de Daniel e de António Vieira, Pessoa reinterpreta os quatro impérios anteriores (Grécia, Roma, Cristandade e Europa/Inglaterra) para anunciar o próximo.
Características do Quinto Império Pessoano
Diferente dos impérios anteriores, o Quinto Império de Fernando Pessoa não se baseia em dominação política ou militar. Suas características principais são:
Universalismo: Uma cultura que integra todas as outras.
A Língua Portuguesa: O veículo de união entre os povos ("Minha pátria é a língua portuguesa").
Fraternidade Espiritual: Um estado de paz e sabedoria que transcende as fronteiras físicas.
Pessoa acreditava que Portugal, por ter sido a nação que "deu mundos ao mundo" durante as Descobertas, tinha a autoridade moral para liderar esta nova era de iluminação cultural.
Perguntas Frequentes sobre Fernando Pessoa e o Sebastianismo (FAQ)
1. O que é o Sebastianismo para Fernando Pessoa? É um mito de renovação. Pessoa não acreditava no retorno físico do rei, mas sim na ressurreição da energia criativa e espiritual de Portugal, que estava estagnada.
2. Qual a importância do livro "Mensagem" para o Quinto Império? Mensagem funciona como um roteiro simbólico. O livro é dividido em três partes (Brasão, Mar Português e O Encoberto) que representam o nascimento, a expansão e o futuro espiritual da nação.
3. Fernando Pessoa era monarquista por causa do Sebastianismo? Pessoa tinha ideias políticas complexas, mas seu Sebastianismo era predominantemente místico e literário, e não uma agenda política para restaurar a monarquia tradicional.
4. Como a obra de Camões influenciou o Quinto Império? Camões forneceu a base épica. Pessoa acreditava que, após o império físico de Camões ter desmoronado, cabia a ele (Pessoa) construir o império intelectual que nunca morreria.
Conclusão: O Destino de uma Nação de Poetas
A obra de Fernando Pessoa sobre o Saudosismo e o Quinto Império não deve ser lida como um nacionalismo cego ou agressivo. Pelo contrário, é um convite à grandeza de pensamento. Ao dialogar com Luís de Camões e elevar o Sebastianismo a uma categoria filosófica, Pessoa ofereceu a Portugal — e ao mundo — uma visão de futuro onde o conhecimento e a poesia são os verdadeiros governantes.
Hoje, o Quinto Império pode ser visto na expansão global da lusofonia e na resiliência da cultura portuguesa, provando que, para Pessoa, o futuro era, de fato, um lugar para onde se regressa com saudade.
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(*) Notas sobre a ilustração:
A ilustração representa de forma simbólica e alegórica o pensamento de Fernando Pessoa, articulando duas ideias centrais de sua obra: o Saudosismo e o mito do Quinto Império, profundamente ligado ao Sebastianismo.
No primeiro plano, vê-se Fernando Pessoa como intelectual e visionário: um homem sóbrio, de terno escuro, segurando um livro aberto. Essa postura remete ao poeta como leitor da tradição, intérprete da história e profeta literário. A multiplicação fantasmática de sua figura ao fundo sugere a heteronímia, isto é, a fragmentação do “eu” pessoano em múltiplas vozes e consciências.
No centro da composição, flutuando entre o céu e o mar, surge uma cidade feita de livros, organizada como uma pirâmide invertida. Essa construção simboliza o Quinto Império, não como domínio territorial ou militar, mas como um império espiritual, cultural e linguístico, fundado na palavra, no conhecimento e na poesia — ideia desenvolvida por Pessoa sobretudo em Mensagem. No topo dessa cidade-livro, brilha o brasão de Portugal, irradiando luz, o que reforça a noção de um destino histórico e metafísico da nação portuguesa.
O céu atravessado por uma espécie de aurora mística intensifica o clima visionário e profético, remetendo ao Saudosismo: um movimento que valoriza a saudade não apenas como nostalgia do passado, mas como força criadora, capaz de projetar o futuro a partir da memória coletiva.
À direita, entre nuvens, aparece uma figura coroada de louros, evocando o rei D. Sebastião, desaparecido em Alcácer-Quibir. Sua presença etérea indica o Sebastianismo, mito segundo o qual o rei retornaria para restaurar a grandeza de Portugal. Em Pessoa, esse retorno não é literal, mas simbólico: o “Encoberto” surge como princípio espiritual que conduzirá o país ao Quinto Império.
Na parte inferior, o mar — elemento central da identidade portuguesa — mostra caravelas e um cavaleiro avançando sobre as águas. Essas imagens remetem às Grandes Navegações e à expansão histórica de Portugal, agora reinterpretadas não como conquista material, mas como jornada espiritual e cultural.
Assim, a ilustração sintetiza visualmente a visão pessoana de Portugal: uma nação marcada pela saudade, pela espera messiânica e pela crença em um futuro grandioso fundado na língua, na cultura e no espírito — um império que não domina territórios, mas consciências.
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