Publicado em 1956, Grande Sertão: Veredas de João Guimarães Rosa é mais do que um romance; é um universo em si. Uma obra-prima da literatura brasileira, este livro desafia classificações fáceis, mergulhando o leitor em uma jornada existencial, linguística e espiritual através do sertão mineiro. O que fascina e, por vezes, intriga, é a teia complexa de elementos que compõem sua narrativa: o mito, o sagrado e o profano, que se entrelaçam na vida e nos pensamentos do jagunço Riobaldo.
Neste artigo, exploraremos as profundezas de Grande Sertão: Veredas, analisando como Rosa tece esses três pilares para construir uma obra atemporal que questiona a natureza do bem e do mal, da fé e da dúvida, e da própria existência humana.
Resumo da Trama: O Sertão Contado por Riobaldo
A história de Grande Sertão: Veredas é narrada em primeira pessoa por Riobaldo, um ex-jagunço que, em sua velhice, tenta organizar suas memórias e reflexões. Ele se dirige a um interlocutor silencioso, um "senhor doutor", a quem confessa seus dilemas, suas experiências e, principalmente, sua grande dúvida: "o diabo existe ou não existe?".
A narrativa não-linear acompanha a vida de Riobaldo desde sua juventude, passando por sua entrada para o bando de jagunços, suas batalhas, suas amizades e inimizades. Central para a trama é a relação de Riobaldo com Diadorim, um companheiro jagunço por quem nutre um amor profundo, mas que ele acredita ser proibido pela homossexualidade e pelo código de honra do sertão.
A luta contra Hermógenes, um jagunço traiçoeiro, e a possível pactuação de Riobaldo com o diabo para obter vitória, formam o cerne do conflito exterior e interior da obra. No final, a grande revelação sobre Diadorim (que era uma mulher disfarçada) lança uma nova luz sobre toda a jornada de Riobaldo, validando seus sentimentos e suas angústias.
O Sertão de Rosa: Entre o Real e o Transcendental
Guimarães Rosa não descreve o sertão; ele o cria em palavras. Este sertão não é apenas um espaço geográfico, mas um palco onde o humano se confronta com o divino, o irracional e o indizível.
O Mito: Narrativas Fundadoras e a Criação do Mundo Sertanejo
Em Grande Sertão: Veredas, o mito não é algo do passado distante, mas uma força viva que molda a realidade. As histórias de Riobaldo, por vezes, assumem contornos de lendas, de relatos que adquirem uma verdade própria, independentemente da veracidade factual.
A Figura do Diabo: A presença ou ausência do diabo é o grande mito fundante que permeia toda a obra. Riobaldo vive sob a constante dúvida de ter feito um pacto com o mal, e essa dúvida o obriga a reavaliar suas ações e a natureza do bem.
Heróis e Anti-Heróis: Os jagunços, com seus códigos de honra e vingança, assemelham-se a heróis míticos, suas batalhas ecoando as epopeias clássicas. No entanto, são heróis com falhas, humanos demais, oscilando entre a glória e a miséria.
O Sertão como Labirinto: O próprio sertão é um lugar mítico, um labirinto onde se perde a razão e se encontra a alma. As veredas, as serras e os rios são mais do que paisagens; são portais para o desconhecido, para o "além" que desafia a compreensão lógica.
O Sagrado: Crendices, Rezas e a Espiritualidade Sincrética
A espiritualidade permeia cada fresta da vida sertaneja em Grande Sertão: Veredas. É um sagrado complexo, sincrético, onde o catolicismo popular se mistura a crenças ancestrais e superstições.
Pactos e Rezas: Riobaldo, assim como os outros jagunços, recorre a rezas, benzeduras e até a rituais para se proteger ou para buscar auxílio em momentos de desespero. A fé é uma ferramenta de sobrevivência, um escudo contra as incertezas e a violência.
A Visão da Morte: A morte no sertão é vista como um rito de passagem, muitas vezes violento, mas sempre carregada de significado espiritual. Os mortos não desaparecem; eles se tornam parte da paisagem, da memória e, por vezes, das "visagens".
Moralidade Relativa: O sagrado em Rosa não é dogmático. Ele coexiste com a violência, com a paixão e com os atos mais reprováveis, forçando o leitor a questionar onde reside a verdadeira santidade e se ela pode ser encontrada até mesmo nos corações mais rudes.
O Profano: Violência, Paixão e a Condição Humana
Contrastando com o sagrado, ou talvez como sua sombra inseparável, o profano em Grande Sertão: Veredas manifesta-se na crueza da vida jagunça.
A Violência Bruta: As batalhas, as emboscadas, os assassinatos – a violência é uma constante no sertão. Ela não é romantizada, mas apresentada em sua brutalidade e suas consequências, muitas vezes dilacerando a moral dos personagens.
Amor e Desejo Proibido: A paixão de Riobaldo por Diadorim, uma paixão que ele acredita ser "errada" por conta do gênero aparente de seu amado, é a expressão máxima do profano em conflito com o que ele percebe como sagrado. É um desejo que o consome e o impulsiona.
