A literatura modernista atingiu um de seus ápices em 1929 com a publicação de O Som e a Fúria (The Sound and the Fury). Escrito pelo Nobel de Literatura William Faulkner, o romance não é apenas uma história sobre a decadência de uma família aristocrática do Sul dos Estados Unidos; é uma experiência sensorial e psicológica que desafia os limites da narrativa tradicional.
Se você busca entender por que este livro é considerado um "divisor de águas" e como navegar por sua complexa estrutura de fluxo de consciência, este guia completo explorará os meandros da família Compson e a maestria técnica de Faulkner.
A Estrutura Narrativa: Por que "O Som e a Fúria" é tão complexo?
Diferente de romances lineares, Faulkner optou por dividir a obra em quatro seções distintas, cada uma narrada sob uma perspectiva diferente. Essa fragmentação é o que dá ao livro sua identidade única.
1. Benjy: O Caos das Sensações (7 de abril de 1928)
A primeira parte é narrada por Benjy, um homem com deficiência intelectual que não possui noção de tempo. Para Benjy, o passado e o presente coexistem. Uma cor ou um cheiro (como o cheiro de árvores de Caddy) podem transportá-lo instantaneamente de 1928 para 1900.
Desafio ao leitor: O uso de itálico indica mudanças temporais bruscas.
Significado: Representa a pureza da percepção sem o filtro da lógica.
2. Quentin: A Obsessão e a Honra (2 de junho de 1910)
Quentin Compson é o irmão intelectual e torturado. Sua seção ocorre anos antes das outras, no dia de seu suicídio em Harvard. Sua narrativa é marcada pelo fluxo de consciência, frases inacabadas e uma obsessão doentia pela virgindade da irmã, Caddy, e pela honra perdida do Sul.
3. Jason: O Cinismo Realista (6 de abril de 1928)
Jason é o antagonista moral da família. Sua narração é direta, amarga e cruel. Ele representa o materialismo e o ressentimento, focando apenas no dinheiro e no controle. É a parte mais fácil de ler, mas a mais difícil de digerir emocionalmente.
4. Dilsey: A Objetividade e a Redenção (8 de abril de 1928)
A última parte é narrada em terceira pessoa, focando em Dilsey, a cozinheira negra da família. Ela é o pilar moral que mantém os restos da família unidos. Esta seção traz a clareza necessária para fechar o ciclo de destruição dos Compson.
Temas Centrais de William Faulkner
Para compreender O Som e a Fúria, é preciso mergulhar nos temas recorrentes que Faulkner explora:
A Decadência do Sul dos EUA: O livro retrata a queda da aristocracia sulista após a Guerra Civil, substituída por um novo mundo onde os valores antigos não têm mais lugar.
O Tempo: Como o próprio título (extraído de Macbeth, de Shakespeare) sugere, a vida é uma "história contada por um idiota... significando nada". O tempo é uma prisão para Quentin e uma confusão para Benjy.
A Ausência de Caddy: Curiosamente, Caddy Compson é a personagem central, mas nunca tem sua própria voz. Ela é vista apenas através dos olhos de seus três irmãos.
Por que ler Faulkner hoje?
Em um mundo de informações rápidas e superficiais, a leitura de O Som e a Fúria é um exercício de empatia e paciência. Faulkner não entrega as respostas; ele exige que o leitor construa o significado junto com ele. A obra influenciou gigantes como Gabriel García Márquez e Toni Morrison, consolidando o estilo que moldaria a literatura contemporânea.
Dicas para ler o livro sem desistir:
Não tente entender tudo de primeira: Especialmente na seção de Benjy. Deixe-se levar pelas imagens.
Use um guia de personagens: No início, é fácil se confundir com os nomes repetidos (como Quentin, o tio, e Quentin, a sobrinha).
Foque nas emoções: Mais do que os fatos, o que importa é como cada personagem sente a perda.
Perguntas Frequentes (FAQ)
1. Qual o significado do título "O Som e a Fúria"? O título vem do solilóquio de Macbeth, de Shakespeare: "A vida é apenas uma sombra que passa... é uma história contada por um idiota, cheia de som e fúria, significando nada". Reflete a visão niilista da decadência humana.
2. Quem é o protagonista do livro? Não há um único protagonista, mas a família Compson como um todo. No entanto, Caddy Compson é o coração emocional em torno do qual todos os outros orbitam.
3. O livro é baseado em fatos reais? Não diretamente, mas o cenário (Condado de Yoknapatawpha) é uma versão fictícia da terra natal de Faulkner no Mississippi, refletindo a realidade histórica do Sul dos EUA.
Conclusão
O Som e a Fúria de William Faulkner permanece como uma obra-prima insuperável da técnica literária. É um livro que exige esforço, mas recompensa o leitor com uma profundidade psicológica raramente vista. Ao explorar a ruína dos Compson, Faulkner nos fala sobre a condição humana, a memória e a inevitável passagem do tempo. Se você busca um desafio intelectual que mudará sua forma de ver a literatura, este livro é essencial.
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(*) Notas sobre a ilustração:
Esta ilustração é uma capa artística (no estilo de pôster literário ou ilustração conceitual) para o romance O Som e a Fúria (The Sound and the Fury), de William Faulkner. Ela reúne, de forma simbólica e densamente carregada, os principais elementos e personagens da obra em uma composição gótica, vintage e ligeiramente surreal.
Descrição detalhada da composição:
Ela segura uma rosa vermelha de caule longo, cuja flor está cravada no centro de um grande relógio de bolso antigo quebrado/flutuante. O ponteiro do relógio marca algo próximo de 10:10, e há referências explícitas a datas importantes do livro:
- “JUNE SECOND 1910” (o dia do suicídio de Quentin)
- “JUNE 1045” (provável alusão distorcida ao tempo desmoronando)
Atrás de Caddy aparece a casa dos Compson, a velha mansão sulista decadente com telhado inclinado, chaminé fumegante e janelas escuras — símbolo do declínio da família aristocrática do Sul dos EUA.
- Benjy (à esquerda) — careca, idoso antes da idade, expressão vazia e aterrorizada, boca aberta em um grito silencioso. Faixa com seu nome e “BÉNjy”.
- Quentin (centro) — jovem de bigode fino, terno formal, olhar alucinado e obsessivo. Usa um grande relógio de bolso pendurado no pescoço (referência à sua fixação pelo tempo e pela virgindade perdida de Caddy).
- Jason (à direita) — expressão de raiva e desprezo, dentes cerrados, olhar furioso e cínico. O mais “adulto” e cruel dos irmãos.
Cada um tem uma faixa/legendas com seus nomes e palavras-chave fragmentadas (SEGALT, RENTS, etc.), reforçando o caráter desconexo e fragmentário da narrativa.
Elementos espalhados pelo fundo
- Cemitério com lápides tortas e cruzes ao fundo → morte, decadência, o peso do passado
- Rosas vermelhas por toda parte → beleza, paixão, sangue, perda da inocência (Caddy)
- Fitas e pergaminhos serpenteando com palavras como “SIVFE ISSS”, “BPBILANT”, “CLUBS”, “RENT S” → alusão ao fluxo de consciência caótico, especialmente o capítulo de Benjy
- Árvore genealógica implícita e galhos entrelaçados → a família Compson sufocada por seu próprio legado
Em resumo: a ilustração funciona como um resumo visual perfeito do livro — tempo quebrado, inocência perdida, obsessão, decadência sulista, loucura e a centralidade trágica de Caddy, tudo envolto em uma estética gótica e literária muito bem resolvida.
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