A publicação de Pedro Páramo em 1955 não foi apenas o lançamento de um romance; foi um terremoto literário cujos ecos ainda ressoam em todas as línguas. Escrito pelo mexicano Juan Rulfo, este livro magro em páginas, mas vasto em complexidade, é frequentemente citado como a pedra angular do que viria a ser o "Boom" latino-americano. Jorge Luis Borges chegou a afirmar que se tratava de uma das melhores novelas de todas as literaturas.
Neste artigo, mergulharemos no labirinto de vozes de Comala para entender por que este livro continua a fascinar e desafiar leitores décadas após sua criação.
O Enredo de Pedro Páramo: Uma Viagem ao Mundo dos Mortos
A premissa de Pedro Páramo parece, inicialmente, simples: Juan Preciado, atendendo ao último desejo de sua mãe no leito de morte, viaja até a cidade de Comala para encontrar seu pai, um poderoso coronel chamado Pedro Páramo, e reclamar o que lhe é de direito.
No entanto, ao chegar, Juan não encontra a cidade vibrante das memórias de sua mãe, mas um lugar fantasmagórico, calcinado pelo sol e habitado por murmúrios.
A Estrutura Narrativa Fragmentada
Diferente dos romances lineares da época, Rulfo utiliza uma estrutura revolucionária:
Múltiplas Linhas Temporais: O texto alterna entre a busca de Juan Preciado no "presente" e a ascensão e queda de Pedro Páramo no passado.
Vozes e Fragmentos: A narrativa é composta por retalhos de conversas, pensamentos e monólogos. Muitas vezes, o leitor só percebe quem está falando — ou que o interlocutor já morreu — após várias linhas de texto.
O Silêncio como Personagem: Em Comala, o que não é dito tem tanto peso quanto os diálogos. O silêncio sublinha o abandono e a esterilidade da terra.
Realismo Mágico ou Realismo Fantástico?
Embora o termo Realismo Mágico seja frequentemente associado a Gabriel García Márquez, foi em Pedro Páramo que ele encontrou uma de suas expressões mais puras e sombrias.
Em Comala, a fronteira entre os vivos e os mortos não existe. Os fantasmas não são entidades sobrenaturais assustadoras no sentido clássico; eles são memórias que se recusam a desaparecer, presos a uma terra que Pedro Páramo, em sua vingança e desamor, deixou morrer.
A Influência sobre Gabriel García Márquez
É impossível falar de Pedro Páramo sem mencionar que García Márquez sabia o livro de cor. Antes de escrever Cem Anos de Solidão, o autor colombiano estava em um bloqueio criativo que só foi quebrado após a leitura da obra de Rulfo. A cidade mítica de Macondo deve muito à poeira e ao desespero de Comala.
Temas Centrais: Poder, Culpa e Religião
O romance de Juan Rulfo opera em várias camadas simbólicas. Abaixo, destacamos os pilares temáticos que sustentam a narrativa:
1. O Patriarcado e o Coronelismo
Pedro Páramo é o arquétipo do caudilho latino-americano. Ele é o dono da terra, dos corpos e das almas. Sua tirania transforma a "Media Luna" (sua fazenda) no centro de um império construído sobre a violência e a falta de escrúpulos.
2. A Busca pelo Pai (Telêmaco Mexicano)
A jornada de Juan Preciado é uma busca mítica. A figura do pai ausente reflete não apenas uma ferida familiar, mas a própria identidade de um México (e de uma América Latina) em busca de suas raízes após séculos de colonização e revoluções fracassadas.
3. A Falência da Instituição Religiosa
Através da figura do Padre Rentería, Rulfo critica a Igreja. O padre é incapaz de perdoar os pecados dos pobres enquanto se curva ao poder de Pedro Páramo. Em Comala, ninguém entra no céu porque o perdão foi mercantilizado ou negado, deixando as almas em um eterno purgatório terrestre.
O Estilo de Juan Rulfo: A Poesia do Deserto
O que torna Pedro Páramo uma obra única é a economia de palavras de Rulfo. Ele escreve como se estivesse esculpindo em pedra.
Linguagem Popular Elevada: Rulfo captura a fala do camponês mexicano, mas a transforma em alta poesia.
Imagens Sensoriais: O calor sufocante, o cheiro de saponária e o som dos passos na terra seca são descritos de forma que o leitor sinta o ambiente físico da cidade.
Perguntas Comuns sobre Pedro Páramo (FAQ)
1. O livro é difícil de ler?
A primeira leitura pode ser desafiadora devido à fragmentação. A dica é deixar-se levar pelas sensações e pelas vozes, sem tentar "entender" a cronologia de imediato. Na segunda leitura, as peças do quebra-cabeça se encaixam magistralmente.