A Ambiguidade Moral: Os personagens não são heróis ou vilões puros. Zé Bebelo é justo, mas implacável; Hermógenes é traiçoeiro, mas poderoso. A profanidade reside na capacidade humana de ser cruel, mas também de amar profundamente, de pecar e de buscar a redenção.
O Estilo de Guimarães Rosa: A Linguagem como Sertão
A linguagem em Grande Sertão: Veredas é um capítulo à parte. Guimarães Rosa subverte as normas gramaticais, cria neologismos, incorpora regionalismos e provérbios, e joga com a sonoridade das palavras para construir um texto que é, em si, um espelho do sertão. A oralidade da fala de Riobaldo é transportada para a escrita, tornando a leitura uma experiência imersiva e, por vezes, desafiadora. A forma é intrinsecamente ligada ao conteúdo; a complexidade da linguagem reflete a complexidade da vida de Riobaldo e da própria existência.
FAQ: Perguntas Frequentes sobre Grande Sertão: Veredas
Qual é a principal mensagem de Grande Sertão: Veredas?
A principal mensagem é a da busca incessante por sentido e por respostas existenciais. O livro explora a dualidade entre o bem e o mal, a fé e a dúvida, e a complexidade da natureza humana, sugerindo que a vida é um constante questionamento.
Quem é Diadorim?
Diadorim é o grande amor de Riobaldo, um companheiro jagunço. No final do livro, é revelado que Diadorim era, na verdade, uma mulher disfarçada, o que redefine a paixão de Riobaldo e adiciona uma camada de tragédia e destino à sua história.
O diabo existe no livro?
Essa é a grande pergunta que Riobaldo se faz e que permeia toda a obra. Guimarães Rosa nunca dá uma resposta direta. O "diabo" pode ser interpretado como a própria manifestação do mal, as escolhas erradas, a loucura ou até mesmo uma força que reside dentro de cada ser humano. É a dúvida sobre sua existência que move a trama.
Por que a linguagem de Guimarães Rosa é tão complexa?
A linguagem complexa reflete a profundidade filosófica da obra e a oralidade do sertão. Rosa busca recriar a forma de pensar e falar dos jagunços, utilizando neologismos, inversões sintáticas e regionalismos para expressar ideias que a linguagem padrão não conseguiria, tornando o texto uma experiência sensorial e intelectual única.
Conclusão: A Imortalidade de Grande Sertão: Veredas
Grande Sertão: Veredas não é uma leitura fácil, mas é uma experiência transformadora. Ao percorrer as veredas da alma de Riobaldo, somos forçados a confrontar nossos próprios mitos, a questionar nosso sagrado e a reconhecer a profanidade que nos cerca e nos habita. A genialidade de Guimarães Rosa reside em nos fazer ver o sertão não como um lugar distante, mas como um reflexo de nossa própria jornada interior.
É uma obra que exige releitura, que se revela em camadas, e que permanece relevante por sua capacidade de investigar as questões mais fundamentais da condição humana. A obra de João Guimarães Rosa é um tesouro literário que continua a fascinar e a provocar, provando que as grandes verdades muitas vezes se escondem nos detalhes do "não-dito" e na sabedoria dos mais simples.
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A ilustração propõe uma leitura simbólica e poética de Grande Sertão: Veredas, de João Guimarães Rosa, transformando o sertão em um espaço metafísico onde o real e o imaginário se entrelaçam.
No centro da cena, a vereda luminosa que corta a paisagem funciona como eixo narrativo e espiritual: é o caminho da travessia, da dúvida e da busca interior. Ela conduz o olhar para uma figura solitária ao fundo, sugerindo a jornada existencial que atravessa todo o romance. À frente, a fogueira ilumina dois personagens, remetendo à oralidade, à memória e ao ato de narrar — elementos fundamentais da obra rosiana.
À esquerda, surgem símbolos da fé e da devoção, como a pequena igreja, a figura espectral religiosa e as velas espalhadas pelo espaço, evocando a religiosidade popular do sertão e a permanente interrogação sobre Deus, o bem e o destino. À direita, em contraste, aparecem figuras demoníacas envoltas em tons avermelhados e em fumaça, representando o mal, a tentação e o pacto, temas centrais do livro. O embate entre essas duas forças não é direto, mas coexistente, sugerindo que bem e mal habitam o mesmo território — externo e interior.
No céu, constelações, olhos e rostos entrelaçados formam uma presença cósmica e inquietante, indicando que o sertão não é apenas geográfico, mas também mental, moral e linguístico. Ele é vasto, enigmático e infinito, como as perguntas que o romance levanta. A moldura ornamental e o título reforçam o caráter mítico da cena, aproximando o sertão de um universo quase medieval ou alquímico.
Assim, a ilustração traduz visualmente a essência de Grande Sertão: Veredas: um mundo de travessias, onde o homem caminha entre fé e dúvida, coragem e medo, amor e violência, tentando compreender se o diabo existe — ou se ele nasce dentro do próprio homem.









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