2. Por que Pedro Páramo destruiu Comala?
Após a morte de Susana San Juan, a única mulher que Pedro realmente amou (ou desejou possuir a alma), ele cruza os braços e decide que a cidade morrerá de fome junto com ele. É o ato final de um egoísmo absoluto.
3. Pedro Páramo é um livro sobre a Revolução Mexicana?
Sim, a Revolução Mexicana serve como pano de fundo. Rulfo mostra como o movimento, que prometia terra e liberdade, foi manipulado por homens como Pedro Páramo para manter o status quo.
Conclusão: Por que ler Pedro Páramo hoje?
Ler Pedro Páramo é uma experiência transformadora. Em um mundo saturado de informações lineares e explicações fáceis, o romance de Juan Rulfo nos obriga a confrontar o mistério, a finitude e as marcas que o poder deixa na terra e no espírito humano.
É um livro sobre fantasmas, mas os fantasmas mais reais são aqueles que carregamos dentro de nós: nossos arrependimentos, nossos amores não correspondidos e as promessas feitas a quem já se foi. Se você busca entender a alma da literatura moderna, o caminho passa, inevitavelmente, por Comala.
Conhece nossa Livraria Online Ariadne!!!
(*) Notas sobre a ilustração:
A ilustração é a capa de uma edição brasileira do romance clássico Pedro Páramo, de Juan Rulfo, intitulado aqui Pedro Páramo: O Labirinto das Almas em Comala. Ela captura de forma evocativa e onírica os temas centrais da obra — a decadência, a morte, os fantasmas e o mundo sobrenatural de Comala, a vila fantasma mexicana onde se passa a história.
O fundo apresenta um cenário árido e crepuscular de um vilarejo em ruínas no deserto mexicano: casas de adobe desmoronadas, com paredes rachadas e tijolos expostos, pilhas de entulhos e pedras espalhadas pelo chão seco e poeirento. O céu é um degradê de laranja e amarelo ao pôr do sol, com nuvens etéreas e folhas outonais (talvez representando almas ou memórias) flutuando no ar, sugerindo um tempo suspenso entre vida e morte. No centro superior, ergue-se uma igreja imponente, mas parcialmente em ruínas, com uma cruz proeminente; ao lado dela, flutua a figura translúcida e fantasmagórica de uma mulher de véu longo e esvoaçante (provavelmente Susana San Juan, o grande amor obsessivo de Pedro Páramo), emergindo de uma lua cheia dourada que paira como um halo sobrenatural. Mais acima, uma figura masculina etérea de túnica e barba (possivelmente um padre ou anjo) paira em pose de bênção, envolto em nuvens.
No primeiro plano, o foco está nos personagens humanos e espectrais, em estilo de traço grosso e sombreado, com tons terrosos e pastéis que reforçam o tom fantasmagórico:
- Ao centro, caminhando em direção ao observador: Um homem jovem de camisa clara, calças escuras e mochila no ombro (claramente Juan Preciado, o protagonista que chega a Comala em busca do pai). Sua sombra alongada no chão seco enfatiza a solidão e o peso da jornada.
- À direita, sentado em uma pilha de pedras como um trono improvisado: Um homem maduro, robusto, de terno escuro e chapéu, com expressão severa e autoritária (Pedro Páramo em pessoa, o cacique tirânico, dono da terra e das almas da vila).
- Ao redor deles, como testemunhas silenciosas: Um grupo de figuras translúcidas e fantasmagóricas — mulheres de véu (uma delas com criança no colo), homens sentados em posição abatida, uma garota jovem de vestido claro —, representando os mortos de Comala, murmurando memórias do passado. Elas parecem emergir das ruínas, semi-transparentes, integrando o mundo dos vivos e dos espectros.
No topo, o título estilizado PEDRO PÁRAMO em letras grandes e douradas, com o nome do autor Juan Rulfo abaixo em menor escala. Na base, o subtítulo O Labirinto das Almas em Comala em letras elegantes e sombreadas, reforçando a ideia de um emaranhado de vozes dos mortos.
A composição é simétrica e cinematográfica, com um forte contraste entre o calor do entardecer e o frio espectral das figuras, evocando o realismo mágico da narrativa: a vila próspera outrora reduzida a um purgatório de ecos, onde o vivo se perde entre fantasmas. É uma ilustração magistral que não só atrai visualmente, mas sintetiza a essência da trama — a busca infrutífera, o poder corruptor e o labirinto eterno das almas penadas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário